Debate sobre a função e o real desempenho do Ecad mobiliza os artistas e as autoridades brasileiras
Leonardo Dias Pereira Publicado em 11/05/2012, às 17h06
A notícia recente de que o Ecad passaria a cobrar de blogs brasileiros que incorporavam vídeos do YouTube causou indignação: tanta que o Google, dono do site de compartilhamento de vídeos, viu-se obrigado a soltar uma nota condenando a investida do Ecad (sigla de Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), que recuou com uma lacónica nota em que avaliava a cobrança como “erro operacional”. A confusão serviu para trazer à baila o debate em volta da controversa atuação na arrecadação e distribuição de direitos autorais, a transparência dela e, principalmente, o por vezes agressivo modus operandi utilizado nesse processo. Mas seria o Ecad um monstro de apetite voraz e egoísmo exacerbado ou um paladino da inviolabilidade dos direitos dos compositores?
Como uma organização que por natureza tem motivos nobres conseguiu arregimentar antipatia, inspirando inclusive a criação de quatro Comissões Parlamentares de Inquérito? “Fazemos a cobrança sem distinção”, justifica Glória Braga, superintendente do Ecad. “E a figura do cobrador num país onde as pessoas não querem pagar nada – ainda mais sabendo que o fruto da cobrança vai beneficiar apenas um grupo, o dos criadores musicais – cria um grande desconforto.”
Até 1973, a legislação sobre direitos autorais era um emaranhado de decretos e leis que causavam dor de cabeça quando o aparato jurídico precisava ser acionado. A Lei nº 5.988/73, sancionada pelo então presidente Médici, reuniu os principais dispositivos legais e regulamentou as questões de direitos autorais em uma única lei. Ela permitia aos compositores reunirem-se em associações para a defesa de seus direitos, assim como a criação de um escritório central para a arrecadação e distribuição dos dividendos da execução e utilização pública das obras artísticas. Era a gênese do Ecad. A lei previa ainda a regulação do setor pelo Conselho Nacional de Direito Autoral, órgão de fiscalização, consulta e assistência do Estado, que teve a atuação esvaziada no governo Collor (e sumiu em 1998, quando a atual lei de direitos autorais passou a vigorar).
Sem a intervenção governamental, o Ecad passou a ter autonomia para realizar a arrecadação e distribuição da execução musical pública dos compositores filiados às associações que compõem o conselho administrativo (atualmente, nove associações de autores, intérpretes, produtores fonográficos, músicos e editores agregam o conselho). “Em nenhum outro país um órgão da natureza do Ecad tem tanta autonomia para realizar esse tipo de atividade”, alega o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), presidente da mais recente CPI, concluída em abril com a proposta de indiciamento de 15 gestores do Ecad por apropriação indébita de valores, fraude em auditoria, formação de cartel e enriquecimento ilícito, além de sugerir o retorno de um órgão público nos moldes do Conselho Nacional de Direito Autoral.
Outra queixa da classe artística é quanto à transparência da distribuição dos direitos autorais, especialmente em relação ao que acontece quando o compositor não é identificado e o dinheiro fica retido (pelo prazo de cinco anos, a ser reduzido para três em 2012) até ser redistribuído pelas associações para o segmento de onde foi recolhido. “Esses casos representam pouco menos de 5% da arrecadação geral e acontecem normalmente por inconsistências dos usuários”, explica Glória Braga, do Ecad. “Por exemplo, rádios ou promotores de shows, quando elaboram as listas de execuções musicais. Mesmo assim, é raro acontecer a retenção, porque as associações que são encarregadas em fazer as identificações continuam incessantemente a buscar os autores.” A polémica ao redor da transparência dos atos do órgão afeta a pauta da CPI do senador Randolfe Rodrigues, que diz: “Foi a maior dificuldade conseguir informações sobre a atuação [do Ecad], principalmente com relação aos ganhos dos diretores. Hoje sabemos que há alguns salários por volta de R$ 20 mil a título de pró-labore, algo muito acima da média do mercado”.
Na classe artística, a divisão de opiniões é profunda. Alguns entendem que o Ecad trouxe benefícios para os autores, como é o caso de Gutemberg Guarabyra, do grupo Sá, Rodrix e Guarabyra. “Antes havia pelo menos seis sociedades arrecadadoras, cada uma com um critério próprio, e com absoluta falta de transparência na distribuição”, diz. “Era um sistema redundante, visto que cada sociedade mantinha um fiscal – no mínimo seis em cada região, pagos pelo dinheiro do compositor. O Ecad reuniu todas as sociedades em uma só entidade e o sistema tornou-se infinitamente melhor.” Já o cantor e compositor Leoni defende o refinamento promovido pelo órgão. “Até recebo mais atualmente do que no tempo em que estava estourado com o Kid Abelha, nos anos 80”, diz. Por outro lado, contesta a transparência, citando o acordo entre Ecad e YouTube, não comunicado aos associados (que tomaram conhecimento dele apenas na época da cobrança dos blogs, pela mídia), o engessamento dos estatutos que não permitem a contestação de decisões da mesa diretora e o modo de amostragem utilizado para auferir as execuções fonográficas. “A tecnologia evoluiu de uma forma que não é preciso mais usar esse método”, argumenta Leoni. “Eles gastaram milhões para implementar um sistema para gravar rádios em capitais – ainda assim de forma experimental. E isso cria um problema, porque você não recebe se toca na rádio que não está na amostragem. Hoje dá pra baixar um aplicativo gratuito para o celular que identifica instantaneamente o nome da música e o autor. Então, qual é o sentido de se gastar milhões?”
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