A maternidade não domou M.I.A., que agora faz música mais pesada ainda
Redação Publicado em 02/12/2010, às 12h23
A arte é a arma secreta de Maya Arulpragasam desde que ela atingiu idade suficiente para segurar um lápis. Na escola, em um convento no norte do Sri Lanka, as alunas eram colocadas na sala de aula de acordo com a cor da pele. Maya, uma garota magrinha e de pele escura, sentava nos fundos, com as crianças realmente pobres e que iam à escola vestindo só roupas de baixo. "Aquelas crianças mal falavam", conta a cantora. "Elas sempre achavam tudo muito difícil e constantemente eram castigadas." A família de Maya era relativamente bem de vida: a mãe trabalhava como costureira e o avô havia sido dono do cinema local, que exibia sucessos de Bollywood. A irmã mais velha, Kali, era mais acadêmica - os parentes diziam que ela era "obviamente a irmã inteligente". Mas Maya era boa em artes, então começou a desenhar para as crianças no fundão da classe, "só porque elas não conseguiam acompanhar. Eu me tornei muito útil e, eventualmente, progredi na classe. A arte foi realmente boa para mim".
Agora, Maya - que grava como M.I.A. - tem 35 anos, é uma estrela pop internacional, lançadora de tendências da moda e uma agitadora política. "Paper Planes", sucesso de seu álbum anterior, Kala (2007), elevou M.I.A. de queridinha dos alternativos a formadora do gosto pop. Quando se apresentou ao lado de Lil Wayne, Jay-Z e Kanye West no Grammy Awards, em 2009, o som e o estilo peculiares de M.I.A. (tecidos de estampas tribais e cores neon brilhantes) começaram a influenciar as tendências da moda, bem como a música de cantoras pop como Rihanna, Ke$ha e, na opinião de M.I.A., Lady Gaga. "Ela soa mais como eu do que eu mesma, caramba!", alegou recentemente. Só que, diferentemente de estrelas pop mais convencionais, M.I.A. usa a política como Madonna usa o sexo como parte de sua arte, algo que deve fazer você se mexer, não pensar. Ela se compara às crianças que passam como raios nos fundos de matérias na TV sobre guerra ou fome. "Ninguém dá um microfone àquelas crianças e diz: 'Conte o que está acontecendo'", afirma. "Não fazem isso porque nenhuma delas sabe como falar com você. Levei 20 anos para chegar aqui, aprender a linguagem, virar uma estrela e dizer: 'Finalmente tenho o microfone!' Era isso o que eu diria se tivesse o microfone aos 10 anos."
Em uma tarde no final de junho, Maya se joga em uma cadeira no pátio do hotel Bowery, em Nova York. Usa um jeans desbotado com aplicações de remendos e uma camisa com estampa de leopardo e tigre. Os últimos meses trouxeram algumas das piores notícias de sua carreira: foi retratada como politicamente ingênua em um perfil da New York Times Magazine e o videoclipe para a música "Born Free" - hiperviolento, no qual a polícia paramilitar encurrala crianças ruivas com cara de anjo e as assassina - foi criticado como fútil e sensacionalista. Com o seu disco mais recente, /\/\ /\ Y /\, lançado em maio, ela parece já estar exausta.
Em poucos dias, M.I.A. irá para Los Angeles ficar com a família. Ela passou os últimos dois meses em Londres, visitando a mãe e renovando seu visto temporário para os Estados Unidos. Seu noivo, Bem Bronfman, entra no pátio carregando o filho deles, Ikhyd, de menos de 2 anos. Bronfman tem 27 anos, é alto e magro, e anda com uma confiança tranqüila que complementa a energia nervosa de Maya - ele trabalha como estrategista na Global Thermostat, uma empresa ambiental, e dirige uma gravadora de discos e linha de roupas ecológicas chamada Green Owl. Além disso, é filho de Edgar Bronfman Jr., presidente do Warner Music Group e herdeiro da fortuna multibilionária da empresa de bebidas Seagram. Ikhyd usa short xadrez, tênis e está sem camisa: o cabelo negro do bebê está quase nos ombros, e ele tem os olhos escuros e profundos da mãe. "Não deu para ficar cinco minutos na rua com este carinha", conta Bronfman, dando o bebê para Maya. "As pessoas ficavam parando, dizendo: 'Ahhhh!'"
Ben e Maya se conheceram em 2007, quando ela estava em turnê e ele estava tocando com sua antiga banda, Exit. Namoravam havia menos de um ano quando Maya engravidou. "Embora houvesse muita coisa boa acontecendo no meu trabalho, foi o momento mais perfeito para ter um filho - quando seu relacionamento é novo e incrível e você traz esta criança para muito amor", ela explica. M.I.A. estava morando no Brooklyn havia três anos, alugando um apartamento. Amava o bairro onde Jay-Z e Biggie Smalls cresceram, especialmente por sua população vibrante e multiétnica. "Acho que não é da conta de ninguém com quem me caso", ela afirma sobre suas novas circunstâncias. "Não represento um papel que tenha essas limitações."
Apesar de seu luxuoso novo estilo de vida - ou possivelmente em reação a ele -, o novo álbum de M.I.A. é mais artístico, estranho e pesado do que os dois primeiros, Arular (nome de seu pai), de 2005, e Kala (nome de sua mãe). Ela absorve samples de punk ("Born Free"), covers estranhas de new wave holandesa ("It Takes a Muscle"), jams românticas para pistas de dança da era espacial ("XXXO") e hip-hop tribal e sensível ("Teqkilla"). Em "Lovalot", M.I.A. diz aos detratores: "I won't turn my cheek like I'm Gandhi / I fight the ones that fight me [Não vou dar a outra face como Ghandi/ Brigo com quem briga comigo]." "Enchemos uma caixa enorme com cerveja, vinho e doces, tínhamos esse laser verde louco e nos trancamos no estúdio por 12 horas seguidas", conta Rusko, DJ e produtor britânico de dubstep, que trabalhou em uma boa parte do álbum. "Ela chegou com um laptop cheio de sons de todo o mundo - bandas de percussão indiana e os batimentos cardíacos do bebê de quando estava grávida. Meu trabalho foi basicamente tornar isso coerente."
No final dos anos 90, Maya - frequentando a escola de Cinema do famoso Central Saint Martins College of Art and Design, em Londres - atraiu a atenção de Justine Frischmann, vocalista do Elastica e ex-namorada de Damon Albarn, do Blur. "Fui a um show e o Damon me paquerou", ela mesma conta. "Fiquei tipo: 'Não vou ficar com você só porque é famoso, então caí fora'." Uma amiga em comum contou a história para Justine. "E ela falou: 'Gosto de você'. Assim ficamos amigas." Maya compôs seu primeiro single, "Galang", para Frischmann, que disse a Maya para guardar a música para si mesma. "Ela falou: 'Você escreveu uma música de verdade, sabia?'", lembra M.I.A. Logo depois, afirma: "Percebi que era eu quem estava me segurando. Sentei com um gravador de quatro canais, um microfone e comecei a compor. Foi como abrir todo um lado do meu cérebro que estava estimulado de uma forma que eu nunca tinha descoberto. Era uma linguagem totalmente nova".
Em um salão de manicure no leste de Londres, alguns meses antes da viagem para Nova York, Maya folheia um fichário repleto de exemplos de designs de unha elaborados. Tem uma sessão de fotos naquela tarde e, como sempre, tem uma visão muito específica para ela, até as unhas. Olha rapidamente cada página, pulando as estampas de leopardo, logotipos Chanel e bandeiras do mundo, e se concentra em um padrão de inspiração asteca de que gosta. "Você pode fazer isso em amarelo?", pergunta à manicure, apontando para uma parte do desenho. Tira o casaco, dá um suspiro exausto e explica que, na noite passada, após uma festa com karaokê para o aniversário de 75 anos de uma tia, saiu para se encontrar com o diretor Romain Gavras à meia-noite para trabalhar na edição do videoclipe de "Born Free". Maya está de volta ao Reino Unido para sua primeira visita longa desde que Ikhyd nasceu, hospedando-se na casa da mãe ("a menor casa do mundo", conta), na região oeste da cidade. Está preocupada com a possibilidade de Kala mimar o neto. "Minha mãe destrói a disciplina", afirma. "Está com ele há duas semanas, e agora ele não escuta mais ninguém. Faz manha quando está comendo e quer ficar acordado até a 1 da manhã. Nós o educamos e ela o deseducou!"
Embora Maya tenha nascido em Londres e seja cidadã britânica, ela leva seu papel de membro mais famoso do mundo da minoria Tamil do Sri Lanka muito a sério - alguns dizem que até demais. Ao longo dos anos, vem sendo criticada por se comparar à OLP em músicas e fazer comentários públicos - normalmente em maiúsculas no Twitter - frequentemente pouco articulados ou inflamados. Mas Maya diz que sua paixão pela causa Tamil é mais pessoal do que política. "Minha opinião sobre a política é: nunca disse que sou esperta, mas por que não posso escrever sobre minha experiência?", pergunta. "Por que não posso dizer: 'Meu Deus, o governo atirou em minha escola?' Não posso dizer, mas eles podem fazer isso." A mãe de Maya se mudou com ela e Kali para o Sri Lanka quando Maya era bebê. O pai, um engenheiro cujo casamento com Kala havia sido arranjado pelos pais, tinha voltado ao Sri Lanka para fundar um grupo de resistência estudantil Tamil. Desaparecia por meses e Kala acabou se mudando com os filhos para uma casa presenteada pelo pai dela. Maya e seus irmãos viram Arular poucas vezes durante a infância - e diz-se que não falou muito com ele depois de adulta -, mas mesmo assim sua associação com a resistência Tamil trouxe problemas para a família. "O exército ia a nossa casa e perguntava: 'Onde está seu pai?'", conta. "Era muito irritante porque eu pensava: 'Saco, ninguém vai querer brincar comigo'. Era como se estivéssemos atraindo muito problema para o bairro."
Quando Maya tinha cerca de 8 anos, tropas do governo cercaram sua escola e começaram a atirar nas salas de aula. Maya e Kali pularam o muro e entraram no convento ao lado para escapar do tiroteio. A família fugiu no ano seguinte, chegando como refugiada ao bairro Mitcham, no sul de Londres. Maya descobriu os sons do hip-hop dos anos 80 graças aos vizinhos que tocavam música tão alto que ela ouvia pelas paredes. "Pensei: 'É isso - é disso que gosto'", conta. "Ficava acordada até altas horas, gravando todo programa com qualquer rapper que aparecia na TV." Ficou apaixonada por Run-DMC e Public Enemy, começou a explorar a cena rave do leste de Londres e fazia longas viagens de trem para explorar caixas com gravações raras de música eletrônica.
A agenda de M.I.A. não é constante: ela muda planos de viagem em um piscar de olhos e frequentemente nem sua empresária consegue achá-la. Só tem mais oito meses em seu visto atual para os Estados Unidos e, embora o futuro casamento com Bronfman provavelmente garanta sua cidadania norte-americana, ela diz que não sabe ao certo aonde irá parar depois disso. "Queria ter alguma permanência em minha vida", afirma. "Essa é minha luta o tempo todo, e nunca consigo, e não sei se vou conseguir agora." Então, onde moraria se vistos e planos de turnê não fossem uma influência? Ela faz uma pausa rápida e responde. "No espaço. Estou cheia da Terra", ri. "A Terra é tão 2009", acrescenta, animando-se. "Estou tentando ficar amiga do [milionário e pesquisador da exploração espacial não governamental] Richard Branson. Falei: 'Sabe, Richard, só quero ser aquela pessoa que mora no espaço por um tempo'. Ele respondeu: 'Bom, sabe, custa US$ 300 mil. Você pode pagar'."
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