Joel Kinnaman foi o escolhido para viver o RoboCop do século 21 - KERRY HAYES/DIVULGAÇÃO

Máquina da Lei

José Padilha volta a discutir a violência em RoboCop, estreia dele em Hollywood

Mariane Morisawa Publicado em 17/02/2014, às 13h54 - Atualizado em 18/02/2014, às 13h26

José Padilha poderia ter mantido uma posição confortável no Brasil – afinal, um diretor que levou milhões de pessoas aos cinemas com Tropa de Elite e Tropa de Elite 2 (os quais, além de dirigir, ele ajudou a escrever e produzir, tendo atuado também na distribuição do segundo) tem a possibilidade de fazer basicamente o que quiser em seu país de origem. Mas o cineasta nunca buscou uma carreira tranquila – nem escapar de polêmicas. Os dois filmes abriram um debate sobre a violência da polícia brasileira e colocaram os bordões do Capitão Nascimento na boca de todo mundo. Então, quando Hollywood bateu à porta de Padilha, ele fez uma das escolhas mais ousadas que um diretor estreante na indústria hollywoodiana poderia fazer: comandar a refilmagem de RoboCop (1987), cultuado clássico de Paul Verhoeven sobre um policial que se torna robô. “É um risco”, ele admite, em entrevista em Los Angeles. “Se você realmente quer falar alguma coisa com seu filme, e é uma produção grande de estúdio em que você formalmente não tem o corte final, vai ter de trabalhar para colocar sua opinião ali dentro. Você está se expondo.”

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O que mais chamou a atenção de Padilha na história de RoboCop foi a relação entre automação da polícia e guerra e fascismo. Como exemplo dessa ligação, ele cita o Vietnã e o Iraque e o fato de que houve muita pressão para que os Estados Unidos deixassem as duas guerras, por causa do alto número de soldados norte-americanos mortos. “Mas, se você substituir soldados por robôs, cadê a pressão? Não existe mais”, analisa.

No novo RoboCop, que estreia em 21 de fevereiro no Brasil, drones e robôs são usados pela polícia e pelas Forças Armadas. A reviravolta vem com a tecnologia desenvolvida pelo Dr. Dennett Norton (Gary Oldman), que resolve fazer uma proposta: colocar um homem dentro do robô. “Ao contrário do filme original, a gente não tem um Alex Murphy morto dentro do robô. Ele está vivo. Um dia, acorda e é RoboCop, e isso é terrível”, diz Padilha, que recusa a noção de que o RoboCop seja um super-herói. “Quero ser o Homem de Ferro, o Homem-Aranha, o Batman, o Superman, mas não quero ser o RoboCop.”

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O drama do personagem interpretado pelo sueco Joel Kinnaman, conhecido pela série The Killing, é ainda potencializado pelo fato de ele ser casado (com Clara Murphy, papel de Abbie Cornish) e ter um filho (John Paul Ruttan). A escolha do protagonista foi fundamental, e vários atores foram testados. “Precisávamos de um grande ator, porque o cara tem de interpretar tudo isso com parte do rosto e a mão direita”, explica o diretor. Para ele, no entanto, tão importante quanto a seleção do ator principal era trabalhar com pelo menos parte de sua equipe brasileira. Padilha conseguiu levar para os Estados Unidos o diretor de fotografia Lula Carvalho e o montador Daniel Rezende, o que deu um sabor verde-amarelo ao set. “Era tudo muito leve, fácil, divertido, porque todos amam trabalhar com José, querem fazer todos os filmes com ele”, exalta Abbie.

Padilha fez longos ensaios com o elenco antes das filmagens, e tanto nesses momentos quanto durante as gravações, teve liberdade para mudar os diálogos, com participação dos atores. “Tentamos evitar os momentos geladeira”, conta um bem-humorado Gary Oldman, que explica que os tais “momentos geladeira” são aqueles em que, depois de assistir a um filme, você chega em casa, abre a geladeira para pegar um refrigerante e pensa: “Peraí: aquela cena não faz sentido”. “O filme é muito baseado na realidade”, completa o ator.

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Com RoboCop, Padilha espera voltar a abrir discussões, incluindo a reflexão sobre o uso dos tão polêmicos drones. “O filme que decidimos fazer abraça esse conceito que está no original, essa consciência de que devemos observar a automação da violência pela tecnologia de forma muito cuidadosa, porque é uma porta aberta para o fascismo”, explica. Mais real e atual do que isso, impossível.

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