Há cinco décadas acontecia o primeiro show de uma banda de jovens londrinos que viria a se chamar The Rolling Stones. A seguir, os mistérios que ainda cercam este momento histórico
Joachim Hentschel Publicado em 10/08/2012, às 11h18 - Atualizado às 13h03
Leia abaixo um trecho da matéria de capa da edição 71 da Rolling Stone Brasil, agosto/2012, nas bancas a partir de 10/8.
Talvez devêssemos simplesmente falar com o primeiro que aparecesse pela frente e fundar uma banda de rock com essa pessoa. Talvez isso dê sorte, em um lugar mágico como este. Mas falar com quem exatamente? As pessoas que esperam o trem na estação de Dartford ao meio-dia mais parecem artistas solitários. Uma pequena Missy Elliott, um jovem Notorious B.I.G., um indiano muito magro metido em um paletó. Na plataforma 2, o sol ofusca a vista. O trem das 12h30 para Londres, vindo da estação Charing Cross, já está chegando.
Veja na galeria acima todas as capas da Rolling Stone em que os Rolling Stones apareceram.
A estudante espalhafatosa de óculos de sol e iPod – ela iria querer fazer música à la Katy Perry. O senhor mais velho sentado ali atrás no banco lê um livro de economia – ele deve tocar flauta na orquestra de advogados. Se nesse dia de primavera de 2012, na estação de trem localizada no condado inglês de Kent, houvesse alguém na plataforma com um velho disco de blues debaixo do braço, essa sim seria uma doce e grande sensação, tal como foi há 51 anos.
Saiba como foi a reunião dos Stones no último dia 12 de julho, em uma exposição de fotos.
Exatamente neste lugar, na manhã do dia 17 de outubro de 1961, uma terça-feira, Mick Jagger, 18 anos, esperava o trem, no seu caminho diário até a London School of Economics. Sabe-se lá por que, ele trazia consigo um LP de Chuck Berry e outro de Muddy Waters. Esse foi o motivo para chamar a atenção de Keith Richards, 17 anos, que iria pegar o mesmo trem na plataforma 2, a caminho da escola de artes na cidadezinha de Sidcup. Richards e Jagger conheciam-se superficialmente, mas agora tinham assunto. A conversa durou apenas 15 minutos, que era o trajeto até Sidcup. O importante é que se entenderam. A reação em cadeia começara. A pedra começou a rolar.
“O quê?”, espantam-se os dois funcionários uniformizados da estação de Dartford quando descobrem que no seu local de trabalho praticamente foram fundados os Rolling Stones. “E eles não colocam sequer uma plaquinha comemorativa?”, irrita-se o mais jovem, gorducho, com os dentes da frente tortos. “Um fato tão importante! Isso é típico dos nossos tempos: o que vale é só dinheiro, dinheiro, dinheiro. Não interessam mais as ideias. Se hoje tivéssemos algo como a Revolução Industrial, ela seria cancelada por falta de interesse!”
De fato, o escultor londrino Anthony Hawken há quase dois anos está empenhado em angariar 150 mil libras para colocar uma estátua da dupla Jagger/Richards na frente da estação. De resto, os velhos heróis já são suficientemente festejados atualmente, neste jubileu em 2012. São 50 anos de Rolling Stones, meio século depois do primeiríssimo show da banda, com filme, livro ilustrado e coisas extraoficiais em quantidade três vezes maior vindo pela frente. É que em 12 de julho de 1962, uma quinta-feira – cerca de nove meses após aquele encontro na estação – Jagger e Richards apresentaram-se pela primeira vez com sua própria banda. Foi no Marquee Club, na Oxford Street, em Londres, tocando clássicos do blues e rock and roll, como “Baby What’s Wrong?”, de Jimmy Reed, ou “Down the Road Apiece”, de Don Raye, e abrindo a apresentação de Long John Baldry, patriarca da cena R&B londrina. Como para tanto precisavam de um nome, se intitularam de Rollin’ Stones, sem a letra “g”, inspirando-se em uma canção do herói Muddy Waters. Os aspirantes ao Olimpo do rock eram Jagger (18 anos) nos vocais; Richards (18) e Brian Jones (20) nas guitarras; Dick Taylor (18) no baixo, Ian Stewart (23) no piano. E já começam aí os problemas.
Rolling Stones 50 anos: uma carreira em fotos.
Alguns dizem que naquela noite quem estava na bateria era Mick Avory (futuro membro do The Kinks) – outros dizem ter sido um certo Tony Chapman. Em um carta enviada ao jornal Jazz News escrita no dia 2 de julho, Brian Jones escreveu que nas baquetas estaria Earl Phillips, um veterano do blues que tinha tocado com Muddy Waters e Howlin’ Wolf. Claro que Phillips não tocou – era malandragem de Jones para alavancar o interesse no show. Existem poucas fotos dessa apresentação, mas nenhum tipo de gravação. Um set list escrito às pressas pelo pianista Stewart é associado ao show, mas parece demasiado longo, contendo 18 músicas. Ou seja, são pouquíssimos os detalhes a cerca de um evento de tamanha magnitude e importância. Naturalmente, em 12 em julho de 1962, ninguém poderia imaginar que justamente aquela noite viria a ser o marco fundamental para os capítulos definitivos da história do rock.
Não há mais muitas testemunhas oculares. O fato é que Jagger e Richards não estão disponíveis (ou dispostos) a fornecer informações detalhadas sobre essa nebulosa fase pós-adolescente. Brian Jones e Ian Stewart morreram, assim como Long John Baldry. Harold Pendleton, então no comando do Marquee, ainda está vivo, mas não em condições de prestar informações. Quando o cineasta Günther Kutsch há alguns anos quis fazer um documentário sobre o clube, ele só percebeu no dia marcado pela esposa de Pendleton que o responsável pela casa mal conseguia falar. A intermediadora esperta já tinha embolsado as 500 libras de honorários pelas informações.
Mick Avory hoje tem 68 anos, ainda se apresenta em shows como ex-baterista do Kinks, no grupo de veteranos Kast Off Kinks. Mas não quer dar entrevista. Por meio do webmaster de seu site, ele manda dizer que no início dos anos 60 ele nunca fez parte da cena londrina do rhythm and blues, mas foi “pintor de paredes e colocador de papel de parede, marceneiro, gesseiro de teto, construtor de formas e ruas, que de vez em quando tocava em um trio de jazz no Osterly Hotel”. Mas não está escrito na autobiografia de Keith Richards, Vida, que Avory esteve presente naquela apresentação no Marquee? Avory oferece uma resposta levemente irritadiça: sim, há mais de 50 anos ele ensaiou duas vezes com os Stones. Mas a banda estava à procura de um baterista fixo e isso ele não queria de jeito nenhum. Ele era pedreiro. Isso era real.
Agora, quem atende o telefone é Ulf Kjellström, 64, radiologista aposentado e que vive em uma cidadezinha na ilha de Götland, Suécia. Ele se lembra razoavelmente bem de quando, aos 14 anos, visitou um amigo em Londres. Ele se chamava Chris, era dois anos mais velho. Eles se conheceram trocando correspondência. Aquela foi a viagem que realmente abriu a cabeça do menino do campo, vindo do norte da Europa. “Certo dia, um amigo mais velho do Chris passou por lá e perguntou: ‘Vocês querem ver uma banda nova hoje à noite?’, conta Kjellström. “O Chris queria ir, então eu fui também.” Era justamente o dia 12 de julho de 1962.
Os adolescentes conseguiram entrar no Marquee escondidos. Estava lotado, diz Kjellström. Ele estava atrás e sentiu-se estranho em meio aos adultos. Até que a música começou. “Não consegui ficar parado. Era só ritmo, ritmo, ritmo! Eles tocaram ‘Kansas City’.” Assim, a criação de Jerry Leiber e Mike Stoller foi primeira música do primeiro show dos Stones, em que o adolescente fã sueco de Elvis Presley tinha entrado como que por acaso. Na primeira fase dos Stones, tudo soa como coincidência. “Tinha algo de muito especial no ar”, diz Kjellström. “Aquele show mudou a minha vida.”
Três anos mais tarde, Kjellström fundaria a sua primeira banda em Götland. Ele odiava os Beatles e só em 1970 voltaria a ver os amados Stones. Seu famoso site, o Ulf’s List, que trazia MP3 piratas dos Stones, há muito tempo foi deletado da rede. Ele também não tem mais contato com o seu correspondente Chris. Quando ele o visitou na Suécia em 1963, ele teria agido como idiota com Ulf.
Assim como Kjellström, toda a Londres no início dos anos 60 estava perto de despertar. As ruínas da guerra, tanto as económicas quanto as arquitetônicas, em grande parte tinham sido removidas. “Nós nunca estivemos tão bem”, o mote dito pelo então primeiro-ministro Harold Macmillan, em 1957, também começou a surtir efeito às margens do rio Tâmisa. “As coisas transformaram-se de preto e branco e cinza em uma paleta plena e multicolorida”, falou Keith Richards no livro oficial According to The Rolling Stones. “Não havia mais o serviço militar, mas sim o rock and roll”, disse o guitarrista. As cabeças ferviam, mas as ruas e os palcos ainda não.
Richards, o menino da região de Kent, usando camisa lilás e calça apertada, e Jagger, filho de professores e que se movia de forma galante na cena londrina, tinham o blues como foco. Não era uma ciência oculta, mas um tema difícil. Tinham que ouvir discussões sobre pelo em ovo dos mais velhos, os colecionadores profissionais. Eles pedantemente tocavam as suas preciosidades na sala de estar, mas não tinham noção de quão primais eram as letras que Jimmy Reed ou Howlin’ Wolf cantavam. Os jovenzinhos entendiam e riam em silêncio. Lamentavam a morte dos pioneiros Buddy Holly e Eddie Cochran e divertiam-se com Cliff Richard ou Adam Faith, astros pop britânicos. Mas procuravam algo real.
Era a época da guerra de crenças. A briga britânica entre mods e rockers anunciava-se de modo sutil. Mais extremadas eram as disputas entre os fãs do jazz tradicional e os do jazz moderno, entre jovens simpatizantes do dixieland e do rhythm and blues. Estudantes de arte fãs de blues tinham de suportar horas a fio o jazz tradicional da orquestra de Mr. Acker Bilk para enfim poderem colocar as mãos debaixo dos pulôveres pretos de gola alta das beldades existencialistas da sala. A música deveria ser do povo, não dos poderosos, argumentavam jovens marxistas fãs de folk. Mestres norte-americanos de blues, que agora descobriam a Europa como um campo fértil e lucrativo, apresentavam-se de maneira especialmente rústica para que o novo público ficasse satisfeito.
A próxima pista encontra-se de novo em uma estação de trem. Ealing Broadway, estação final do lado oeste da linha central do metrô de Londres, fica na intitulada linha vermelha e também conhecida carinhosamente como “rainha dos subúrbios”. À noite, saem levas de passageiros que fazem baldeação em direção ao verdejante Haven Green Park, onde esperam por eles suas bicicletas estacionadas em fila. As velhas descrições de como encontrar esse local histórico ainda funcionam, ou quase. A estação fica à esquerda em direção à Broadway. Depois, é preciso descer a escada estreita de degraus escorregadios.
A seguir, já estamos debaixo da marquise de plástico, extremamente escura, diante da porta preta, morta, que antigamente levava ao Ealing Jazz Club. Diante dela tem uma poça, apesar de não chover há uma eternidade. A água é resultado de um cano de calefação apodrecido. À direita, atrás de uma cerca de madeira, passa o metrô, fazendo um barulho estrondoso. Logo se entendem os relatos de época: o lugar que comportava 200 pessoas era um buraco tão bolorento e úmido que o palco tinha de ser protegido das goteiras com um pano.
Parece até que a queixa do fiel funcionário da estação de Dartford deve ter surtido efeito: aqui há uma plaquinha comemorativa com a inscrição: “Aqui, Alexis Korner e Cyril Davies deram início ao rhythm & blues britânico”. É o que lemos ali, embora não seja bem verdade. Korner, 15 anos mais velho que Jagger e Richards, guitarrista e cantor, enciclopédia ambulante do blues e cosmopolita, e Davies, nascido em 1932 e no fim dos anos 50 considerado o mais briguento e esquentado gaitista da cidade, já desde 1957 mantinham o clube London Blues and Barrelhouse Club no Soho. Dizem que também Muddy Waters e outros heróis se apresentaram ali, até que a coisa começou a ficar barulhenta demais para o dono. Lá para os lados de Ealing podia-se fazer barulho à vontade. Sempre aos sábados, todo mundo ia, e no fim tudo acabou se juntando lá.
Foi ali que, em Abril de 1962, Jagger e Richards ouviram o jovem guitarrista Elmo Lewis, cujo nome verdadeiro era Brian Jones, que mudara de Cheltenham para lá por causa da música. Foi ali que Richards ficou com os joelhos bambos quando Alexis Korner gritou para ele durante o show de seu Blues Incorporated, perguntando se poderia assumir a guitarra enquanto ele iria ao banheiro. Foi o local onde os esfomeados jovens perceberam como o seu prazer em tocar rock era menosprezado por aqueles caras mais velhos que, na verdade, pareciam ter afinidades com eles.
Geoff Bradford, outro personagem da época, recorda: “Em Ealing, subia-se no palco trajando malha e gravata. Em um sábado de manhã, eu recebi um telegrama de Korner: ‘Você pode me substituir hoje à noite em Ealing? Eu não vou poder!’ Ele tinha um show em outro lugar qualquer com uma de suas duas ou três bandas”. Em meio às fotos de família e às bonecas de palha na sala de estar de Bradford ao norte de Londres, nenhuma peça de recordação demonstra que no início dos anos 60 ele era um dos mais concorridos guitarristas de blues da cidade. Hoje com 78 anos, magro e de barba grisalha, separou algumas fotos antigas para mostrar durante a entrevista: tocando skiffle com os companheiros da marinha; ostentando um topete no palco do Marquee com Long John Baldry ao fundo e à esquerda a famosa bateria com pele de leopardo de Carlo Little, mais um dos membros da grande e dispersa família em torno de Korner e Davies.
Já em 1960, Bradford tinha de sustentar mulher e filho, trabalhando como impressor de cartazes. Duas libras de cachê por show era uma gorjeta divertida, mas nem em sonho ele pensava em se tornar profissional. Com terror nostálgico, ele se lembra de como à noite, depois dos shows em Ealing, ficava à beira da estrada pedindo carona para voltar a Islington: com o amplificador de guitarra ao lado, motivo pelo qual só podia ir de caminhão. Bradford amava o blues tradicional, folk e country e quando na primavera de 1962 Brian Jones (oito anos mais jovem que ele) perguntou se gostaria de tocar em uma banda, ele foi, mais por curiosidade. O ponto de encontro era o pub Bricklayers Arms, no Soho. Bradford se entendeu muito bem com o pianista Ian Stewart; então o balanço e o suingue da banda estavam garantidos. Até que surgiu Keith Richards.
“Aí tudo mudou”, conta Bradford e com esse assunto o homem calmo ainda hoje se exalta. “De repente eles começaram a tocar coisas de Chuck Berry. Eu não tinha nenhuma vontade de tocar aquilo. Não era o combinado.” Para o pessoal de Ealing, o rock and roll não passava de música espalhafatosa para dançar. E eles pareciam perceber em que direção a coisa ia.
“Em alguns livros dizem que por isso Keith e eu saímos no tapa. Não é verdade”, diz Bradford. Depois de alguns ensaios, ele simplesmente não apareceu mais por lá e fundou a sua própria banda de blues. Então, será que ele viu o primeiro show da embrionária banda com a qual flertou rapidamente no Marquee, em 12 de julho de 1962? Bradford diz que não. “Se essa onda de rhythm and blues teve algo de bom, foi principalmente ter dado aos artistas norte-americanos uma base de sustento”, diz o quase-guitarrista dos Stones. “A maior parte da contribuição dos britânicos não foi tão especial assim.” Quando em Março de 2012 seria descerrada a placa comemorativa no Ealing Club, Geoff Bradford recebeu um convite. Mas não foi.
Hoje, precisaríamos comprar uma britadeira e entrar na filial do banco Santander na Oxford Street (no número 165, esquina com a Poland Street) e pacientemente furar um buraco bem fundo para pisarmos no local exato do primeiro show dos Stones. O Marquee Club, o porão de jazz de Harold Pendleton para 800 pessoas, até Março de 1964 encontrava-se aqui, debaixo do Academy Cinema. Ele deu lugar a uma nova sala de cinema, mudando-se então algumas esquinas adiante para a Wardour Street. O cinema desapareceu em 1986. Em 2008, o Marquee finalmente sucumbiu, depois de quatro outras mudanças de local.
No ano de 2012, realmente não sobrou mais nada da antiga glória pop do Soho, bairro de compras e restaurantes. Tudo piorou depois do início das obras de reformulação da estação de metrô Tottenham Court Road e também com o fim do London Astoria, icônico clube de rock que até então tinha resistido à especulação imobiliária e reclamações sobre barulho. Sobrou apenas o 100 Club, cuja marquise vermelha e suja espreme-se entre uma loja de lingerie e uma de videogames. O pequeno clube parece doente.
“Pode parecer falta de sentimento. Toda grande metrópole parece viver no aqui e agora”, diz Dave Swindells, que por mais de 20 anos foi redator da seção de vida noturna da revista Time Out. “As coisas mudam, é o caminho natural. Mas se aqui já não acontecesse absolutamente mais nada de excitante, é aí que deveríamos nos preocupar”, fala. As atrações ao vivo justamente têm se mudado para os bairros mais a leste e atualmente seguem em direção a Brixton e Peckham. O fato de o centro de Londres hoje estar morto para a música nova também é visto pelo especialista como algo sinistro. “Precisamos de locais onde as pessoas interajam”, conclui Swindells.
É justamente essa uma das grandes coisas dessa velha história dos Rolling Stones: o fato de ela nos mostrar que grandes reações químicas podem acontecer em cenas reais. Mesmo que esse grupo que juntava puristas musicais, pedreiros percussionistas e jovens rebeldes fosse tão heterogêneo. Os Rolling Stones foram tudo, menos um acaso de destino. Nesse ambiente fértil, eles teriam surgido de qualquer jeito. Eles foram necessários para dar uma virada na cena. Para assustar permanentemente os sabichões do blues e deixar de cabelo em pé os pais e mães da velha Inglaterra. Vieram para mostrar às meninas que as caras enrugadas de Willie Dixon e Muddy Waters eram sexy até as raias da loucura, desde que as suas músicas fossem cantadas por garotos bonitos.
Última parada. Vamos ao clube 229, ao lado do Regent’s Park. Agora estamos de fato no centro da cidade. Bandas mod revivalistas tocam soul nesse local. Ao descer a escada, pode-se observar no salão a montagem para o evento da noite, que junta dois ícones dos anos 60, The Crazy World of Arthur Brown e The Pretty Things. Dick Taylor, 69, já está lá, de cabelos brancos e sábio, como um velho professor de geografia. Há quase meia década ele é o guitarrista do Pretty Things, rival menos glamoroso dos Stones no quesito R&B hardcore. Esta é a pessoa que finalmente pode nos contar o que realmente aconteceu no misterioso dia 12 de julho de 1962. Afinal, ele estava lá no palco com os Rollin’ Stones, mas como baixista. Bill Wyman, o homem que seria o baixista oficial dos Stones por muito tempo, só entrou em dezembro daquele ano.
“O que eu ainda me lembro exatamente é que o show já tinha sido acertado para algumas semanas antes, mas foi adiado na última hora”, conta Taylor, que parece se lembrar com precisão fotográfica. “Apesar de eu já estar perfeitamente preparado. Ou despreparado.” Como assim? Ele faz um gesto de inalação, com o dedo embaixo do nariz. “É que queríamos estar em forma.”
Quinta no Marquee seria o dia da semana do R&B, com o Blues Incorporated de Alexis Korner. Mas ele havia recebido um convite para tocar com sua banda em uma sessão da rádio BBC, em 12 de julho. Korner precisava de alguém de confiança para substituí-lo na Oxford Street – senão o contrato possivelmente ficaria para sempre com outro grupo rival. A situação era ideal para dar uma chance ao seu então cantor de apoio, o jovem Mick Jagger, que também tinha uma banda própria. O show principal ficou com Long John Baldry, que para isso precisava montar um grupo.
“Baldry ainda não tinha encontrado baixista, por isso pude tocar com ele também”, conta Taylor. “Mas é claro que meu coração estava focado no show com os Stones.” Taylor já tinha ensaiado com Mick Jagger desde os tempos de escola, depois na junção com a facção Brian Jones e Ian Stewart no pub no Soho. Agora seria o primeiro show – e logo no Marquee. “O que era especial é como nos entendíamos bem. Brian às vezes entrava em pânico, porque se perguntava o que seria de nós. Mas nada que se comparasse às suas posteriores crises de ira”, lembra o músico.
Jagger foi buscar a todos no carro do pai. Quanto às 18 músicas no set list apócrifo – é possível sim, diz Taylor: talvez Baldry tenha pedido a eles que tocassem por bastante tempo, por ele mesmo não ter muito material. Cinco libras de cachê deve ter sido o pagamento, que o líder da banda Jones provavelmente deve ter embolsado. Mas o que Dick Taylor lembra exatamente é que, para ele, a apresentação foi fenomenal. “Apenas o faxineiro achou depois que deveríamos procurar outro emprego com urgência.”
E também a última, a derradeira pergunta precisa ser respondida agora, de uma vez por todas. Afinal, quem estava na bateria no primeiríssimo show dos Rolling Stones?
“Estou 100% certo”, diz Taylor. “Era o Charlie Watts. Alex Korner não precisava dele naquela noite na BBC. Tony Chapman, nosso baterista oficial, nunca aparecia.”
Foi um choque histórico. Charlie Watts, então designer gráfico e músico requisitado e que em janeiro de 1963 completaria a formação dos Rolling Stones tal como os conhecemos – então foi ele a tocar no primeiríssimo show? Isso foi ocultado? Nunca deveríamos saber do fato? Após intensas pesquisas, somos informados pelo especialista alemão em Stones, Nico Zentgraf, que parece haver uma gravação da dita sessão da BBC de Korner, em que podemos ouvir a voz de Watts na entrevista. Então ele estava lá na BBC, e não no Marquee, como diz Taylor. Já o norte-americano James Karnbach, outro especialista em Rolling Stones, manda dizer que o próprio Chapman há décadas lhe contou que tinha sido ele o baterista. O escritório de Charlie Watts recebe a pergunta de forma simpática, mas não responde. Ninguém sabe o paradeiro de Tony Chapman no ano de 2012.
Se olharmos para trás, tudo deve ter sido muito simples. Ritmo, ritmo, ritmo. Dar um chute no traseiro do sonolento Soho e reinventar o mundo. Não importa o que disse o faxineiro; deve ter sido um dos maiores shows de todos os tempos. Porque na manhã seguinte, todos os outros sabiam que pertenciam ao ontem. Foi o primeiro embalo tímido feito pela Swinging London. Quem fechar os olhos por um breve instante ainda sentirá a forte onda do blues britânico.
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