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A Mística da Dúvida

Há 25 anos, Madonna já dava indícios de que se tornaria a Rainha do Pop. Apesar de enxergar o mundo curvado diante de si, ela ainda tinha incertezas sobre o futuro

Mikal Gilmore/ Tradução: Ligia Fonseca Publicado em 13/04/2012, às 14h50 - Atualizado em 16/04/2012, às 11h15

É uma noite de sábado fria e com muito vento na fervilhante Tóquio, e Madonna – a loira viva mais notória do mundo moderno – está sentada encolhida em um canto de uma limusine lotada, olhando para a chuva que bate na janela. “Nunca tivemos de cancelar um show”, ela diz em uma voz grave e lamentosa. “Nunca, nunca, jamais.” Com seu penteado para cima, os lábios vermelhos e a pele perolada, Madonna parece perfeitamente adorável – e também incrivelmente triste.

Madonna veio ao Japão para lançar o maior estouro pop do verão, a turnê mundial Who’s That Girl, e desde que chegou ao Aeroporto de Narita, há vários dias, tem causado uma comoção enorme. A cantora, dançarina, estrela de cinema e doidivana de 28 anos tem sido mais adorada, festejada, seguida e fotografada do que qualquer sensação pop visitante desde os Beatles em 1966. Esse burburinho não é nada de novo. Nos Estados Unidos, Madonna atraiu escrutínio imenso durante sua carreira: de fãs, inspirados por seu jeito atraente; dos críticos, exasperados pelo que percebem como um falso brilho; e de fofoqueiros de todos os tipos, curiosos sobre o estado de seu casamento com o talentoso e frequentemente combativo ator Sean Penn.

Só que, esta noite, a popularidade de Madonna no Oriente pode ter sofrido uma espécie de revés. Há poucas horas, depois de passar um dia difícil tentando esperar a passagem de um minitufão, Madonna e seus empresários foram forçados a cancelar a primeira das três datas no Estádio Korakuen, em Tóquio. Foi uma decisão necessária, mas também imediatamente impopular: fãs haviam viajado de todo o país para os shows, e o cancelamento em cima da hora foi visto por alguns comentaristas na mídia como uma afronta. Agora, enquanto Madonna está sentada na parte de trás de um carro a caminho de um jantar que organizou para levantar os ânimos da banda e da equipe (muitos dos quais trabalharam o dia inteiro sob a chuva), as coisas pioraram. Ela fica sabendo que o cancelamento gerou tumultos quando muitos dos 35 mil fãs se recusaram a sair do local do show. Na verdade, há relatos de que alguns admiradores estão ficando no estádio, cantando orações para a chuva parar e implorando para Madonna aparecer. Para a mulher que sempre disse a seu público que “sonhos se realizam”, este está sendo um dia decepcionante.

Um pouco mais tarde, sentada ao centro de uma longa mesa de jantar em um restaurante italiano elegante, Madonna revira uma salada e dá um gole em uma bebida enquanto vários membros de sua equipe, como o diretor musical e tecladista Pat Leonard, o coreógrafo Shabba Doo, o baterista Jonathan Moffett e o dançarino de 13 anos Chris Finch, oferecem seu apoio.

Então, de maneira repentina e silenciosa, uma garota japonesa está perto da mesa encarando Madonna. A menina – que parece ter uns 15 anos – está agarrando uma série de programas de turnê da cantora contra o peito e parece ter ficado várias horas na chuva. Aparentemente, estava entre os muitos fãs que passaram a tarde esperando no Korakuen e, embora ninguém consiga descobrir como ficou sabendo que a cantora estaria neste restaurante, ela está ali, com o rosto tremendo de adoração e decepção. Madonna percebe seu olhar e a sala presta atenção a essa troca silenciosa.

“Por favor, por favor, desculpe, desculpe”, diz a menina em um inglês ruim, curvando-se muito várias vezes. Há algo que diz que ela está profundamente envergonhada de estar daquele jeito, mas parece que não consegue evitar. Um garçom corre para tirá-la dali, mas Madonna faz um sinal para que ele se afaste. “Deixe-a ficar”, diz, ainda olhando nos olhos da garota, que segura seus livros com um olhar suplicante, indicando que gostaria que Madonna os autografasse. A cantora concorda. Ao vê-la escrevendo nos programas, a menina começa a chorar descontroladamente, e ao vê-la chorar várias pessoas da banda e da equipe também derramam lágrimas.


Quando Madonna acaba de autografar os livros, a garota pede milhões de desculpas e sinaliza que gostaria de se aproximar mais. Cautelosamente, caminha ao longo da mesa até ficar de frente com a cantora. Então, levemente, segura nas mãos de Madonna e se ajoelha, baixando a cabeça, lágrimas escorrendo e pingando sobre a toalha em poças cada vez maiores.

Depois de um tempo, a garota se levanta, pega seus livros e, curvando-se muito mais algumas vezes, sai da sala, sob aplausos da banda e da equipe. Meia hora depois, quando é hora de Madonna ir embora, uma dezena de fotógrafos se juntou fora do restaurante. É a cena típica de fotos de celebridade, e Madonna atravessa o tumulto com uma máscara exemplar de despreocupação altiva. Só que em um canto está a garota japonesa, ainda agarrada a seus tesouros, ainda chorando, e, para ela, Madonna dá seu único sorriso.

“Quando as pessoas se deixam ficar tão vulneráveis”, diz a cantora sobre a menina, “sempre acabo gostando delas. Quer dizer, fiquei comovida com aquilo. Ela obviamente estava agindo daquela forma porque consegue alguma espécie de alegria no que tenho a oferecer. E também havia algo tão servil naquilo, toda aquela coisa de se curvar. Às vezes, isso faz com que você sinta que está escravizando alguém, e é uma sensação esquisita”.

É o dia seguinte ao do show cancelado, e o tempo horrível de ontem deu lugar a um céu limpo e um vento leve e quente. Madonna está sentada à mesa de jantar em sua cobertura no hotel, vestindo um terno preto sob medida com listras cinza-escuro. Diz que não dormiu muito na noite anterior – talvez porque 300 fãs japoneses mantiveram uma vigília do lado de fora do hotel a noite inteira, às vezes chamando seu nome.

Em todo caso, estar diante de Madonna é claramente observar uma estrela que parece aumentar de tamanho a cada movimento.

Além da turnê, Madonna está atualmente em seu terceiro filme, uma comédia chamada (o que mais poderia ser?) Quem É Essa Garota? . Ela também deve estrelar uma refilmagem atualizada do filme O Anjo Azul, de Marlene Dietrich. Atualmente, também está considerando produzir vários outros filmes, incluindo um thriller no estilo de Alfred Hitchcock e uma versão para o cinema do livro Anagramas, de Lorrie Moore. Toda essa atividade levou alguns observadores a se perguntar sobre a profundidade do compromisso de Madonna com sua carreira na música. Só que a cantora vê uma semelhança no que faz nas duas áreas.

“Atuar é divertido para mim”, afirma, “porque, bom... para a maioria das pessoas, a música é uma declaração muito pessoal, mas sempre gostei de ter personagens diferentes para projetar. Projetei uma personagem muito específica para Like a Virgin e todo aquele negócio e, depois, criei uma personagem muito diferente para meu terceiro álbum. O problema é que, na cabeça do público, você é sua imagem, sua imagem musical, e acho que essas personagens são apenas extensões minhas. Acho que tive algo em comum com Susan em Procura-Se Susan Desesperadamente e que tenho muito em comum com Nikki Finn em Quem É Essa Garota? , mas elas não são eu. Ainda assim, não teria ficado atraída por ela se não tivéssemos algo em comum.”


Esse já foi um processo doloroso – por exemplo, fazer todas aquelas caracterizações nada favoráveis na época de “Like a Virgin”?

“No começo, sim”, ela conta. “Quer dizer, fiquei surpresa com a reação das pessoas a ‘Like a Virgin’, porque quando gravei essa música, para mim era cantar sobre algo que me fazia sentir de certa maneira – nova e revigorada – e todos interpretaram como ‘Não quero mais ser virgem, transe comigo!’ Não é nada disso o que eu cantava.”

Madonna faz uma pausa e olha por um momento para seu reflexo no tampo da mesa. “As pessoas têm essa ideia”, diz, “de que se você é sexual, bonita e provocante, não consegue oferecer mais nada. As pessoas sempre tiveram essa imagem das mulheres. Embora possa ter parecido que eu me comportava de uma forma estereotípica, ao mesmo tempo controlava aquilo. Estava no controle de tudo o que fazia, e acho que, quando as pessoas perceberam isso, ficaram confusas. Não é como se dissesse: ‘Não prestem atenção nas roupas – na lingerie – que estou usando’. Na verdade, o fato de eu estar usando aquelas roupas tinha a intenção de dizer que você pode ser sexy e forte ao mesmo tempo. De certa forma, foi necessário vesti-las.”

Então, ela está oferecendo feminismo ou uma negação dele?

Madonna pensa no conceito, mas depois dá de ombros. “Não penso no trabalho que realizo em termos de feminismo. Com certeza sinto que dou força e esperança às mulheres, especialmente as jovens. Então, com relação a isso, sinto que meu comportamento é feminista ou minha arte é feminista, mas certamente não sou militante da causa nem exatamente premedito isso.”

“Quando as mulheres não gostavam de mim, eu só atribuía isso ao motivo pelo qual elas sempre têm um problema comigo: acho que mulheres que são fortes, ou que querem ser fortes ou respeitadas, aprenderam que tinham de se comportar como homens, ou não serem sexy, femininas ou algo assim, e acho que elas ficaram irritadas por eu fazer isso. Também acho que, na maior parte, os homens sempre foram os agressores sexualmente. Desde sempre estiveram no controle. Então, acho que sexo se iguala a poder de alguma forma. É assustador para os homens que as mulheres tenham esse poder, e acho que é assustador para as mulheres ter esse poder – ou tê-lo e serem sexy ao mesmo tempo.”

É por isso que tantos críticos pareciam perfeitamente confortáveis com a sexualidade de astros do rock, mas ficaram irritados com as exibições de Madonna?

“Sim! Eu pensei nisso, com certeza. Pensava: ‘Por que não estão deixando tudo isso atrapalhar a apreciação da música de Prince?’ Ele era tão provocante sexualmente, se não mais do que eu. Eu não falava sobre sexo oral. Ele era muito mais específico do que eu.”


Alguém bate na porta da suíte, um lembrete de que é hora de ir para o estádio. “Na verdade, não posso reclamar”, Madonna diz, preparando-se para sair. “Muitas pessoas estão entendendo minha mensagem. Não vou mudar o mundo em um dia. Não sei, talvez homens e mulheres nunca sejam iguais. São diferentes demais.

Quer dizer, parece que, enquanto as mulheres forem as que dão à luz, isso nunca realmente vai mudar. Não estou dizendo isso com tristeza. Acho que cada vez mais as mulheres conseguirão ter mais liberdade para fazer o que quiserem, e não sofrerão tanto preconceito, mas acho que seria idealista demais dizer que um dia nunca mais seremos discriminadas por sermos mulheres. Não sei, estou cínica demais?”

Várias horas mais tarde, Madonna está no palco diante de 35 mil fãs no Estádio Korakuen – usando um corselete insolente, dando piruetas rápidas e precisas e fazendo poses fortemente libidinosas que lembram as mulheres convencidas de Cabaret e O Anjo Azul. Rapidamente, fica aparente que sua conversa sobre orgulho sexual dificilmente era superficial. De fato, embora possa ser uma grande surpresa para muitos de seus críticos, provavelmente nunca houve uma demonstração tão imaginativa ou forte de sensibilidade feminina no pop quanto na atual turnê de Madonna. Em parte, isso se deve ao fato de a cantora ser a primeira artista a estrelar um show deste porte – uma fusão de coreografia no estilo da Broadway e música e dança pós-disco que supera os padrões definidos por shows ao vivo de outros mega-artistas, como Prince e Michael Jackson.

É em “Live to Tell” que Madonna faz seu comentário mais poderoso sobre o espírito feminino. Na maior parte, a música é sua performance menos teatral. Ela canta sua balada de esperança sofrida absolutamente imóvel na frente do palco, sob a projeção de uma foto gigante dela parecendo muito com Marilyn Monroe. No final da música, enquanto a foto fica escura e mortal, Madonna desaba no palco, em uma pose que sugere rendição e desolamento, e depois gradualmente se levanta, como se recuperasse a força e a coragem em um ato de vontade titânica. É um momento que poderia ser visto como um lamento do final triste de Marilyn ou uma recusa ao mesmo tipo de desespero que foi o destino da atriz.

“Na verdade”, ela afirma, “acho que ‘Live to Tell’ trata de algo muito diferente. Diz respeito a ser forte, e questionar se você consegue ser tão forte assim e sobreviver no final das contas.”

Como Marilyn Monroe, será que ela já teve momentos em que se perguntou...

Madonna se antecipa à questão:

“Em que me perguntei: ‘Meu Deus, o que criei?’ Ah, sim. Por exemplo, quando Procura-Se Susan Desesperadamente foi lançado e eu estava saindo com um ator conhecido, depois anunciei meu casamento, então as fotos da Playboy e da Penthouse apareceram – tudo meio que aconteceu de uma só vez, uma grande explosão de publicidade. Não importa quanto sucesso você queira ter, nunca consegue prever esse tipo de atenção – a escala grandiosa disso tudo.”


“No começo, as fotos da Playboy me machucaram muito”, ela continua, “e não sabia como me sentir com relação a elas. Agora, olho para trás e me sinto boba por ter ficado chateada, mas queria manter algumas coisas particulares. Foi como quando se é criança na escola e uma freira vem e levanta sua saia na frente de todos, e você fica muito envergonhada. No final, nem é algo tão terrível assim, mas você não está pronta para aquilo e parece algo tão horrível, e você parece tão exposta. Além disso, a Penthouse fez uma coisa muito nojenta: eles gostam de mandar cópias da revista para o Sean.” Madonna para e balança a cabeça, como se tentasse espantar a lembrança.

“Aquela época quase foi demais para mim”, ela conta, depois de um tempo. “Não achava que iria me casar com 13 helicópteros voando sobre minha cabeça. Virou um circo. No final, dei risada. No começo fiquei furiosa, depois ri. Não dava para ver essa cena em um filme. Ninguém teria acreditado. Foi o melhor de tudo, foi tão incrível. Foi como um musical do diretor Busby Berkeley, ou algo que alguém encenaria para gerar muita publicidade para uma de suas estrelas.” De repente, Madonna parece cansada. Em algumas horas, ela chegará a Los Angeles, e pouco tempo depois voará para Miami, Flórida, onde começará a parte norte-americana da turnê. É de se perguntar: com todo esse trabalho, toda essa vigilância em sua vida pessoal, ela se questiona se a fama vale todo esse problema?

“Claro”, ela fala tranquilamente. “Houve momentos nos quais pensei: ‘Se soubesse que seria assim, não teria tentado tanto’. Mas sinto que o que faço afeta as pessoas de uma forma muito positiva. Isso é o mais importante, e é o que sempre decidi fazer. E não dá para afetar as pessoas de uma forma grandiosa sem ser vigiada e julgada e espiada em um microscópio, e eu aceito isso. Se ficar demais ou se eu sentir que estou sendo analisada demais ou não estou mais gostando disso, vou parar.”

Não é possível que as coisas simplesmente estejam esquentando? Que, até o final deste ano, poderá ser uma estrela ainda maior? Talvez, mesmo que por um tempo, a maior de todas?

Algo no rosto de Madonna se fecha para esta pergunta. “Não gosto de pensar nisso”, diz. “É... uma distração.”

Mas o prospecto...

“Dá medo? Claro, é assustador e empolgante. Porque quem sabe o que sairá disso e que responsabilidades terei e o que será tirado e o que perderei e o que ganharei? Você só vai saber quando chegar lá!”

Madonna

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