Com poucas palavras – e muitos resmungos –, Benicio Del Toro se garante como o revolucionário favorito de Hollywood
Por Erik Hedegaard Publicado em 12/06/2009, às 15h20
Bem cedo em uma tarde de domingo, Benicio Del Toro aparece no lobby do Mercer Hotel, em Nova York, examina o ambiente refinado, encontra um lugar para sentar e pede o café-da-manhã ("Quero três ovos fritos e algumas fatias de tomate, bacon canadense... E tem suco de laranja com cenoura?"), cutuca o boné de caminhoneiro verde impecável que se equilibra sobre sua cabeça de tamanho razoável, faz rodeios, diz algumas palavras breves sobre o filme Che, resmunga como se ainda estivesse representando Fred Fenster, seu personagem em Os Suspeitos, olha para o nada, mostra os dentes, coça o queixo e então realmente consegue lançar certa luz sobre si mesmo. "Se algum dia eu já tive vontade de me suicidar?", ele repete. "Não por tempo suficiente. Não por tempo suficiente. Mas já me coloquei a questão: 'Ser ou não ser?' Ah, eu pensei sobre o assunto. Será que eu iria até o fim? Não. Mas já me senti sozinho, já me senti um fracasso, já senti que não tinha ninguém para me ajudar. Já senti essas coisas, só que elas nunca duram."
Esse tipo de introspecção falta aos arquivos de Benny com muita frequência. Com muita frequência, ele aparece na pele de Benny, o portoriquenho sacana e irresponsável, esfarrapado e com ar exausto, como o cara que provavelmente não pensaria duas vezes antes de agarrar Scarlett Johansson contra uma parede de elevador depois de uma cerimônia de entrega de prêmios, como os boatos dão conta de que ele teria feito - com negações posteriores da parte dela, claro. Benny emenda um cigarro no outro. Tem olheiras profundas e amarguradas embaixo dos olhos. Ele é um homem ardiloso de verdade e faz jornalistas renomados de revistas renomadas escreverem frases enjoativas como: "O Marlon Brando que existe dentro dele está brilhando nesta noite, e ele sabe disso..." Isso depois que Benny avança com tudo, escondido atrás de uma névoa de maneirismos, tiques e fraseologias malucas.
Mesmo hoje, ele ainda parece estar tomando essa mesma direção. Começa bem despreocupado, ainda que seja só porque o assunto é Che. Dirigido pelo amigo Steven Soderbergh, o filme conta a história do guerrilheiro de boina Ernesto "Che" Guevara, estende-se por quatro horas e 17 minutos (dividido em duas partes) e apresenta a melhor (ou pelo menos mais longa) performance de Del Toro até hoje. Garantiu-lhe a Palma de Ouro como melhor ator em Cannes, e houve quem jurasse que ele seria indicado ao Oscar (o que não ocorreu). Mas, para falar de muitas outras coisas, ele com certeza se retrai. O jornal New York Post recentemente informou que, depois da exibição de Che no Festival de Cinema de Toronto, Del Toro e Soderbergh passaram o resto da noite caindo na farra em uma casa de strip-tease da cidade. "À meia-noite e meia, Benicio e Steven mandaram levar 12 garotas para a sala VIP", declarou uma possível testemunha. "As dançarinas despejavam doses de vodca 360 na boca deles, enquanto dançavam no colo dos dois." Fantástico, maravilhoso, quem poderia culpar um solteiro como ele? Mas, de acordo com Del Toro, ele quase nunca bebe. O resto então, nem pensar. "Eu bebo, mas não pesado", diz, com um aceno. "Eu consigo e às vezes fico um mês inteiro sem beber se quiser."
E, durante um tempo, a coisa anda assim.
Foi um resmungo que fez a fama de Benny. Antes disso, ele era só o cara que fez o papel de Duke, o garoto com cara de cachorro em Big Top Pee-Wee,, em 1988, seu primeiro papel no cinema. Ele participou de audições, conseguiu pontas, representou traficantes e entregou aos diretores o que eles diziam querer. "Eu simplesmente me sentia agradecido de ter trabalho", ele gosta de dizer. "Tinha medo de que, se eu confiasse nos meus instintos, nunca mais trabalharia." Mas ele não era feliz. Tinha planos para sua carreira de ator: sonhos e ambições. Ele sentia coisas. Queria expressar essas coisas. Só que, quando expressava, geralmente acontecia o que aconteceu com ele durante as filmagens de O Preço da Ambição, em 1994. O diretor começou a berrar: "Ele está atuando como uma bicha! Está chapado! Não sei o que está fazendo!" E daí o agente ligava para ele para dizer algo do gênero: "Não podemos continuar assim. Cada filme em que você trabalha é um pesadelo". Assim, um ano depois, no primeiro dia de filmagem de Os Suspeitos, Benny tinha boas razões para se preocupar. Ele tinha se ralado para construir o personagem, o bandido Fred Fenster, e sabia o que desejava fazer. Mas, sentado lá, observando os outros atores enquanto faziam o que tinham de fazer, ele começou a ter dúvidas. Talvez fosse errado resmungar. Talvez o resmungo fosse exatamente o passo errado a se dar na carreira. Finalmente, chegou a hora de ele falar. Era agora ou nunca. Ele abriu a boca, aprumou os ombros e disse: "[Resmungo]".
"É assim que eu me lembro daquele momento", conta o diretor de Os Suspeitos, Bryan Singer. "A primeira coisa que me ocorreu depois que ele falou foi: 'Ele está de brincadeira, certo?' Mas daí pensei: 'Espere aí. E se foi a escolha dele?' A última coisa que se deve fazer é dar risada da escolha de um ator. Então cheguei para ele e disse: 'É assim que você vai fazer? É assim que você vai dizer os seus diálogos?' Ele respondeu: 'É, a menos que você não queira'. E eu fiquei, tipo: 'Não, tudo bem'. E, durante o resto do filme, foi assim."
O resultado foi um sucesso em pequena escala. Antes que alguém se desse conta, ele já estava aparecendo na tela ao lado de Robert De Niro, Christopher Walken e Johnny Depp; namorava Alicia Silverstone; e, em 2000, aprofundando-se muito para fazer o papel de um policial honroso de Tijuana em Traffic, levou um Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por seus esforços tão desprezados. E tudo porque ele resolveu resmungar.
Na verdade, isto não é bem correto. Não foi porque ele resolveu resmungar. Foi porque ele teve peito para resmungar. Como Singer diz, "Benicio compreende que só se pode fazer esse tipo de experimento uma vez, de modo que o melhor é fazer escolhas ousadas." E esta é uma coisa que é preciso entender a respeito de Benny. Ele faz escolhas ousadas e realmente gosta de se expor - as consequências que se danem. Para o papel de Zeta Acosta, contracenando com o Hunter S. Thompson de Johnny Depp em Medo e Delírio (1998), ele engordou 20 quilos e, com as câmeras rodando, apertou um cigarro aceso contra o antebraço várias vezes, sem estar atuando para tanto, porque o verdadeiro Acosta tinha feito isso em uma ocasião. A cena não entrou na edição final, mas as cicatrizes são para sempre. "Eu fiz várias", Del Toro diz hoje e arregaça a manga da camisa para mostrar as pequenas marcas, enquanto emite um ruído de carne queimando na frigideira. "Eu estava andando com o Hunter, Deus o abençoe. Mas quanta burrice."
Também foi desconcertante para as pessoas ao redor dele, inclusive para o diretor Terry Gilliam. "Eu nunca era capaz de prever o que Benicio faria, mas parecia que a ação sempre envolvia muita dor para ele", diz Gilliam. "Ele se aprofunda muito no personagem, e às vezes eu ficava achando que estava fora de controle. Descobri que ele é assustador. Era preciso saber lidar com aquilo, e depois de um tempo sua necessidade de ser tão intenso deixava muitos de nós exaustos. Acho que ele acreditava não estar recebendo tanta atenção de mim quanto queria, mas no que diz respeito a mim eu lhe dava mais do que a qualquer outra pessoa. Era frustrante. Sempre. Mas o resultado final é uma performance incrível."
Ainda assim, a crítica detestou o filme e, como foi um fracasso, a carreira de Del Toro também sofreu um baque. "As pessoas diziam: 'Ah, o filme afundou, ele tem problemas, ele é alcoólatra, ele está gordo, ele está inchado, ele está usando droga', e tudo isso foi muito estranho para mim", Benicio diz. Por outro lado, não deve ter sido assim tão estranho, porque suas ações sempre lhe causaram problemas, desde quando ele é capaz de se lembrar. Na infância abastada em Porto Rico, onde estudou na escola particular Academy of Our Lady of Perpetual Help (Academia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro), ele vivia metido em encrencas. O mesmo se repetia em casa. A mãe era advogada e morreu quando ele estava com 9 anos; por isso ele foi criado pelo pai, também advogado. Queimava muita energia jogando basquete. O pai dele criava porcos também, e Benny sempre era chamado para ajudar quando chegava a época da castração. "Eu ficava lá, segurando e limpando... e aquele barulho, cara...", ele diz, contorcendo-se e guinchando como um porco. Mas, no resto do tempo, era uma batalha atrás da outra com o pai.
"Eu roubava umas merdas só para ver se me pegavam", ele conta. "Eu gostava de subir em telhados. É assustador subir em telhados. É perigoso. Mas daí o meu pai disse que não era para eu subir em telhados." Ele dá de ombros e ri. "O que ia acontecer se me pegassem?" Ele ri mais uma vez, mas não tão alto. "O meu pai é das antigas. Ele corria atrás de mim com um cinto, e, se eu não parasse quando ele mandava, coisas começavam a voar."
Quando Del Toro estava com 13 anos, o pai o despachou para a Pensilvânia (Estados Unidos), para um internato chamado Mercersburg Academy. Por causa de suas habilidades no basquete, ele não teve problemas para se entrosar com os colegas, em sua maior parte brancos e ricos. "Eu era o único aluno do 1º ano no time, de modo que eu entrei para a turma imediatamente e imediatamente me tornei meio que um garoto bacana", ele conta. "Meu inglês era ruim, e os alunos mais velhos adoravam me fazer pedir coisas no McDonald's." Então isso ele teve a seu favor. Mas, mesmo lá, ele continuou a desafiar o sistema, de maneiras aparentemente tão radicais que ele até hoje não tem coragem de confessá-las, 30 anos depois. "O que se faz em Mercersburg", ele diz, ríspido, "permanece em Mercersburg".
Aliás, há coisas sobre seu passado que o deixam extremamente envergonhado. O que ele gostaria de recapitular agora é como, após a escola, ele foi estudar administração na Universidade da Califórnia, fez teste para uma peça, adorou atuar, largou a faculdade, foi parar em Los Angeles com uma bolsa no Estúdio de Atuação Stella Adler e, em 1987, conseguiu seu primeiro emprego como ator, no papel de um traficante no seriado policial Miami Vice. Mas ele não quer falar, especificamente, que uma vez supostamente ficou incomodando amigos de amigos (pessoas que ele não conhecia, mas cuja casa tinha sido assaltada recentemente) com telefonemas seguidos, em que ele afirmava ser o ladrão e dizia que assaltaria a casa mais uma vez. A brincadeira deixou os moradores tão apavorados que fizeram as malas e se mudaram. "Quem contou essa história para você?", ele pergunta hoje, por entre os dentes. "Olhe: não acredite em tudo que você lê. Mas é... acho que fiz isso, sim. Mas não foi quando eu estava na escola. Foi na faculdade." Como se isso fizesse uma enorme diferença.
E, depois, temos as mulheres. Além do boato sobre Scarlett, pouco se sabe sobre Benny e suas damas. O homem de 41 anos costuma ser reservado. Em Los Angeles, é frequente ele ficar trancado em seu pequeno apartamento, ouvindo música (Rolling Stones, Jimi Hendrix, The Who, Bruce Springsteen), lendo (Ernest Hemingway, Fiódor Dostoievski, Joseph Conrad, Truman Capote), pintando (a óleo) e fumando um cigarro após o outro (apesar de dizer que largou). É possível presumir que mulheres se juntem a ele ali de vez em quando. Mas, de verdade, ninguém nem sabe se ele tem namorada ou não. Será que tem?
"Eu tenho amigos", ele diz, mudando a posição do corpo. "Tenho uma pessoa." Então muda de posição de novo: "Tenho amigas". E daí, por algum motivo, ele relaxa um pouco e começa a se abrir, lançando luz sobre sua vida pessoal.
"Eu sou egoísta com o meu tempo. Está a fim de que eu não fique por perto e não bata cartão todo dia? Quando se está em um relacionamento, não dá simplesmente para tomar seu rumo, e já tive momentos de aceitar essa responsabilidade, mas sempre tem uma data de expiração marcada. É duro. Meu relacionamento mais longo? Ah, deve ter durado um ano e meio." Foi monogâmico? "Eu fui bem bonzinho." Ele sorri. "Eu fui mais ou menos bonzinho."
Então, talvez um novo Benny esteja sendo forjado, porque o velho Benny, aquele que vive amuado, já teria se fechado há muito tempo, mesmo que estivesse conversando com um amigo. "Existem algumas pessoas que a gente nunca conhece de verdade, por mais vezes que saia com elas. Para mim, Benicio é desse tipo", diz o ator Luis Guzmán, que atuou ao lado de Del Toro em Traffic. "Eu me lembro, logo antes de filmarmos, tentei conversar com ele. Foi bem monossilábico, e eu fiquei, tipo, 'Certo, já entendi'. Ele era muito reservado. E isso não é necessariamente ruim. É só o jeito dele."
Ou pelo menos é como ele era antes que esse novo Benny começasse a colocar as manguinhas de fora. Esse novo Benny está pensando sobre coisas em que nunca pensou antes, como por exemplo o falecimento recente de sua madrinha, que assumiu sua educação depois da morte da mãe e cujo caixão ele carregou pelo cemitério, em Porto Rico. Tudo isso para chegar em um cara que, de um jeito ou de outro, passou a maior parte da vida caminhando em telhados. Esse Benny, mais pensativo e introspectivo, diz: "Se eu já pensei que sou uma fraude? Penso o tempo todo. Eu duvido de mim mesmo. Sou um ser humano. Mas, desde que eu possa fazer alguém feliz nesta porra deste planeta, tudo bem, não sou uma fraude. Pelo menos, é o que eu digo a mim mesmo". Ele pressiona o guardanapo nos lábios e se levanta. Falou algumas coisas, respondeu a umas poucas perguntas e levantou mais algumas. Mas Benny é assim mesmo. Ele sempre vai embora antes do que você gostaria.
"O que eu vejo quando olho no espelho?", ele pergunta. "Na maioria das vezes, quando eu me olho no espelho, é para olhar como está o meu cabelo, porque ele faz o que bem entende." Ele tira o boné. O cabelo dele parece um acidente de carro assustador e repugnante, todo amassado e retorcido.
Ele volta a colocar o boné na cabeça.
"Depois disso, olho nos meus próprios olhos", ele prossegue, "só para ter certeza de que sou eu mesmo. É. Só para ter certeza de que sou eu."
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