Com letras cheias de críticas sociais, o rapper Azagaia tornou-se uma ameaça ao governo de Moçambique
Juliana Borges Publicado em 10/11/2011, às 13h35 - Atualizado em 15/12/2011, às 18h47
Fazia frio em Maputo, capital de Moçambique, na última sexta-feira de julho. O vento carregava o ar gelado que vem do Oceano Índico para as avenidas que levam nomes de líderes comunistas e africanos. Era em uma delas, a avenida Samora Machel, que naquele dia deveria ter acontecido um show do mais conhecido e polêmico nome da música moçambicana – o rapper Azagaia. O músico iria lançar o videoclipe da faixa “A Minha Geração”, na qual faz pesadas críticas à política e à sociedade moçambicana. Mas, antes mesmo que a plateia pudesse se aquecer, veio a notícia: a estrela da noite havia sido presa algumas horas antes, em uma provável armação da polícia política.
Azagaia foi solto somente na segunda-feira seguinte. Um pequeno cigarro de maconha no bolso de seu produtor – em quantidade permitida pela lei moçambicana – levou Azagaia à cadeia. “É o sistema que está a me dar um recado”, diz ele. Moçambique, apesar de tecnicamente ser uma democracia – desde o fim da guerra civil, em 1992, já foram realizadas três eleições presidenciais –, é governada por uma pequena elite que se agarrou ao poder em 1975, ano da independência, e nunca mais saiu.
Nesse sistema, são poucos que ousam falar o que pensam. E Azagaia definitivamente é um deles. Com letras fortes, ácidas e belicosas, ele tornou-se uma espécie de herói do povo – e, claro, uma ameaça para o governo, que já abriu um processo contra ele por incitar a violência. “Ele tem o poder de mover a massa”, diz Erik Charas, responsável pelo jornal independente A Verdade, o maior em circulação do país.
Para o rapper, as inúmeras dificuldades que os moçambicanos já enfrentaram – o colonialismo, a guerra de libertação, a guerra civil (1975-1992) e, hoje, a luta diária pela sobrevivência (o país está entre os dez piores IDHs do mundo) – deixaram o povo apático. “As pessoas têm um imenso trauma de conflitos e, por isso, preferem deixar passar o que está errado. Preocupam-se apenas em conseguir o pão e em não perder o pouco que conseguiram amealhar”, acredita. “A boa aceitação da minha música é a prova viva de que as pessoas querem falar, mas têm medo.”
Azagaia, que é o nome de uma lança de guerra usada pelas tribos bantu, parece não se importar com o “recado” que a polícia lhe deu. Cinco dias depois do show que não aconteceu, ele regressou ao mesmo bar, o Gil Vicente, para fazer sua apresentação. Acompanhado por uma banda, o rapper subiu ao palco todo vestido de branco. Mas suas palavras não são nada pacíficas. A voz grave dispara críticas fortes contra a corrupção, o racismo, os empresários, os bancos, os organismos internacionais e o tráfico de cocaína.
Fora dos palcos, Azagaia é Edson da Luz, 28 anos, nascido filho de uma comerciante e de um professor em uma pequena vila perto da fronteira com a Suazilândia. Na adolescência, teve contato com a poesia de protesto do José Craveirinha, um escritor moçambicano do período colonial, e começou a escrever. Com 16 anos, quando se mudou para Maputo e conheceu o hip-hop, decidiu que era aquilo que queria fazer da vida. Primeiro, montou uma dupla, a Dinastia Bantu, mas, a partir de 2006, decidiu seguir carreira solo. Lançou o primeiro CD em 2007; o segundo, chamado Kubaliba (“nascimento”, em sua língua materna), deve sair até o final do ano.
Hoje, ele é o músico moçambicano mais conhecido no país e, aos poucos, começa também a ficar conhecido fora dele. Já tocou em Portugal, em Angola e acabou de encerrar uma turnê pela Europa. Na Alemanha, cantou ao lado da nigeriana Asa, que esteve no Brasil no festival Back2Black. Apesar de nunca ter se apresentado por aqui, sua música foi fortemente influenciada pelo rap brasileiro, sobretudo Gabriel O Pensador. “Ele foi decisivo para eu decidir me tornar um rapper. Gostava da maneira como ele brincava com tudo e comecei a pensar que podia fazer algo parecido, adaptado ao meu contexto.” Para Azagaia, o Brasil deveria estar mais aberto para a produção cultural africana. “Afinal, boa parte do povo brasileiro tem origem aqui”, argumenta o músico. “Entender o que é a África hoje pode até ajudar a explicar alguns fenômenos do Brasil.”
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