Nora Vasconcellos - Sam Muller/Divulgação

O Agora do Futuro Ícone

Como a norte-americana Nora Vasconcellos superou um transtorno de ansiedade para se tornar uma das melhores atletas do mundo do skate

Eric Hendrikx Publicado em 12/05/2018, às 17h46 - Atualizado às 17h47

Em junho de 2012, Nora Vasconcellos pediu demissão do trabalho, arrumou as malas, pegou o skate e fez uma viagem de 71 horas de trem, saindo de Pembroke, no estado norte-americano de Massachusetts, em direção à Califórnia. Foi um ato de fé e coragem, no qual Nora deixou de lado seus medos e enfrentou a ansiedade de buscar uma carreira no skate. Em menos de cinco anos, ela entrou para a equipe profissional da Welcome Skateboards, ganhou um campeonato mundial, levou o prêmio de escolha do público da revista TransWorld e passou a integrar a equipe de skate da Adidas, ao lado de Mark Gonzales, Dennis Busenitz e Daewon Song. “Eu sempre soube que seria skatista”, diz a atleta. “Só não sabia se alguém iria se importar com isso.”

Entre as mulheres que têm ultrapassado novas barreiras no esporte, Nora surpreende com seu estilo único – a expertise nos half-pipes, o jeito quase que sem esforço como interliga manobras complicadas nas rampas (basta assistir à parte dela no vídeo Fetish, da Welcome Skateboards). Seus grandiosos backside airs são complementados por uma personalidade cômica. “Para mim, o skate tem a ver com ser esquisita e fazer meus amigos darem risada”, ela diz.

Mas como uma garota da pastoral Pembroke se tornou skatista profissional na Califórnia? Em tom de brincadeira, mas ao mesmo tempo falando sério, Nora credita seu sucesso à personagem Reggie Rocket, da animação Rocket Power – uma garota com trejeitos de moleque que geralmente salva o dia. “Eu era obcecada”, relembra. “Queria ser a Reggie. Ela tinha cabelo roxo, então pintei meu cabelo de roxo. Reggie era a voz da razão, então, mesmo sendo personagem de um desenho, era um modelo para mim quando eu era criança. E era sempre a arma secreta do grupo em competições, porque ninguém esperava que ela, sendo uma garota, fosse fazer o que os caras faziam.”

Desde cedo Nora se envolveu com arte e esportes radicais. O pai dela, Daniel Vasconcellos, é um ilustrador que costumava trabalhar em seu estúdio caseiro. Ela e o irmão mais novo, Davis, eram encorajados a pintar, esculpir e desenhar. Mas os esportes radicais logo se transformaram na verdadeira obsessão da garota. Um vídeo disponível no YouTube mostra Nora aos 5 anos, na manhã de Natal, ganhando seu primeiro skate. Ela instantaneamente se apaixonou pela ideia de aprender a deslizar sobre a prancha de madeira: praticava no celeiro da família todos os dias e, em um curto espaço de tempo, passou a frequentar skateparks da cidade com amigos. Andar de skate se tornou um meio de expressão para a garota, sem foco em perder ou ganhar – uma maneira positiva de sociabilização para uma jovem com transtornos de ansiedade. “É por isso que eu me interessei pelo skate, porque não é uma babaquice elitista na qual o foco é ser melhor que o outro”, explica.

Depois de se formar na Pembroke High School, Nora Vasconcellos estava ansiosa para seguir praticando, mas tinha boa parte dos seus dias ocupada pelo trabalho na divisão de produção de uma empresa de anúncios publicitários em larga escala. Horas imprimindo, cortando e empacotando grandes placas e adesivos para ônibus deixavam pouco tempo livre para o skate. Já havia se passado um ano inteiro nessa rotina, e ela sabia que tinha chegado a hora de uma grande mudança, de realizar seus sonhos – então, partiu para a Califórnia. Foi nessa época que a ansiedade evoluiu para crises de pânico quando ela se via em espaços pequenos, incluindo aviões. Então, Nora resolveu cruzar os Estados Unidos de trem. “Foi incrível e ao mesmo tempo maluco”, conta. “Tive a oportunidade de ver partes do país que provavelmente nunca mais verei. Jantei no trem enquanto passávamos pelo rio Mississippi; passei dois dias conhecendo uma família Amish. Foi uma jornada única.”

Quando chegou à Califórnia, Nora conseguiu um trabalho no Camp Woodward, um acampamento de verão para jovens conhecido pelo programa de atividades envolvendo esportes radicais. Depois, foi para o sul do estado, para onde sua mãe, Joan Fontaine, também acabou se mudando, buscando ajudar a filha. Foi lá, aos 19 anos, que Nora recebeu o diagnóstico de síndrome do pânico. “É uma coisa esquisita sobre a qual eu não falo sempre”, diz Nora. “Não sei o motivo, porque hoje me sinto confortável de falar sobre. Tive ansiedade desde muito pequena. Foi algo que fez parte da minha formação, tinha um transtorno de ansiedade de separação.” O primeiro ataque de ansiedade de que Nora se lembra foi aos 6 anos, quando não encontrou os pais dentro de casa. “Eu dei um soco em uma porta de vidro, por puro pânico pelo fato de não conseguir achá-los.”

Foi após esbarrar com Jason Celaya, fundador da Welcome Skateboards, em um skatepark, que Nora conseguiu sua primeira chance no skate. “Eu aprendi como usar o [software] QuickBooks e ajudava com despacho de mercadorias e qualquer coisa que eles precisassem”, relembra. “Trabalhei na cozinha e na garagem do Jason. Alguns meses depois, mudamos para nosso primeiro galpão.” Ela foi contratada pela Welcome Skateboards por quatro anos, até junho de 2016, quando passou a integrar o time de skatistas amadores patrocinados pela Adidas.

Pouco mais de um ano se passou e, em agosto de 2017, a Welcome fez de Nora uma skatista profissional. Vestidos com máscara de gato e coelho, membros da empresa lhe fizeram uma surpresa, na qual apresentaram o shape assinado por ela. “Eu criei o shape, então sabia que iria acontecer no futuro, mas não sabia que havia a intenção de me colocarem como profissional tão rápido”, conta. A Welcome Skateboards tem orgulho de reacender uma paixão oitentista do skate, quando skatistas profissionais usavam shapes específicos. “Com a Welcome, você podia ter o mesmo skate do Chris Miller, com rodas Slime Balls e trucks Gullwing – era o que ele de fato usava. Essa era a mágica. E então, agora, quando você compra o meu modelo, não é apenas um shape genérico assinado por mim – é o shape que eu criei e o mesmo que uso.”

Apenas alguns meses depois de se tornar profissional pela Welcome Skateboards, Nora se tornou a primeira mulher na equipe profissional de skatistas da Adidas. “Tudo aconteceu tão rápido, foi um sonho se tornando realidade – na verdade, está além dos meus sonhos mais malucos. A Adidas é uma patrocinadora dos sonhos, e sinto que agora tenho todos esses irmãos mais velhos e que nós todos viajamos o mundo juntos.”

Pela necessidade de viajar que veio com o trabalho, Nora precisou controlar a síndrome do pânico. “Tive que aprender a parar de dizer não para as coisas, e isso mudou minha vida completamente – isso e um pouco de terapia e exercícios de respiração.”

Encontrar paz na vulnerabilidade ajudou a dissolver o foco que ela mantinha nos próprios medos. “As fobias estavam tomando conta da minha vida. Agora posso viajar de maneira espontânea, que é o que preciso fazer como skatista profissional.”

Seguindo o exemplo do pai, Nora também se transformou em uma artista prolífica, criando com o uso de canetas, tinta e mídias diversas. Desde quando era criança e desenhava e esculpia, a arte dela adquiriu identidade própria em formas e padrões que transmitem calor e oscilações emocionais. “As pessoas costumam mencionar Shel Silverstein quando olham para as minhas coisas – e esse é o maior elogio para mim”, afirma. “Me inspiro em artistas como ele desde que tinha 4 anos e parece subconsciente o modo como essas estéticas permaneceram na minha cabeça por todos estes anos e se infiltraram na minha arte.” Os trabalhos dela também já apareceram em produtos da Welcome Skateboards e provavelmente estarão no próximo modelo de shape profissional que irá desenvolver.

Desde setembro de 2016, quando Nora Vasconcellos encontrou pela primeira vez a equipe de skatistas profissionais da Adidas, em Nova York, ela já fez viagens para Austrália e Japão. Nesta última, se reuniu com grandes nomes do esporte, incluindo a lenda Mark Gonzales. “Nora tem, sem dúvida, um dom natural no skate e na arte”, diz Gonzales. “Ela é sincera e verdadeira em um esporte e uma atividade que por vezes podem ser hostis.”

“As pessoas são obcecadas pelo Gonz. É uma coisa maluca fazer parte disso”, Nora diz, se referindo a Gonzales. “Ter minha arte nas mesmas paredes que ele e a equipe japonesa, bem, é um daqueles momentos que exigem que me belisque – não consigo acreditar que está realmente acontecendo.”

Andrew Reynolds, profissional de street skate e cofundador da Baker Skateboards, vê Nora como um símbolo positivo do empoderamento feminino, especialmente para a filha dele, Stella. “Nora está colocando uma mensagem positiva no mundo, e não apenas no âmbito do skate para meninas. Garoto, garota – você pode ser um skatista, pode se vestir como quiser, pode ser um artista”, ele define.

A skatista profissional Lacey Baker, que atualmente está com a Nike, vê Nora como um fator de representatividade necessário no skate e além. “Ela é muito singular, sai dos padrões”, Lacey define. “A maneira como anda e como controla o skate é icônica – é muito graciosa, mas ao mesmo tempo muito poderosa.” Os backside airs de Nora são vistos como alguns dos melhores, em ambos os gêneros. E, como diz Lacey, “ainda é um grupo pequeno de garotas andando por aí. Mas são elas que estão inspirando meninas skatistas pelo mundo todo”.

Em dezembro de 2017, o premiado cineasta Giovanni Reda, em colaboração com a Adidas, lançou o filme Nora, um divertido documentário que narra, desde a infância, a história da atleta no skate. “O filme diz muito sobre o modo como Nora apresenta a si mesma no skate”, diz Reda. “Meus skatistas favoritos sempre foram além do skate. Nora reúne o estilo, a personalidade e a artista; é tudo que você quer em um skatista. Ela é um futuro ícone – é assim que a vejo.”

“Eu não faria esse projeto com mais ninguém”, afirma Nora, em contrapartida. “Amo o Reda e o filme que ele fez com Brian Anderson. Foi muito legal ter ele e a equipe dele por perto por oito meses e documentar esse período da minha vida.” O filme estreou no bar Black, refúgio do skate em Hollywood, em 21 de dezembro, e foi feito com o intuito de ser um desfecho para 2017 no estilo “filme para se sentir bem”.

Reda diz que enxerga Nora como um modelo para as mulheres no esporte. “Espero que minha filha se espelhe nela como alguém que perseverou e que não deixa as coisas se tornarem obstáculos diante do que ela quer. E Nora faz isso simplesmente sendo ela mesma, algo que muitas pessoas sequer fazem. Ela mostra a jovens garotas que é possível ser uma mulher bem-sucedida em um universo dominado por homens.”

Com as Olimpíadas 2020, em Tóquio, em um horizonte não muito distante, e a inclusão do skate na competição, Nora se vê animada com o novo panorama. “As Olimpíadas são a razão para o fato de as mulheres estarem conseguindo sucesso no skate, com todos esses campeonatos e a divulgação em massa”, acredita. “Eles não poderiam sancionar um evento só de homens nos Jogos Olímpicos, e precisam provar que é algo transparente. Então, por causa dos Jogos, conseguimos uma divisão feminina na Street League Skateboarding e na Vans Park Series.” Na visão de Nora Vasconcellos, agora ela e suas amigas podem finalmente tirar o sustento do skate. “Ainda vivemos em uma era em que a sorte está contra as mulheres. Então, qualquer mudança é um passo na direção certa.”

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