Explorando a fábula e a poesia na minissérie global Decamerão, diretor Jorge Furtado promove cruzada aberta contra a verdade na TV
Por Cristiane Lisboa Publicado em 29/09/2009, às 10h20
"A realidade me interessa muito pouco." Jorge Furtado, diretor-geral e responsável pelo texto final do projeto Decamerão - A Comédia do Sexo, da Rede Globo, declara enquanto caminha em um set de filmagens que não existe. As gravações dos quatro novos episódios da microssérie - com estreia prevista para 31 de julho - foram feitas no interior das cidades de Garibaldi e Farroupilha, região serrana do Rio Grande do Sul. A produtora executiva Nora Goulart e a diretora Ana Luiza Azevedo escolheram locais com construções que datam de 1800 e parecem ter saído de páginas de alguma velha edição dos Irmãos Grimm. Já o lago com patos, a catascata, o tom castanho e verde da paisagem e os queroqueros queros (pássaros típicos da região) sempre estiveram ali. "Escolhi não situar a história em lugar nenhum, exatamente para que o tom de fábula estivesse claro o tempo inteiro", ele explica. E nem precisava.
Pra começar, Decamerão é inspirado em uma coletânea de 100 contos de Giovanni Boccaccio, considerado o criador da prosa italiana e dono de histórias com humor, erotismo e a engenharia do truque que vem da necessidade. E o roteiro, elaborado pelo próprio Furtado ao lado de Adriana Falcão, Carlos Gerbase e Guel Arraes, é todo em versos. "Eu queria fazer um negócio com verso, independentemente do que fosse. É a minha campanha contra o realismo, da coisa como ela é, da vida de verdade filmada", Furtado começa. "Queria fazer o oposto dessa tendência de naturalismo realista, uma fantasia total, e o verso estabelece esse limite. Ninguém conversa em verso. Então, como essa rima não existe na vida, se percebe que é uma coisa mágica. O texto tem que ser milimetricamente decorado e, ao mesmo tempo, não se transformar naquela decoreba de apresentação de escola", ele define, sem rimar nem uma vez. Para essa tarefa, o diretor chamou sete atores principais cujas vozes, gestos, olhares e maneiras ele conhecia bem de trabalhos anteriores: Daniel de Oliveira, Matheus Nachtergaele, Deborah Secco, Lázaro Ramos, Drica Moraes, Edmilson Barros e Leandra Leal. "Foi um exercício minucioso construir cada cena", diz Daniel. "Não dava pra colocar nem uma palavra que não estivesse no roteiro, por isso todo mundo acabou usando mais o corpo. Até tosse e pigarro no tempo certo valiam como detalhe."
O projeto foi feito em conjunto com a Casa de Cinema de Porto Alegre, em uma parceria que já existe há 20 anos e que é renovada de tempos em tempos. Esse contrato não obriga a produtora a apresentar um número definido de possibilidades de programas no ano, nem a Rede Globo precisa aceitar tudo que eles oferecem. Mas garante que tudo será visto, avaliado e, talvez, devidamente testado. Decamerão foi assim. Teve um capítulo exibido em janeiro deste ano e agora ganha mais quatro. "No início da ideia, pensei em uma série, mas era uma coisa radical em termos de tudo: época sem uma marcação específi ca, um lugar que não existe, atores de vários sotaques, verso, atmosfera de conto de fadas. Quando tu apresenta um projeto assim em uma TV como a Globo é um alto risco, pode ficar um mico, uma ideia linda que ninguém entende. Tem que testar. E deu certo, estamos todos aqui", revela o sincero Furtado. E "todos" incluem 8 toneladas de equipamentos, 65 pessoas na equipe técnica e 80 fi gurantes da própria região. Além dos atores, claro - os quais, aliás, eram os únicos "importados" na produção, todo o resto trabalha vinculado à Casa de Cinema há muitos anos.
A qualidade cinematográfica da produção não significa que para Furtado exista uma distinção clara entre televisão e cinema. Isso porque ele considera que o público está realmente enxergando o que vê e ouve. "Faço as coisas de uma maneira que as pessoas precisem se concentrar. A TV é uma espécie de rádio com luz dentro, em que é possível assistir às coisas de costas, comendo, andando de um lado para o outro. Mas é obrigação de quem faz TV ousar. O público gosta de gostar de uma novidade", afi rma, redundante. Deborah Secco concorda e reafi rma que é preciso um esforço conjunto dos profi ssionais da área para o que ela chama de "formação de público": "É preciso sair da zona de conforto e fazer apostas em projetos que não são exatamente um sucesso imediato de público. A gente tem que ensinar às pessoas que é possível gostar do desconhecido, que um outro tipo de dramaturgia pode ser popular".
E esse "popular" só a televisão pode oferecer. Pois se Decamerão fosse um filme, teria sido assistido por mais ou menos 20 mil espectadores, que é a média tradicional de um fi lme nacional. Já na TV, o primeiro episódio, exibido em janeiro, teve uma audiência estimada em 30 milhões de pessoas. Com verso e tudo. Talvez porque, como dizem por aí, a poesia pode ser um instrumento de encantamentos vocais. Ou porque, ao contrário do que ainda dizem, poesia é biscoito fi no que as massas querem. Basta oferecer, e saber bem como fazer. A rima infame, aliás, foi proposital.
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