<b>Relax</b><br> Noel clicado este ano, na Argentina - Lawrence Watson/Divulgação

Exclusivo - Noel Gallagher: “Se o rock está morto, sabe o que o matou? A música rock”

Como a fé na plenitude ajudou o ex-Oasis, um bastião do rock, a fazer um disco em que fugiu do gênero e ao mesmo tempo o reafirmou

Lucas Brêda Publicado em 17/11/2017, às 14h02 - Atualizado às 15h28

Noel Gallagher* acaba de sair do estúdio, em Londres, e se encontrar com a esposa, a escocesa Sara MacDonald. “Como foi hoje?”, ela pergunta. “Não sei, toquei sintetizador por umas seis horas.” Ele está trabalhando em Who Built the Moon?, terceiro disco com o grupo High Flying Birds. Na realidade, trata-se do primeiro álbum em que o ex-guitarrista e vocalista do Oasis tenta com afinco “fazer algo diferente”. “Mas você não sabe tocar teclado”, ele é lembrado pela cônjuge. “Pois é”, concorda o artista. “Mas como está o som do álbum?”, ela insiste. “Não faço a menor ideia. Definitivamente não é um disco de rock.”

“Sabe quando você come a mesma coisa todo dia no café da manhã? É entediante, não é?”, cutuca Noel Gallagher, provocando o riso em uma pequena plateia de jornalistas e fãs comandada pelo apresentador Zeca Camargo. Estamos em um estúdio na região do Morumbi, em São Paulo, próximo ao estádio onde ele se apresentaria quatro vezes, nos dias que se seguiriam, como número de abertura da turnê do U2 que comemora três décadas do disco The Joshua Tree. É nesse evento para a imprensa que Gallagher narra o diálogo acima. “Eu começava a tocar uma música e o produtor, David Holmes, dizia: ‘Pare, está parecendo Oasis’. ‘Então está incrível, não?’, eu respondia. Mas ele ficava: ‘Não, vamos tentar algo diferente’. Toquei outra, e ele: ‘Isso parece o High Flying Birds’. Falei: ‘Igualmente incrível’.”

“Você já fez isso. Você é o melhor do mundo nisso. Por que não tenta fazer outra coisa?” Essa foi a resposta de Holmes, que também é DJ e autor de trilhas para filmes, e a fagulha que acendeu Who Built the Moon? O disco, previsto para 24 de novembro e que saiu no Brasil pela Universal Music, nasceu e cresceu a partir da vontade de Gallagher de renovar a sonoridade que ele estabeleceu desde os anos 1990, com o Oasis, e desenvolveu nesta década, com o High Flying Birds. O produtor foi inicialmente convocado quando Gallagher trabalhava em Chasing Yesterday (2015) havia duas semanas, mas os dois acabaram não colaborando naquele álbum. “Eu já tinha as músicas prontas, e ele disse que preferia estar presente durante o processo de criação”, explica o britânico. A dupla, então, se reuniu para criar em uma nova leva de canções simultaneamente à feitura de Chasing Yesterday, que acabou saindo escasso de novidades sonoras (exceção a algumas faixas, como “Ballad of the Mighty I”). “Eu trabalhava um mês em Chasing Yesterday, parava um tempo, trabalhava um mês em Who Built the Moon?, dava outra pausa, e assim por diante.”

Gallagher acabou sendo colocado em uma situação pouco confortável. Logo no primeiro encontro para se dedicar a Who Built the Moon?, o produtor chamou o músico para ouvir uma série de discos – velharias e novidades, coisas raras e outras nem tanto – e a partir daquilo encontrar uma direção. “No estúdio, ele me dizia para tentar ‘alguma coisa diferente’. Isso é uma frase muito vaga! Que porra isso quer dizer?”, lembra. A abordagem de Holmes, especialmente no que diz respeito à busca de samples, assemelha-se muito à produção de discos de hip-hop, geralmente focados na criação de batidas, arranjos em sintetizadores e trechos de outras músicas que podem ser reaproveitados. O primeiro single, “Holy Mountain” – que adianta muito pouco em termos de sonoridade –, por exemplo, surgiu a partir do sample de uma canção “irritantemente alegre”, segundo Gallagher. “Nunca tinha feito algo como isso”, admite. O estilo de produção, que também guiou o próximo LP do U2 (Songs of Experience) e o último de David Bowie (Blackstar), certamente o encantou. “Me levou a diversos momentos mágicos”, diz ele, agora conversando somente com a reportagem da Rolling Stone Brasil, em um quarto de hotel também no Morumbi, em São Paulo. “Esse álbum não foi sequer feito em uma mesa de mixagem, para se ter uma ideia – foi direto na porra do computador! É algo que com certeza pretendo fazer novamente.”

“Eu e David estávamos no estúdio por acaso quando essa música foi lançada. E estávamos conversando sobre Kanye West”, recorda Gallagher, referindo-se à faixa “Fade”, do mais recente álbum do rapper, lançado no primeiro semestre de 2016. “David disse: ‘Você deveria tentar fazer algo assim’. E eu fiquei: ‘Uau’.” A conversa acabou rendendo “Fort Knox”, outro single de Who Built the Moon?, um quase-instrumental guiado por graves robustos e coros que remetem a outra música de West da qual Gallagher é fã, “Power” (de My Beautiful Dark Twisted Fantasy, 2010). Apesar da influência direta do rapper, a relação do britânico com o hip-hop não é exatamente das mais próximas. “Como gênero, é algo que me interessa? Não muito. Mas se eu gosto ou amo algumas faixas? Porra, com certeza!”

É curioso que Gallagher esteja se afastando do rock, mesmo que seja por um único álbum. Liam Gallagher, irmão mais novo, desafeto e ex-colega dele no Oasis, acaba de iniciar a carreira solo com um disco cheio de referências ao gênero, que gradativamente encontra menos espaço nas paradas de sucesso e no gosto da crítica (no último mês de julho, foi divulgado que o “hip-hop/R&B” ultrapassou o rock como o gênero mais popular nos Estados Unidos pela primeira vez na história). Nunca se falou tanto em “morte” ou “envelhecimento” do rock, sendo que o Oasis (bem como o contemporâneo Nirvana) é frequentemente citado como um dos últimos grupos essencialmente roqueiros a ter sucesso de massa e lotar estádios ao redor do mundo.

“Se o rock está morto – e eu não acredito que esteja –, sabe o que o matou? A música rock”, teoriza Gallagher, explicando que seu novo LP “não é um disco de rock”, apesar de ser um “disco de rock and roll”. “Porque há uma diferença: rock and roll é o espírito e a atitude. E música rock é sair gritando, como Dave Grohl [imita com deboche um típico berro do vocalista do Foo Fighters]. Que porra ele tanto grita? Sobre que merda ele está gritando? Eu não saco, sabe?” Críticas à falta de espírito nas canções do Foo Fighters à parte, Gallagher é partidário da ideia de que “faltam bons compositores”. “Você está falando com alguém que compõe por hobby. Eu não preciso mais fazer isso. Então, por que não há mais bons compositores no rock? Eu não sei dizer.”

Gallagher não chega a renegar o Oasis – até porque sempre toca muitas músicas da banda nos shows –, mas, ao mesmo tempo, nunca esteve tão desconectado dele. “Exceto um [obviamente, Liam], todos os integrantes do Oasis tinham gostos bem diversos, mas, quando entrávamos no mesmo cômodo, só conseguíamos fazer uma coisa: rock de estádio”, remonta. “Não tinha jeito de levar uma música dessas [das novas] para um ensaio.” Até por isso, As You Were, o álbum solo de Liam lançado no começo de outubro, deve fazer muito mais sucesso entre os fãs órfãos do Oasis – e Noel já sabe disso. “Sim, estou esperando reações negativas dos fãs. Estou absolutamente confortável com isso. Não temo o futuro. Não temo abandonar o passado.”

“Acho Who Built the Moon? fascinante, confuso, divertido. E as opiniões de qualquer pessoa sobre ele estão certas – porque são opiniões. Amo pra caralho esse disco”, crava, orgulhoso. Se eu estivesse relutante em relação a ele, não estaríamos aqui conversando. “Se eu estivesse relutante, não teria escolhido ‘Holy Mountain’ como single. É uma música irritante, alegre, [escolhi porque] imaginei que os fãs do Oasis iriam odiar. Vamos supor que, seis meses depois de o disco ter sido lançado, eu esteja prestes a sair em turnê e meu funcionário me ligue dizendo que não vendi nenhuma cópia. Vou continuar achando o melhor disco do mundo.”

‘‘Eu sou?” Noel Gallagher ri quando sugiro que ele passa a imagem de “durão” em entrevistas. Não se trata de ser “chato” ou “ranzinza”. Aos 50 anos, o principal compositor do Oasis continua uma pessoa prática, cheia de certezas e definitivamente desbocada (independentemente das consequências, ele dificilmente vai guardar uma opinião polêmica para si mesmo). Gallagher mantém a imagem de artista “inabalável”, que é bem resolvido com esposa e família, sustenta uma carreira solo que teve seus dois únicos álbuns no topo da parada britânica, não está (mais) envolvido em brigas ou problemas com drogas e segue gerando interesse do público sem precisar ser apelativo. Ele até harmonizou uma rixa histórica ao participar do disco do Gorillaz (Humanz, 2017), projeto de Damon Albarn, vocalista do Blur e protagonista da famosa disputa com o Oasis por quem vendia mais álbuns no auge do britpop.

No quarto de hotel no Morumbi, ele demanda respeito apenas com a postura. Veste jaqueta, calça e tênis, tudo preto, e esconde o olhar com as lentes escuras de um par de óculos tipo Club-Master. É certamente um tipo muito mais socialmente estimado do que aquele dos anos 1990, quando poderia aparecer em um programa de TV ou ao subir ao palco de um estádio lotado usando um moletom amassado. A atual imagem, mais “burguesa”, é justificada: Gallagher fez e faz milhões com os incontáveis sucessos que escreveu para o Oasis. Mas é também (mais um) motivo de chacota por parte do irmão, que recentemente disse à Rolling Stone EUA: “É um cretino, virou classe média. Virou o establishment. É um deles. Está todo sr. Puro e Correto. Do jeito que ele toca as músicas do Oasis é como se tivesse sugado a vida delas, porque ele não quer as pessoas pulando como antigamente”.

No Twitter, Liam também criticou a ausência de Noel em um evento em prol das vítimas do ataque terrorista que deixou 23 pessoas mortas (e centenas feridas) após uma bomba explodir na Manchester Arena durante um show da cantora Ariana Grande. Na ocasião, o Gallagher mais novo cantou na apresentação beneficente One Love Manchester, que arrecadou fundos para as famílias das vítimas. De férias, o irmão mais velho não esteve presente na data, mas doou os lucros de “Don’t Look Back in Anger” – música de 1995 que virou um hino improvável para a cidade dos Gallaghers – depois que ela foi cantada espontaneamente em praça pública por uma multidão para homenagear os que morreram no ataque.

“Foi triste e chocante”, Noel tenta recordar. “Eu estava em casa, vendo o noticiário, quando as pessoas começaram a cantar. Acho que, pela primeira vez na minha vida, eu estava atônito. Não tinha palavras. Era só tipo: ‘Caralho’. Por um lado, eu pensava: ‘Meu Deus, a música que eu escrevi 20 anos atrás tem um significado muito mais profundo do que eu pude imaginar. Estava fascinado e confuso’. Por outro lado, eu só queria que nada disso tivesse acontecido.” Gallagher compôs “Don’t Look Back in Anger” pensando em “uma mulher de uma certa idade que está meio que vendo a vida passar, mas ela não tem arrependimentos e está fazendo um brinde, dizendo: ‘Quer saber? Foda-se’”. “Agora, virou um hino de resistência contra as merdas que estão acontecendo no mundo. Meu desejo era que continuasse sendo sobre aquela mulher”, lamenta.

Para Gallagher, morar em Londres nos dias de hoje, em meio às ameaças de terrorismo internacional, é viver em constante suspense sobre como seu dia vai acabar. “Não dirijo, então tenho que usar o transporte público”, conta. “E você sabe que, quando a porta do trem fecha, você pode ser mandado pelos ares a qualquer segundo. Tente imaginar essa sensação. Tipo tenho um ensaio e levo 35 minutos para chegar até lá. Nesse meio-tempo, tudo pode acontecer: armas, bombas, facas, qualquer coisa, não dá para saber. Você começa a valorizar certas coisas na vida. Quando seus filhos vão à escola de manhã, é melhor dizer a eles que você os ama.” O músico, que “odeia religiões organizadas”, acredita que a solução – ou a “defesa” – contra o terrorismo é o governo britânico ser “mais forte do que é”. “Há 300 pessoas sendo secretamente vigiadas pelo governo, pois são conhecidamente associadas com terroristas. Por que eles estão sendo vigiados – e não presos? Não tem sentido. Esses políticos são fracos, estão interessados em economia. Não só a primeira-ministra [Theresa May], o outro cara, o filho da puta do [líder do partido trabalhista, Jeremy] Corbyn, é pior, porque é um comunista. Em dez anos isso vai estar pior. Para o ISIS acabar, as pessoas teriam que parar de acreditar em Deus.”

Noel não fala diretamente sobre Liam. Diz que não ouviu As You Were e que não se importa com nada relacionado ao irmão. Mas fica evidente que dá um jeito de enfiá-lo em praticamente qualquer assunto. Refere-se a ele como “pessoa que usa parkas” quando faz piada sobre “fãs que não vão gostar” de Who Built the Moon?; sugere que ele “deveria se juntar a Donald Trump e à Coreia na atividade de provocar guerras pelo Twitter”; e o critica indiretamente ao se reafirmar como autor: “Não preciso de ninguém para compor para mim nem comigo”. “Por favor, não pergunte mais sobre o Liam, ele já respondeu milhares de vezes e a entrevista fica chata depois”, alertou uma assessora, tentando evitar um assunto de que nem o próprio Noel consegue se livrar. Não é preciso evocá-lo em questionamentos para que o ex-vocalista do Oasis surja na conversa, o que, para um sujeito tão bem resolvido como Noel Gallagher, parece indicar algo bem incômodo.

Hoje, os irmãos parecem muito mais um casal divorciado choramingando sobre a guarda das crianças (as canções do Oasis e o direito de ser reconhecido por elas). Noel, cujos dois álbuns “solo” atingem alguns momentos de real inovação, mas em geral soam como spin-offs menos agressivos da antiga banda, foi quem carregou o legado do grupo, muito graças à timidez da existência do Beady Eye, projeto pós-Oasis de Liam. Com o álbum solo, Liam está oficialmente de volta. Em perfil publicado em outubro pela Rolling Stone, ele clama ter tido, com a voz e interpretação, tanta influência sobre as faixas do Oasis quanto o compositor delas. “Sou o vocalista, a cara da banda, poderia cantar [a cantiga inglesa] ‘Baa Baa Black Sheep’ e fazê-la soar como Oasis”, disse. Noel reclama: “Como ele poderia sequer saber quem é Lyla? Eu sei quem é Lyla”. Para Liam, o irmão “é só um veículo nisso tudo”: “As músicas não exatamente pertencem a ele – também não pertencem a mim”.

“É assim: tem o cara e um time de compositores em volta do cara”, Noel inicia uma teoria sobre a falta de bons compositores na música atual. Logo percebe-se que ele está (novamente) falando de Liam, que conta com a ajuda de diversos cocompositores no disco solo. “Isso não está certo, é uma merda. Se você não compõe, como vai se conectar às pessoas? Quando você vai a uma festa, você usa as suas roupas, que você acha que ficam bem em você, certo? Não há argumento contra isso. Se você tem outra pessoa escrevendo suas músicas, você está usando roupas alheias.” Por que, então, o Oasis era uma banda boa, se seu vocalista nem sabia sobre o que estava cantando? “Química e timing”, ele recupera o ar e responde, de maneira espontânea e evasiva.

É domingo e só o clima chuvoso denunciado pela sacada do hotel pode atrapalhar a felicidade implacável de Noel Gallagher. Dali a algumas horas, ele vai subir novamente ao palco do Estádio do Morumbi para abrir o terceiro dos quatro shows do U2 em São Paulo. Nos preparativos para Who Built the Moon?, ele chama a turnê com os amigos irlandeses de “férias”, já que faz shows mais curtos e espaçados, antes de iniciar 2018 com a própria excursão – que, segundo ele, vem ao Brasil. O clima é tão leve que o artista decidiu parar de encerrar os shows com a emocionalmente densa “Don’t Look Back in Anger”, trocando-a por “AKA... What a Life!”, descrita pelo autor como uma “declaração de alegria”. A faixa de 2011, segunda dele depois do Oasis, é uma das que se alinham com a atmosfera divertida de Who Built the Moon?

Mas a verdade é que Noel Gallagher sempre foi um otimista. “Digo isso e as pessoas ao meu redor ficam: ‘De que porra ele está falando?’”, ri. “Tendo a ver o melhor em cada situação. Ou, pelo menos, tento. Isso sempre apareceu nas minhas músicas como um certo tipo de esperança. Mesmo nas dos anos 1990, eu estava sempre falando de ‘nós’, e não de ‘mim’.” De fato, no mesmo ano em que Kurt Cobain se matou, 1994, o Oasis estreava com um clássico instantâneo, Definitely Maybe, uma pá de cal no sentimento sombrio do grunge. Se os norte-americanos agonizavam sobre não se encaixarem nos padrões, Gallagher compunha manifestos sobre viver e aproveitar a vida ao máximo, de “Live Forever” (“Talvez eu só queira voar/ Quero viver, não quero morrer”) a “Supersonic” (“Você pode ter tudo/ Mas quanto você quer?”). No otimismo do guitarrista, era possível ser um rock star, mesmo que por uma noite (“Rock ‘n’ Roll Star”) e até o tédio não parecia tão chato assim (“Cigarettes & Alcohol”).

“Quero ser compositor, estar aqui, hoje, tocando com o U2”, exalta-se enquanto masca um chiclete com cada vez mais intensidade. “Para um moleque pobre que estava aqui [indica o chão] na sociedade, eu fiz tanto dinheiro que você não pode imaginar. Sabe quando você vê Paul McCartney e Keith Richards por aí? São uns super-heróis, certo? Eles não precisam fazer isso – fazem porque querem. É um sentimento, eu não conseguiria te explicar.” Medos? “Não tenho nenhum.” Velhice? “Não tem como temer a velhice, ela está acontecendo, não dá para parar, tenho que abraçá-la.” Morte? “Vai vir em algum momento, espero que seja rápida, mas às vezes fico pensando que gostaria de me despedir das pessoas que amo.” Perder a capacidade de tocar? “Não sou um dos melhores performers do mundo. Se não conseguir mais subir a um palco, fico feliz de saber que fiz as músicas que fiz.”

Só mesmo uma tragédia do tamanho do atentado em Manchester para abalar a fé do homem de gelo na felicidade. “Se eu choro? Chorei no nascimento dos meus filhos e nas duas vitórias do Manchester City no campeonato [inglês de futebol]”, revela. “Choro de alegria. Nada me deixa triste.”

Embate de Gallaghers

Na ausência de uma macarronada de domingo, Noel e Liam lavam roupa suja usando o Twitter e a imprensa

Se você é um Gallagher, há duas certezas a seu respeito no segundo semestre de 2017: está lançando um disco solo e vai falar sobre o irmão em entrevistas para divulgá-lo. Os ataques intermináveis mais do que um ódio mútuo vazio, parecem funcionar como tentativas frustradas de resolver publicamente questões profundas – as quais não são tratadas de maneira privada porque eles basicamente não se falam nem se encontram – em torno da relação de irmãos e companheiros de banda que tiveram. Possivelmente porque quando o Oasis se desfez, em Paris, oito anos atrás, o confronto final entre eles foi traumático. Noel diz que Liam teve um ataque violento e chegou a agredi-lo com o violão. Já o irmão argumenta que foi provocado (não só na ocasião mas em todo o convívio deles) e desmente a agressão. Há todo um histórico nada amistoso na relação entre eles.

Se Liam é quem carrega o maior rancor em relação ao irmão (com tuítes hilários em que diz que Noel se parece com uma batata), Noel parece tê-lo muito mais como uma espécie de pedra no sapato: não é irritante o suficiente para tirá-lo do sério nem indiferente o suficiente para não incomodá-lo. “Tem muitas pessoas na Inglaterra que não conseguem se livrar do passado, e eu entendo isso”, Noel reflete, voltando a falar indiretamente de Liam, cujo álbum, em uma visão pouco deslumbrada, é uma tentativa de “emular” o Oasis, com alguns toques de modernidade e performances interessantes. “São pessoas que não veem mais tanta graça no futuro, e eu entendo isso. Falando sobre mim, acho o passado ótimo, mas enxergo o futuro com infinitas possibilidades.” No fim, parece que o mundo seria um lugar com menos comparações entre eles e os personagens bíblicos Caim e Abel e menos tuítes sobre “batata” se Noel tivesse a mesma facilidade para deixar o irmão de lado que demonstra para superar a antiga banda. “Hipoteticamente falando, se alguém chega para mim e diz: ‘A partir de hoje, você não tem mais permissão de tocar músicas do Oasis’, respondo ‘estou bem com isso’”, assume. Não é necessário perguntar, então, sobre uma possível volta do grupo.

*A edição 135, com Noel Gallagher na capa, chega às bancas a partir de terça, 21

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