O Ano do Japandroids

Alçada do underground, dupla canadense lançou Celebration Rock, um dos principais discos de 2012

Pablo Miyazawa

Publicado em 14/01/2013, às 16h16 - Atualizado às 16h18
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Japandroids - Reprodução/Facebook oficial

Se houve um grupo de rock de guitarras que aconteceu em 2012, este provavelmente foi o Japandroids. Deixando o underground para trás, o duo canadense (Brian King na voz e guitarra e David Prowse na bateria – não há espaço para baixo, teclados ou qualquer outro instrumento) figurou na maioria das listas de melhores do ano com Celebration Rock – oito faixas de rock de arena juvenil carregadas de minimalismo, ganchos desesperados e indefectível acento indie. Na entrevista a seguir, realizada em julho último, no intervalo entre uma viagem e outra, King relembra o processo de gravação de Celebration Rock, comenta a boa recepção ao álbum e discute as letras de forte cunho pessoal.

Celebration Rock foi eleito o 9º melhor disco internacional do ano pela Rolling Stone Brasil. Clique aqui para ver os 25 nomes do ranking.

Falamos pela última vez há uns quatro meses aqui no Brasil, quando Celebration Rock nem havia sido anunciado. Agora, o disco está bem cotado nas listas dos melhores de 2012. O que aconteceu de lá para cá?

Bem, um monte de coisas, na verdade. Ficamos em turnê praticamente o tempo todo depois que nos falamos. Estou em casa agora, mas só por alguns dias. Daí, vamos para o Japão pela primeira vez. Desde que falei com você, tocamos no SXSW [Austin, Texas], Inglaterra, Espanha [Primavera Sound] e fizemos uma turnê norte-americana que acabou há uns dias. Agora temos um tempinho em casa e já estamos indo para o Japão. É uma loucura atrás da outra, um verdadeiro furacão desde que o disco saiu.

Imagino que vocês sabiam ter feito um bom disco. Mas esperavam essa repercussão com a crítica? Parece que as publicações abraçaram a causa do Japandroids.

A gente esperava ser abraçado nesse nível pelos nossos fãs. Esperávamos que as pessoas que curtiram o primeiro disco iriam gostar do segundo mais ainda. Mas não dá para planejar que a mídia ou a crítica goste tanto de seu disco. Se pudesse, acho que todo mundo faria a mesma coisa. É um tipo de aposta, não dá para dizer que achávamos que isso rolaria, ou que fizemos algo para fazer isso acontecer. Nós só esperávamos que as pessoas que gostaram do primeiro disco gostassem do novo ainda mais.

Então foi uma surpresa?

Sim e não. Passou muito tempo entre um álbum e outro, muito mais do que muita gente gostaria ou do que a maioria das bandas passa. Poderíamos ter lançado um ano antes ou seis meses antes, mas não teria sido tão bom. Para nós, o disco não estava pronto até a gente sentir que não dava para ficar melhor. Então, quando terminamos e sentimos isso sobre ele, sabíamos entre nós que havíamos atingido o melhor que já havíamos feito. Ficamos muito orgulhosos. Sabíamos que a resposta seria boa. Mas dizendo isso: você não consegue prever o tipo de resposta que o disco acabou tendo. Eu estaria mentindo se dissesse que não estávamos esperando por uma repercussão positiva, mas não dava para antecipar o quão positiva ela seria.

Você deve ter dado mais entrevistas nos últimos meses do que em toda sua vida. Qual a pergunta que você tem respondido mais ultimamente?

Talvez aquele tipo de pergunta mais óbvia: “Por que o nome do disco é Celebration Rock?” Nem sei dizer quantas vezes tive que responder a esse tipo de coisa nos últimos quatro meses. E o engraçado é que sinto que é a resposta mais óbvia. Por isso que acho tão gozado que todo mundo quer saber o porquê desse título. E é tão óbvio, não tem pegadinha ou duplo sentido.

E os fogos de artifício no começo e no fim do disco? Dão a impressão de que a música – ou a festa – jamais termina.

Fico feliz que isso deu certo, porque era essa a ideia! Não tinha muita certeza de que iria funcionar, ou se as pessoas o ouviriam assim e saberiam que o lance era esse. Tudo surgiu quando estávamos voltando dos Estados Unidos para Vancouver. Estávamos compondo e retornamos para gravar a segunda metade do disco. No caminho, compramos uns fogos de artifício. A ideia era terminar a gravação e explodir uns fogos para comemorar. Quando chegou a hora, eu e o Jesse, que gravou o álbum, pensamos: “Por que não gravamos o estouro dos fogos do lado de fora do estúdio, só para ver o que acontece?” Colocamos uns microfones, estouramos, e o resultado mais pareceu uma metralhadora. Ficou bem ruim, soava mais como uns estalos do que fogos de artifício. Um barulho de metralhadora não era bem o tipo de coisa que queríamos associar à banda ou ao disco, então diminuímos a velocidade da gravação. O tom ficou bem grave e só então ficou soando mesmo como um estouro de fogos, bem legal. Daí, pensamos: “Bem, isso se parece mesmo com algo que pode fechar o disco”. Primeiro planejamos colocar apenas no finalzinho, mas daí tivemos a outra ideia: “Por que não colocar no começo e no final, para daí quando as pessoas escutarem o álbum no repeat, ele meio que irá recomeçar, como uma coisa contínua?” E funcionou.


Então da próxima vez que perguntarem se você só tocou guitarra no disco, você pode dizer que tocou “guitarra E fogos de artifício”.

Exatamente [risos]. Eu devia ter colocado isso nos créditos.

O show em São Paulo, na Casa do Mancha, em março passado, foi o primeiro em que vocês tocaram o single “The House that Heaven Built”. Atualmente, imagino que as cantorias do público estejam bem mais impressionantes.

Foi mesmo. Foi a primeira vez que tocamos essa ao vivo na frente de uma plateia. A gente começou a apresentar essas músicas antes de o disco sair, então as pessoas ainda não estavam tão empolgadas em ver faixas novas, já que eles ainda nem as conheciam. O que aconteceu foi que essa música saiu como um single antes do restante do disco, e na medida em que tocávamos em shows, mais e mais pessoas a aprendiam. E daí nos shows mais recentes, essa já superou “Young Hearts Spark Fire” como a favorita do público, ou como a música mais cantada em coro no show. Então, quando eu anuncio que vamos tocá-la, a reação é maior do que quando falo que vamos tocar qualquer outra. A energia e o volume gerados pela multidão são incríveis.

Nessa música, sua voz vai lá em cima. Como consegue cantá-la noite após noite?

Eu canto essa um pouco diferente ao vivo justamente por causa disso, porque é a única maneira de conseguir apresentá-la todas as noites. Eu perderia minha voz após um ou dois shows. Então, canto diferente, mas não acho que faço com menos paixão ou sinceridade. Eu só modifico algumas notas que são muito difíceis de alcançar. Ninguém reclama. Especialmente porque nessa música as pessoas estão cantando junto, então a minha voz é a última coisa com a qual eles estão preocupados.

Você disse que não tem overdubs em Celebration Rock, exceto por uma ou outra guitarra. Como reproduzir isso nos shows? Você levou isso em consideração na hora de escrever as músicas? “Como vou conseguir tocar isso em um palco e cantar ao mesmo tempo?”

É preciso lembrar que este é o sétimo ano em que a banda está junta. São sete anos de tentativa e erro. E esse também é o nosso terceiro disco, se considerarmos o [EP lançado em 2010] No Singles após o Post Nothing [o primeiro álbum, de 2009]. Foram muitas tentativas para alcançar esse tipo de som e compreender como maximizar a minha guitarra. É bastante simples, para falar a verdade, a maneira com que os amplificadores e a guitarra são regulados. O que mudou com o tempo é que estou aprendendo a adaptar meu modo de tocar à banda em que estou. Então, meu estilo hoje evoluiu para um estilo especifico para se tocar no Japandroids – o que significa que só tem uma guitarra, não tem baixo ou outros instrumentos. Muito do que aprendi a tocar nessas músicas são duas partes de guitarra ao mesmo tempo. E isso, saindo de vários amplificadores com várias sonoridades, pode confundir o ouvinte ao achar que tem muito mais rolando ali do que realmente está. Tem muito pouca diferença entre o equipamento que uso ao vivo e o que tenho no estúdio. Então a verdadeira mágica de fazer soar como está no disco é a maneira com que tudo é mixado em conjunto. Porque Jessie e eu tivemos muitos anos de prática, mixando sons diferentes, em amplificadores diferentes e em momentos distintos, para soar como se estivesse muito mais rolando do que realmente está.

E qual a dificuldade maior em recriar essa sonoridade ao vivo?

O som jamais será exatamente o mesmo. Em nossos shows as coisas são sempre muito apressadas e nunca há tempo suficiente para se preparar. Quando estamos gravando, passamos um bom tempo arrumando para soar do jeito que a gente quer, mas em um show você mal tem tempo de passar o som. Em certos festivais nem existe soundcheck. Na semana passada, tocamos no Pitchfork Music Festival em Chicago e tivemos 15 minutos para arrumar todo equipamento, conectar os cabos, deixar tudo funcionando e começar a tocar. Nunca dá tempo de fazer soar exatamente do mesmo jeito. Mas a gente também tem um ótimo engenheiro de som que viaja conosco nas turnês, que faz mais ou menos o que o nosso engenheiro faz no estúdio. Ele faz a gente soar o mais próximo possível da gravação. Fazemos o melhor que podemos. Eu uso as seis cordas da guitarra. Dificilmente dedilho ou toco notas individuais. Quase todas as músicas usam as seis cordas praticamente o tempo todo.

Quais são os temas de Celebration Rock? No que diz respeito às letras, elas são mesmo baseadas em experiências pessoais?

Eu que escrevi as letras do disco. A maioria delas é baseada nas minhas experiências. Mas, ao mesmo tempo, a maioria das experiências que eu tive, entre o tempo em que escrevi as músicas para o disco anterior e para esse, nós estávamos em turnê. Quando estávamos escrevendo o Post-Nothing, nós estávamos em Vancouver o tempo todo, então nossas experiências eram sobre viver em um mesmo lugar. Daí, quando chegou a hora de escrever novas letras, todas as experiências que eu havia tido no ano anterior foram em lugares diferentes, porque estávamos viajando – passamos por duzentas cidades nesse período. O primeiro disco é muito mais sobre estar estacionado, ou estar em um único lugar e querer sair dali. E o segundo disco é mais ou menos sobre “sair fora” e visitar um monte de lugares diferentes. E o lance é que acho que ninguém quer ouvir um disco que fala sobre uma banda em turnê, que é o que eu estava fazendo nos dois anos anteriores. Tive que inventar um modo de pegar minhas memórias e tentar transformar em coisas que as pessoas que nunca fizeram turnês ou viajaram muito, ou que não poderiam se identificar com o que eu estava fazendo da vida, ainda poderiam se identificar com as letras. Elas são sobre mim e coisas que aconteceram comigo, minhas histórias, memórias, mas eu as usei como base e as transformei em histórias com as quais qualquer um pudesse se identificar. São muito mais inclusivas. Mas me levou um bom tempo para descobrir como fazer isso. Muita tentativa e erro.

Você declarou recentemente que teve problemas de saúde – uma úlcera perfurada. Você acha que para um compositor escrever boas músicas ele precisa passar por dificuldades, sofrimento ou momentos definitivos na vida?

Bem, não sei se todo mundo precisa, mas eu certamente precisei. É bastante evidente para mim que escrevi meu melhor material após isso ter acontecido. Acho que para mim, sim, eu tive de passar por um pouco de sofrimento. Não sei se funciona assim para todo mundo Para mim, com certeza, funcionou.

E como vai a saúde atualmente?

Vai e vem. Eu tenho bons e maus dias. Nesse momento, está muito bem. Mas eu ando tentando cuidar melhor de mim do que eu fazia antes.

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