Carina Martins Publicado em 19/12/2013, às 14h00 - Atualizado às 22h53
“Cara, eu juro que não é armação”, repete Supla, enquanto me conduz para a porta do prédio onde mora, na região central de São Paulo. Supla se refere ao fato de, justamente durante nossa visita, receber a ligação de uma fã, que esperava ali para mostrar a tatuagem que acabara de fazer em homenagem a ele. Armação ou não, lá estava uma mocinha tentando não parecer trêmula diante do 1,90 m de altura do ídolo. Um pedaço de plástico-filme no braço protegia o logotipo de Menina Mulher, álbum de 2004 do músico, agora para sempre na pele dela. Cara fã, você vai gostar de saber que Supla te chamou de “gatinha” quando, mais tarde, relatou a história para todo mundo.
Enquanto subimos de volta ao apartamento, Supla conta empolgado sobre duas outras meninas que tatuaram “Viva Liberty”, nome de uma das canções de maior sucesso do Brothers of Brazil, dupla que ele mantém ao lado do irmão, João Suplicy. A música de letra inspiracional, uma espécie de “Born this Way”, canta que cada um tem a liberdade de ser o que bem entender. “Alguns querem ser Lady Gaga, e por mim tudo bem”, diz a tradução.
Estúdio RS #9 - Brothers of Brazil.
O apartamento dele ocupa o 2o andar do prédio antigo. Não há recuo, grade ou portão. A porta do edifício abre direto no meio dos transeuntes. A pouca distância entre a ampla varanda e o chão de uma praça dá mesmo uma sensação de integração. Muitos artistas afirmam que gostam do “contato com a cidade”, e Supla, filho de ex-prefeita, não é diferente. “Eu amo aqui. Tem empresário, puta, travesti, punk, gótico, rapper, secretária. Eu saio e ouço: ‘Porra, o que você acha disso ou daquilo politicamente? E esse seu programa?’ Você sabe imediatamente: é o coração da cidade”, afirma. “Todas as manifestações passam por aqui.”
Supla e João Suplicy formam a dupla Brothers of Brazil.
Supla estava em turnê pelos Estados Unidos durante os protestos de junho, mas, duas semanas antes da entrevista, disse que foi pego de surpresa pelo fechamento de uma rua ao lado da casa dele pelo Batalhão de Choque. Na ocasião, cruzou com dois meninos que enfrentavam os policiais; um deles, que usava uma proteção no olho e dizia ter sido ferido por uma bala de borracha, respondeu à pergunta do músico sobre o uso de violência. “Ele disse: ‘Sabe o que é, mano? É que sem violência não acontece porra nenhuma’. Meu pai sempre fala que prefere os métodos de Gandhi ou Martin Luther King. Mas eu fiquei muito mexido com aquilo. E tudo isso é material para se escrever.”
O saguão de entrada do apartamento tem as paredes pintadas de roxo – é a casa do Supla, afinal. Espere cortinas de oncinha e um imenso sofá verde e laranja, as cores do Charada Brasileiro, tudo surpreendentemente bem integrado a peças de estilo tradicional britânico. E um Troféu Imprensa. Nas tais paredes roxas, o visitante é saudado por uma sequência de fotos de Bob Gruen, famoso fotógrafo do rock. Ao lado de retratos de nomes como Sid Vicious e John Lennon, está o de Supla, também assinado por Gruen. Pôsteres e imagens promocionais do cantor aparecem aqui e ali pela decoração.
Assista ao making of das fotos:
Supla fala muito e intensamente, em correntes que emendam um pensamento no outro e que às vezes só são interrompidas se houver um encontro entre a firmeza do interlocutor e a notória boa educação do primogênito de Eduardo e Marta Suplicy. Também gosta de conduzir, principalmente quando tem a oportunidade de falar sobre seu trabalho, uma quase-obsessão de quem conseguiu forjar uma profissão que reúne seus gostos e crenças pessoais. Forjar mesmo, já que, para fazer o que gosta, Supla é quase um exército de um homem só. Desmonta palco, monta banquinha de camiseta depois do show, vai às rádios pessoalmente apresentar (e pedir) suas músicas, e pegou de surpresa nossa equipe de fotos, que foi recebida com um cenário que ele mesmo decidiu e montou – passou a noite escolhendo objetos que representassem suas influências. E, sim, a cueca de couro é acervo pessoal.
A vida de Eduardo Smith de Vasconcelos Suplicy é tão tomada pelo trabalho de ser Supla que, às vezes, a própria realidade vira produto. Até hoje, ele participou de quatro reality shows: o fenômeno Casa dos Artistas, decisivo para toda sua presença de mídia posterior; foi jurado no Ídolos; documentou a vida na estrada com Brothers na Gringa; e, agora, foi disputado por mulheres em Papito in Love, aposta da nova MTV. “Me diverti muito. É entretenimento, mistura ficção e realidade. E participar mexe com você!”, ele diz sobre o último. “Tento também me envolver com a coisa e, no final, você vai conhecendo melhor as meninas e se envolvendo mesmo. Eu mesmo já liguei para todas elas para agradecer a participação, porque elas fizeram o programa junto comigo.” Justo ele, que é assumidamente romântico. Nunca se casou, mas está quase sempre namorando sério – com a musa da canção “Green Hair”, por exemplo, foram cinco anos. Pensa em ter filhos, mas só se estiver dividindo a vida com alguém. Lembro que, para isso, talvez a futura esposa tenha que acabar sendo bem mais nova que ele. “Não. Será?”, pergunta, esquecendo-se por um instante que tem 47 anos. Vendo no espelho um homem forte e bonito, é difícil mesmo lembrar.
Estes anos de exploração midiática, unidos ao próprio estilo pessoal de Supla, criaram um dilema: se, por um lado, graças a isso ele conseguiu, por esforço próprio, sobreviver no showbiz, por outro o carisma da personalidade dele disputa espaço com sua credibilidade musical, ascendente desde que, há quatro anos, montou com o irmão caçula João o Brothers of Brazil. Pergunto se ele tem medo de ser percebido pelo público como um personagem de humor que faz sombra no músico, de ficar como uma espécie de Sérgio Mallandro, condenado a fazer “glu-glu” sempre que ligam as câmeras. É uma sugestão incômoda e, por várias vezes, nos dias seguintes à primeira conversa, ele retoma o tema. “Eu sei levar uma piada. Quando vêm essas coisas, eu acho que é de carinho. Tudo bem, lógico que eu falo: ‘C’mon, Champs!’ Porque acho que é uma forma de você inventar um negócio, fazer um branding que eu acho legal. Agora, é importante eu chegar numa entrevista e ter coisas a dizer”, afirma.
Supla tem, sim, coisas a dizer, e faz questão disso. De maneira apaixonada, contextualiza um rol de referências como os antigos roqueiros Gene Vincent e Eddie Cochran (em quem ele sugere que João se espelhe, aliás), recita as próprias letras para lembrar que discute temas que vão de Occupy Wall Street a política latino-americana, conta detalhes da carreira. “É até engraçado quando alguém não tá ligado e A gente não estourou lá fora, mas tem uma credibilidade.” Boa parte desse reconhecimento que ele cita veio de grandes turnês recentes pelos Estados Unidos, como a Warped Tour e as viagens abrindo os shows de Adam Ant e Flogging Molly.
“Eu quero saber qual artista brasileiro conhecido tem a moral de chegar lá fora e carregar bateria pra fazer o show. Porque acaba o show, sabe o que a gente faz? Eu, junto com o roadie, tiro a batera imediatamente, e o João já está na banca vendendo camisetas. E isso paga nossa viagem. Vende tudo. Porque os caras gostam do show. Aí voltamos dirigindo, paramos para dormir umas poucas horas e seguir dirigindo até o próximo show. É um trabalho árduo”, conta. “Pra você me comparar com ‘glu-glu, glu-glu’?”
Paradoxalmente, a realidade de conquistas suadas que a persona midiática de Supla ofusca ganhou mais espaço justamente através de um reality show, o Brothers na Gringa. “Trouxe muito respeito pra mim e pro Brothers. Porque os caras viram que a gente não é bunda-mole, não”, anima-se. “E as pessoas estão começando a ter essa percepção da gente por causa do programa. Quantas mil pessoas não me viram chorando em um show de Las Vegas que a gente abriu pro Flogging Molly, sendo que os fãs deles adoraram a gente?” E volta a lembrar que as coisas acontecem porque Supla faz com que aconteçam. “Adam Ant quem arrumou fui eu, porque conheço o Glen [Matlock], do Sex Pistols. Quem você acha que conseguiu [ser escalado para] o Lollapalooza? Eu e o João. Mudou o dono e a gente foi atrás. A gente vai atrás das coisas. Normal.”
Supla é gentil e educado. Abre portas, dá passagem, oferece café – quem traz é a simpática Conceição, que ele chama de Conça, dona de um cabelo quase tão incrível quanto o do patrão. Ele faz questão de abrir um ensaio do Brothers of Brazil para a reportagem e apresentar as músicas em que estão trabalhando para o novo álbum. Todas as manhãs, Supla e João ensaiam em uma sala acústica no espaçoso apartamento do centro. Com a mesma energia e orgulho que permeia a exposição de tudo que faz, Supla fala das canções e mostra músicas, algumas ainda inacabadas. O quarto álbum do Brothers será gravado em fevereiro, provavelmente em Nashville. O novo trabalho terá mais letras em português e, possivelmente, se chamará Brasileiro Rocknroller, nome de uma faixa que traz exatamente uma coletânea de nomes e influências cruzadas da história do rock. “I love this song, acho que está ficando animada. Esse talvez seja até o nome do disco, porque é isso que a gente é. It’s a great riff”, diz Supla, em seu peculiar anglo-português. “É um estudo de rock que estou fazendo. Eu poderia ser um crítico da revista, my knowledge of rock n’ roll desafia qualquer um aí pra falar.”
Durante o ensaio, João mostra no celular, orgulhoso, as primeiras cenas da estreia de Além do Horizonte, novela da Globo que abriu tocando me vê fazer uma performance em um lugar grande. Fala ‘Putz, olha o Supla, barbarizou, não esperava’”, diz. “E meu irmão também, quando faz show, os caras ficam espantados. Desculpa, o João barbariza. um minuto de “Take the Money and Run Away to Rio”, música do primeiro álbum do Brothers. Os dois irmãos têm smartphones completamente escangalhados e cheios de rachaduras, mas inseparáveis. “Cara, isso aqui é um veneno da porra. Você não vive sem, mas é ridículo. Se esquece, é pior do que sair sem a carteira”, conta Supla. “Até aqui no centro mesmo, as pessoas nem olham mais pra elas mesmas, ficam assim, ó [gesticula], e batem umas nas outras. Alguma coisa está muito estranha.”
De lá, seguimos para a ronda de Supla pelas rádios. No mesmo prédio, ficam os escritórios da Kiss FM e da 89 FM. Nas duas, ele é recebido como velho conhecido. Cumprimenta a todos e conta do show do Cat Stevens que viu no dia anterior. Claramente, ele está sempre por ali. “Tento não passar do limite”, diz, acrescentando que, de tanto interferir na edição do programa Brothers na Gringa, ganhou da equipe, como piada, uma placa de funcionário do mês. Nas rádios, senta-se com os diretores para falar das faixas do disco, apresentando as que acha que mais combinam com o público delas. Ouve opiniões. O primeiro disco do Brothers, diz, as emissoras acharam que não combinava com elas. “E tudo bem. Tinha mesmo outro estilo, era menos roqueiro.”
Nas duas rádios, a opinião geral é a mesma. O esforço pessoal de Supla em criar relações e canais de divulgação ao longo de três décadas é sem paralelo. As bandas desconhecidas não têm o acesso que ele tem, e as conhecidas pagam pessoas para fazer o que ele faz. “Já paguei, mas faço melhor eu mesmo”, afirma Supla. Keepin’ it real, como ele diria.
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