<b>Imultável</b> <br> Lemmy em retrato de 2002 - TIM ANDERSON/REX/SHUTTERSTOCK/AP IMAGES

Lemmy Kilmister: Um As Veloz

O líder do Motörhead teve uma vida tão intensa e fugaz quanto as músicas da banda dele

David Browne Publicado em 24/02/2016, às 16h33 - Atualizado em 03/08/2017, às 13h28

No dia seguinte ao natal, o médico de Lemmy Kilmister foi ao apartamento do cantor e baixista do Motörhead, em West Hollywood, Califórnia, para dar a ele uma má notícia. Lemmy, que tinha dificuldade para falar, soube que tinha sido diagnosticado com um câncer terminal no cérebro e no pescoço. Teria, no máximo, seis meses de vida. Ele aceitou bem a notícia – voltou rapidamente a contar piadas e a jogar videogame. Então, em 28 de dezembro de 2015, cochilou e nunca mais acordou. Tinha 70 anos. Ironicamente, o laudo da autópsia apontou como causas oficiais da morte um câncer na próstata e diversas complicações cardíacas. “Não sei como ele conseguiu ir tão rapidamente”, diz Todd Singerman, empresário de longa data do Motörhead. “Ele deve ter desejado partir O líder do Motörhead teve uma vida tão intensa e fugaz quanto as músicas da banda dele Por David Browne Lemmy Kilmister Um As Veloz Rolling e dito ‘Que se foda’. Fez as coisas do jeito dele, mais uma vez.”

Das músicas com volume alto, pesadas e implacáveis ao mítico uso de álcool e drogas, Lemmy fez tudo da maneira que quis. Como fundador, baixista e líder do Motörhead, exerceu uma influência tremenda no heavy metal ao longo de quatro décadas. “Lemmy provavelmente foi um dos maiores motivos para eu querer entrar para uma banda”, afirma Lars Ulrich, baterista do Metallica. “Em 1979, eu estava em uma loja de discos e a introdução de bumbo duplo de ‘Overkill’ começou a tocar. Eu nunca tinha ouvido nada como aquilo na vida. Essa música me levou para um lugar onde nunca havia estado.” Depois de ficar sabendo da morte de Lemmy, o amigo Dave Grohl (Foo Fighters) tatuou um ás de espadas no pulso, um tributo a “Ace of Spades”, a música mais popular do Motörhead.

Um dos personagens mais memoráveis do rock, Lemmy vivia como um pirata, se vestia como um motoqueiro, não escondia as verrugas no rosto e não tinha paciência para bobagens (entrevistador: “Você não acredita em Deus?”/ Lemmy: “Acredito que vou tomar uma bebida”). Colecionador de todo tipo de suvenires de guerra, encheu seu apartamento com memorabilia nazista, como a escova de cabelo de Eva Braun (esposa de Adolf Hitler), mas o interesse que mantinha era puramente histórico. “Só coleciono as coisas – não coleciono as ideias”, afirmou certa vez (Singerman diz que pelo menos parte da coleção será doada a museus).

Apesar de ser meio esquentado, Lemmy também tinha um lado afável e simpático. Era conhecido por dar dinheiro a amigos (e desconhecidos) que estivessem em maus lençóis e por receber de braços abertos jovens músicos em seu grupo. “Ele era uma figura paterna – alguém com quem você se sentia completamente seguro. Você nunca era julgado”, conta Ulrich.

Nascido em 1945 em Staffordshire, na Inglaterra, com o nome Ian Fraser Kilmister, filho de um ministro de igreja e uma bibliotecária, Lemmy foi criado em North Wales e não demorou a ser fisgado pelo rock: viu os Beatles tocando no Cavern Club e trabalhou por pouco tempo como roadie para Jimi Hendrix. Em 1971, entrou para a banda de rock progressivo Hawkwind. Embora ele e o cofundador, Dave Brock, tenham continuado amigos até sua morte, Lemmy foi expulso da banda em 1975, devido a uma prisão por posse de drogas no Canadá e ao uso descontrolado que fazia de speed. “Ele ficava acordado durante dias e, então, dormia”, conta Brock. “Estava sentado na cama lendo um livro e dormia de olhos abertos. Eu pensava: ‘Mas que porra – ele morreu?’ Ele chegou aos 70 e eu não achava que chegaria aos 50.”

Lemmy se recuperou da demissão rapidamente, formando sua própria banda. O grupo quase foi batizado de Bastard, antes de se decidir por Motörhead. Em álbuns clássicos, como Ace of Spades (1980) e o épico ao vivo No Sleep ’Til Hammersmith (1981), o Motörhead formou um elo perdido entre o metal e o punk (Lemmy mais tarde se gabou de ter ajudado a ensinar Sid Vicious, do Sex Pistols, a tocar baixo). Ao longo de 22 álbuns, várias mudanças de formação e até um Grammy (em 2005), o som brutal da banda não fraquejou. “Lemmy nunca se vendeu”, diz a diretora Penelope Spheeris, que o entrevistou para o documentário Os Anos do Heavy Metal: O Declínio da Civilização Ocidental (1988). “Ninguém mais soava daquele jeito. Você sempre sabia quando era uma música do Motörhead.”

Ozzy Osbourne, velho amigo de Lemmy, descobriu que o Motörhead era tão incansável nos bastidores quanto no palco quando as bandas fizeram uma turnê conjunta pelos Estados Unidos, em 1981. “Lembro que uma vez perguntei ao Lemmy: ‘Você dorme?’”, Ozzy conta. “E ele respondeu: ‘Bom, não muito’. Continuei: ‘Quando foi a última vez que você dormiu?’ Ele falou: ‘Deixa eu pensar... 10, 12 dias atrás’. Tomavam bourbon o tempo inteiro. Eu também bebia muito na época, mas nada como eles. Deram um novo significado a [palavra] ‘festejar’.”

Lemmy não se arrependia de seu estilo de vida. “Já se falou muita merda sobre o que é ruim para você”, ele disse à Rolling Stone em 2009. “Todos querem estar seguros. Bom, tenho uma coisa para te contar: você não pode ficar seguro. É por isso que é preciso aproveitar o momento.”

Em 1990, Lemmy se mudou para Los Angeles, perto de seu lugar preferido, o Rainbow Bar and Grill, onde se tornou uma presença tão constante que ninguém mais tinha permissão para sentar em sua cadeira.

O Motörhead fazia turnês e gravava regularmente – o mais recente álbum, Bad Magic, saiu em 2015 –, mas a saúde de Lemmy se tornou um problema. Ele era diabético há muito tempo. Para combater uma arritmia cardíaca, um desfibrilador foi implantado no peito dele em 2013. Lemmy continuou tomando speed todo dia praticamente até morrer, mas, em uma concessão ao envelhecimento, deixou de fumar vários maços de cigarro por dia e passou a um maço por semana. Também trocou o Jack Daniel’s por vodca com suco de laranja, dizendo a Singerman: “Suco de laranja faz bem à saúde”.

Em setembro, uma infecção nos pulmões de Lemmy forçou o Motörhead a cancelar vários shows. “Mandei uma mensagem de texto dizendo: ‘Dê um tempo’”, conta Brock. “Ele me respondeu: ‘Ah, não se preocupe – estou bem’.” Ele continuou com a turnê, fazendo o último show em Berlim em dezembro (há planos de lançar um DVD com trechos de duas das últimas apresentações). Dois dias depois, o aniversário de 70 anos dele foi celebrado em uma boate de Los Angeles, onde foi festejado por Ulrich, Slash, Duff McKagan, Billy Idol e outros. Muito magro e fraco, não se juntou aos outros músicos no palco.

Ainda assim, é a outra imagem de Lemmy – infatigável, destemido – que permanecerá. “Tínhamos uma piada entre nós: ‘Quem vai embora primeiro?’”, lembra Ozzy. “Ele me disse uma vez: ‘De que adianta viver até os 99 anos se você não está curtindo? A vida é minha e quero me divertir com ela.”

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