Três décadas e dezenas de colegas de banda depois, Anthony Kiedis e Flea estão apenas começando
David Fricke Publicado em 09/09/2011, às 11h28 - Atualizado em 07/11/2011, às 13h32
“Fiquei com medo”, confessa Flea, baixista do Red Hot Chili Peppers, em meio ao barulho do motor de um ônibus de turnê. “Não conseguia imaginar ter outra pessoa. Parecia tudo terminado.” Estamos na última semana de julho e Flea está sentado na parte de trás de um ônibus que partiu de Los Angeles rumo à Big Sur, região central da Califórnia, Estados Unidos, para o primeiro show do Chili Peppers em quatro anos. É a primeira apresentação em mais de uma década sem John Frusciante, o brilhante e volúvel guitarrista da banda ao longo de 15 anos e cinco discos de funk metálico e pop psicodélico, incluindo Blood Sugar Sex Magik, de 1991, e Stadium Arcadium, de 2006, que chegou ao número 1 da parada norte-americana. Em 2009, Frusciante deixou a banda pela segunda, e última, vez.
Com cabelo verde-turquesa e usando uma camiseta de beisebol que expõe o museu de tatuagens em seu tronco, Flea explica a maneira como ele e Frusciante compunham músicas: “John vinha com uma ideia, pá, e eu entendia. Ou eu tinha uma ideia e, pá, ele tocava a coisa certa. Pronto”. Flea também descreve a amizade deles em termos variáveis como “agradável”, “tensa”, “irmandade” e “combativa”. É como se a banda estivesse “sem um membro da família”, afirma.
Agora, o grupo tem um novo guitarrista. O Red Hot Chili Peppers acabou de lançar I’m With You, o primeiro álbum com Josh Klinghoffer, 31 anos, amigo e sucessor de Frusciante. Ontem, Flea, Klinghoffer, o baterista, Chad Smith, e o vocalista, Anthony Kiedis, fizeram o último ensaio antes da turnê, tocando quase 20 músicas em um local de ensaios em Santa Monica. Amanhã, na Big Sur, o Red Hot faz sua estreia ao vivo com Klinghoffer, em um show só para convidados no gramado da Henry Miller Memorial Library. Flea tem uma casa na região e quer que o Chili Peppers abra sua próxima era diante de amigos e vizinhos.
“Não me sinto pronto”, admite Kiedis poucas horas antes de se apresentar. “Nunca estou pronto para o primeiro show de uma nova fase. Fico suficientemente preparado para saber que, de alguma forma, vai dar certo. Cuspir, colar, manter tudo junto.”
Na verdade, o Red Hot Chili Peppers se especializou em renascimentos desde sua formação, em 1983. Amigos de escola e únicos integrantes originais, Flea e Kiedis, ambos de 48 anos, sobreviveram ao abuso de drogas pesadas, morte – do guitarrista original, Hillel Slovak, por overdose, em 1988 – e várias mudanças pessoais, incluindo a primeira saída de Frusciante, em 1992, e o curto período em meados dos anos 90 com Dave Navarro, do Jane’s Addiction. Frusciante retornou em 1998.
No entanto, quando saiu do Red Hot novamente em 2009, perto do final de uma pausa de dois anos de turnês e gravações, “poderia ter sido o nosso fim, claro”, diz Smith, de 49 anos, no ônibus. “Passamos pela roda-viva de guitarristas e aqui estamos outra vez.” O baterista admite que esperava que Frusciante mudasse de ideia, “o que já aconteceu antes. Ok, ele está fazendo outras coisas, mas um dia vou receber a ligação: ‘Oi, aqui é o John, quer fazer um som?’” Smith faz uma imitação carinhosa da voz baixa e rouca de Frusciante. “Não aconteceu.”
Em outubro de 2009 – dois meses antes de Frusciante anunciar publicamente sua saída –, Flea, Smith e Kiedis já estavam compondo com Klinghoffer, um talentoso coadjuvante nascido em Los Angeles, que já trabalhou com Beck, PJ Harvey e Gnarls Barkley e tocou guitarra e teclados na turnê de Stadium Arcadium. Não houve audições nem outros grandes candidatos. A nova formação gravou as faixas básicas para as 14 músicas de I’m With You em um mês.
“Nunca tive a sensação de que era nosso fim”, insiste Kiedis. “A maior preocupação do Flea, que ele dividiu comigo, era a de que não queria continuar se não fosse tão bom quanto antes, na melhor fase: ‘Conseguimos coisas demais para fazer algo meia-boca’.”
Entretanto, o vocalista admite: “Se o Flea sair, não existe Chili Peppers. Eu nem pensaria em tentar...” Sua voz some, como se ele estivesse considerando o impossível. “Flea e eu temos o destino de passar a vida juntos. É o que está acontecendo.”
No ônibus, Flea fala sobre essa ligação: “Anthony e eu nos mudamos para Los Angeles na mesma época, com a mesma idade” – no início da adolescência; Flea vindo de Melbourne, Austrália, onde nasceu, Kiedis vindo de Michigan. Ambos tiveram famílias desfeitas pelo divórcio e, Flea observa, “do nível mais baixo da escala econômica. Sabíamos que ninguém faria nada por nós se não fôssemos à luta. Percebemos que tínhamos uma mágica juntos, e nos chamávamos de ‘Monstro de Duas Cabeças’. Éramos mais poderosos juntos do que separados. Aprontávamos muito”.
O monstro agora se transformou em dois pais, com vidas separadas e corridas. Divorciado duas vezes, Flea tem duas filhas. Kiedis tem um filho, Everly, de 3 anos e meio, com uma ex-namorada, a modelo Heather Christie; o casal se separou em 2008 (Smith, que entrou para o Chili Peppers em 1989, tem dois filhos com a esposa, Nancy, e três de relacionamentos anteriores. Klinghoffer está solteiro). “Nossa noção de tudo, todas as nossas piadas e experiências – não acho que Anthony e eu vejamos a profundidade disso o tempo todo”, continua Flea. “Na semana passada, não estávamos nos entendendo. Tivemos uma discussão ridícula sobre alguma coisa do clipe. É isso, depois que o John saiu, que eu não queria perder – a sensação de família, de trabalhar em algo juntos por tanto tempo.”
Em um jantar, com direito a bife e uma taça de vinho em um hotel na Big Sur, Klinghoffer – alto, magro, simpático e de fala mansa – relembra uma conversa recente ao telefone com Frusciante. Os dois se conheceram quando Klinghoffer era adolescente, tocando nos discos solo e em outros projetos de Frusciante. “Falei com ele sobre tocar com estes caras”, conta Klinghoffer. “Ele afirmou: ‘É impressionante acordar de manhã e tocar música maravilhosa com os amigos’.”
“É o que eu mais queria na vida: ter uma banda de amigos em quem você confia e ama”, continua Klinghoffer, empolgado. “Flea e John tinham uma relação especial – vi isso durante anos. O fato de Flea, Chad e Anthony se abrirem e deixarem outra pessoa entrar, alguém novo, é incrível.” Com a nova formação, o Red Hot Chili Peppers compôs mais de 50 músicas para I’m With You e já planeja fazer um segundo álbum com Klinghoffer após o final da turnê, no ano que vem.
Não foi possível contatar Frusciante para fazer comentários para a reportagem. “Acho que ele só deseja ser livre para fazer o que quiser”, sugere Flea, “sem o comércio que envolve estar em uma grande banda”.
No canto de uma sala no Dirt Cheap Sound Stage, na tarde do último ensaio para a turnê do Red Hot, Flea – sem camisa e descalço, usando uma calça vermelha folgada – está sentado à mesa com seu almoço vegetariano. Fica absolutamente quieto por um minuto, com os olhos fechados e as palmas das mãos para cima, antes de começar a comer.
“Flea faz uma pequena oração antes das refeições”, conta a poetisa e cantora Patti Smith, amiga próxima e colaboradora. Em alguns dos shows recentes de Patti, Flea tocou baixo na banda. “Estar perto dele é uma experiência holística”, ela continua. “Se estou cansada, se ele consegue sentir um pouco de hesitação, olha nos meus olhos e me dá toda a sua energia”, conta Patti. “Ele é único, sabe o valor que tem, mas tem essa qualidade altruísta que o torna um grande músico.”
As orações silenciosas de Flea são ecumênicas. “Desenvolvi uma relação com minha ideia do que Deus é”, afirma. “Embora a música tenha me dado liberação, minha maneira de tocar se trata de estar em contato com algo sagrado, uma energia divina que flui através de mim.”
É uma energia visível. No Dirt Cheap, o Red Hot Chili Peppers – com um novo membro na turnê, o percussionista brasileiro Mauro Refosco – vai do pop ácido de “Monarchy of Roses” e da poderosa balada “Meet Me at the Corner”, ambas do novo álbum, à marcha guerreira “Throw Away Your Television”, de By the Way, de 2002, e do comando funk “Give It Away”, de Blood Sugar Sex Magik.
E Flea nunca para. Ele aproveitou a pausa de dois anos do Red Hot Chili Peppers (depois de Stadium Arcadium) para trabalhar nas turnês e nos discos de outros artistas, além de gravar material solo em seu estúdio próprio, em Los Angeles. Em 2010, tocou baixo no Atoms for Peace, banda paralela de Thom Yorke, vocalista do Radiohead, fazendo shows e tocando em um futuro álbum de estúdio.
O baixista, na verdade, é uma mistura complexa de confiança, humildade e vontade, um músico educado formalmente – começou com o trompete – cujo estilo agressivo no baixo esconde sua noção de serviço. “Quero dar apoio a eles”, Flea diz a respeito dos trabalhos que fez com Thom Yorke e Patti Smith. “O Thom canaliza uma coisa muito bonita. Eu penso: ‘Vou dar tudo o que sou a ele, dar o que ele precisa para flutuar’.” Ele continua: “Quando se tenta controlar a música, você a estrangula. Sei que é uma coisa hippie, mas estou tentando fazer a energia sair. É meu dom”.
Flea cofundou uma escola de música sem fins lucrativos para crianças, o Silverlake Conservatory, em 2001. Ele ainda se considera um aluno também. No outono de 2008, o baixista se matriculou na Thornton School of Music da University of Southern California por um ano, tendo aulas sobre teoria, composição e trompete. Não recebeu créditos formais, mas fez a lição de casa – em Bach, Haydn e Mozart, entre outros – e os exames finais.
“Ele me ligava duas ou três vezes em uma tarde: ‘Tenho uma pergunta sobre a lição de casa, este acorde no segundo compasso’”, conta Neal Desby, o instrutor de teoria de Flea. “Ele levava tudo a sério, e os outros estudantes podiam ver isso. Acabou virando uma lição em si – às 9h30 da manhã ele estava lá, e nem precisava fazer aquilo.” A avaliação final de Flea na matéria de Desby: “Nota dez, com honras. Ele foi extremamente bem”.
Questionado durante a viagem no ônibus se pensa onde estaria agora sem a música ou a banda, Flea olha para cima, impressionado. “Engraçado você dizer isso. Foi o que pensei quando acordei hoje.” Ele fala sobre uma adolescência de drogas pesadas e roubo de casas, “coisas muito, muito ruins, do tipo que te botam na cadeia ou matam. Anthony, Hillel, meus amigos que realmente eram como minha família – usávamos drogas juntos, era nossa comunhão, mas ficou claro que vidas são arruinadas, não há nada bonito nisso”. Flea largou as drogas pesadas “de uma hora para outra, sem reabilitação”, no início dos anos 90, aos 30 anos. Kiedis, que escreveu vividamente sobre sua vida como viciado no sucesso “Under the Bridge”, de Blood Sugar..., demorou mais. Está limpo desde 2000.
“A música me salvou – e os livros também”, diz Flea. “Ler Kurt Vonnegut aos 13 anos, foi isso o que me criou, que me deu uma noção de ética, o que é certo no mundo.” Agora, Flea é um ávido colecionador de livros. Tem uma cópia da primeira edição britânica de Jane Eyre, de Charlotte Brontë, que comprou em Londres em 2004 por, ele admite timidamente, “muito dinheiro”.
“Só o li quando tinha muito mais de 30 anos”, Flea comenta sobre o romance, “mas ele me tocou – a resiliência que Jane mantém quando enfrenta situações nas quais todos perdem a dignidade e a gentileza. Ela passa pelo inferno. É abandonada, tratada mal, e nunca se desvia do que ama”.
Sugiro a Flea que se ele der uma guitarra a Jane, essa poderia ser a história da banda.
“Entendo isso”, confessa Flea. “Nem sempre mantive a dignidade, fui verdadeiro, gentil etc.” Mesmo assim, diz, “é algo a aspirar”.
Joshua Adam Klinghoffer nasceu em Los Angeles em 3 de outubro de 1979, o mais novo dos dois filhos dos nova-iorquinos Steve e Kathy Klinghoffer. O pai de Josh também está na indústria do entretenimento, como técnico de som para cinema e TV. Josh tinha 9 anos quando os pais o matricularam em aulas de bateria. “Batucava em tudo o que estava à sua frente”, conta Kathy. Josh aprendeu sozinho a tocar guitarra e teclado. Aos 15, disse aos pais que estava largando a escola para estudar música por conta própria. “Falei: ‘Quero me educar de acordo com meus próprios termos’.” Foi um paralelo incrível: Frusciante também largou a escola para se concentrar na guitarra, tocando obsessivamente junto com discos em casa, antes de entrar no Chili Peppers aos 18 anos, em 1989. “Tinha muito de Led Zeppelin e Jimi Hendrix”, diz Klinghoffer sobre seus estudos particulares. “Chili Peppers e Pearl Jam eram grandes bandas para mim.”
Klinghoffer conheceu Frusciante por intermédio de Bob Forrest, ex-líder da Thelonious Monster, banda cult de Los Angeles, e amigo de longa data do Chili Peppers. Forrest se lembra de uma viagem para Nova York, onde ele e Klinghoffer assinaram um contrato para uma banda que tinham na época, Bicycle Thief. “Cada um ganhou US$ 10 mil de adiantamento. Josh disse: ‘Te vejo no hotel’. Ele voltou oito horas depois com 100 CDs e um violão dos anos 40. Perguntei: ‘Quanto dinheiro sobrou?’ Ele respondeu: ‘Ah, não sei, pouca coisa’.”
No Red Hot, Klinghoffer é tratado – e age – como um parceiro, não como um funcionário contratado. Em vários momentos durante o ensaio, Flea e Kiedis – “o eixo invisível”, nas palavras do vocalista – participam de reuniões sobre a filmagem de um clipe e o fluxo das músicas no set list, e Klinghoffer frequentemente está presente, ouvindo e dando sugestões, e recebe crédito igual de composição em I’m With You. “Josh brilhou como colaborador”, afirma Rick Rubin, produtor deste e dos últimos seis álbuns do Chili Peppers. “Ele discutia se as coisas não ficavam exatamente como queria. Brigava pelo que era dele.”
Durante o jantar antes de sua estreia na Big Sur, Klinghoffer é honesto sobre o que precisa aprender e aprimorar para a turnê do Chili Peppers: um catálogo de três décadas de músicas, as mudanças de tons de guitarra e os vocais nas músicas novas, o salto para a condição de guitarrista principal. “Isso cria um medo imenso em mim”, ele confessa. “Começo um solo e acho que estou indo bem, mas no meio...”, ri.
Flea parte em sua defesa: “Ser o guitarrista em uma grande banda de rock é algo intenso”, avalia. “Com o tempo, ele descobrirá cada vez mais coisas, mas está tudo ali. Só precisa ser ele mesmo.”
Mudou tanta coisa”, afirma Anthony Kiedis na manhã do show na Califórnia, refletindo sobre a vida fora do Peppers desde o nascimento de Everly, em 2007. “Antes era só a meu respeito, agora é tudo para meu filho. Foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido.”
Kiedis está sentado na sala de uma cabana antiga em uma propriedade montanhosa com vista para o Pacífico, onde fica com Everly. A casa de Flea fica perto; ele e Kiedis amam surfar nestas águas.
“Acordo quando ele acorda”, conta o vocalista, descrevendo um dia típico em casa com o filho. “Tomo café da manhã com ele, mas não preparo. Ele tem uma babá. Meu trabalho é contar histórias enquanto come, e ele é exigente nas histórias. Se tento escapar com um resumo, nem pensar. Tem de ser inteira.”
Quebra-cabeças, leitura, desenhos e “esconde-esconde no quintal” geralmente vêm na sequência. Não há TV – do tipo com “comerciais e barulho”, segundo Kiedis. Ele e Everly assistem a “desenhos animados dos anos 30 juntos, muitos filmes, mas, quando ele entra em uma sala com TV, passa direto por ela”.
Kiedis, que mora em Malibu, reserva algumas horas do dia para surfar (há dois anos, depois de ser hospitalizado com uma crise na vesícula que “literalmente explodiu como um vulcão dentro de mim”, ele passou a recuperação surfando). Chama a atual vida amorosa de “praticamente inexistente”. Quanto ao casamento, “não sinto necessidade disso. Ser pai solteiro é excelente”.
Um dos mais conhecidos libertinos do rock, integrante de uma banda que ficou famosa rapidamente nos anos 80 por subir ao palco usando nada além de meias estrategicamente colocadas, Kiedis examina a própria adolescência com um pai solteiro em Los Angeles – John, ator, agora com 70 e poucos anos – com uma afeição cheia de nuances. “Ele pensava: ‘Vou fazer do meu filho meu melhor amigo – seremos dois adultos que enfrentam o mundo juntos’”, lembra Kiedis. “Ele me deu conhecimento e introdução a uma cultura que a maioria dos pais nunca dá aos filhos.”
“Mas é difícil”, Kiedis continua, “ser pai do seu pai porque ele está fora de controle, como ele estava em meados dos anos 70, com a bebida e as drogas. Ele estava testando seus limites – embora não tanto quanto fiz mais tarde. Faria muito esforço para não colocar meu filho nessa posição.”
Já Flea foi “pai antes de todo mundo na banda”. Sua filha mais velha, Clara, musicista e fotógrafa, acabou de se formar na faculdade. “Mas a dedicação de Anthony ao filho é intensa, e ele parece tão estável. Sinto maior compreensão da parte dele, uma tolerância com coisas que poderiam o irritar antes.” Flea sorri. “Ele definitivamente está mais legal comigo, com certeza.”
Kiedis tem uma resposta pronta para uma pergunta sobre a primeira música adulta que compôs: “Love Trilogy”, do disco The Uplift Mofo Party Plan, de 1987. Como a maior parte de seu material inicial, “é meio maluca”, admite, “mas seu tema é crescer – o amor pelos amigos, pelos pais, pela vida. Sempre nos sentimos mal interpretados. Sabíamos exatamente quem éramos. Quando estávamos sendo tontos e fazendo caretas, tirando sarro de nós mesmos para a imprensa e para qualquer um, só fazia sentido porque acreditávamos na música o tempo inteiro, desde a primeira vez em que tocamos”.
“Não consigo imaginar não estar lá”, continua Kiedis sobre a banda e seu futuro com Klinghoffer. “Algo estranho poderia acontecer. Ou não. Hoje sei que temos a Henry Miller Library – nosso primeiro show com Josh, ao ar livre à noite, nas montanhas.” Kiedis dá um sorriso faminto. “É.”
O primeiro show ao vivo do Red Hot Chili Peppers em quatro anos acaba sendo uma diversão aos trancos e barrancos. As luzes se apagaram várias vezes durante as primeiras músicas (metade delas do novo álbum, que o público ainda não ouviu) e Kiedis, perdendo a voz no frio, pediu que Klinghoffer assumisse os vocais em alguns refrãos mais agudos.
Também há muitas evidências de uma banda renascida novamente: a dança vigorosa de Kiedis no surto polirrítmico de “Ethiopia”, de I’m With You; Flea, sem camisa e suando muito apesar do frio; a guitarra empolgada e cortante de Klinghoffer. “A última coisa que queremos ser”, diz Chad Smith no ônibus, no dia anterior, “é uma banda que está ali, fazendo uma turnê no verão, tocando ‘Under the Bridge’. ‘E as músicas novas?’ Todo mundo saiu para comprar Coca-Cola e cachorro-quente. Temos muita sorte. Conseguimos outra chance.”
Nos bastidores na Big Sur, depois dos bis, Flea está deliciado e aliviado. “Toda vez que olhei para o Josh, dava para perceber – ele estava absorto”, conta. “Não havia espanto. Esta banda, esta nova versão, está começando.”
“Eu me sinto ótimo”, Klinghoffer anuncia alegremente. “Ensaios são bons, mas não há nada como fazer isso para as pessoas.” Ele se diverte quando menciono os trechos difíceis. “Foi exatamente o meu tipo de show – as luzes se apagaram, o vocalista perdeu a voz... Eu poderia ter tocado a noite inteira.”
Há um momento especial também, quando Kiedis se aproxima de Flea, a caminho do carro. Eles não conversam sobre o show. Kiedis está dando a Flea o relatório sobre o oceano para a Big Sur no dia seguinte: boas ondas e ventos baixos à tarde, perfeito para surfar. “Parece ótimo”, diz Flea. “Por volta das 4h?” Kiedis sorri e eles se abraçam antes de irem cada um para seu canto.
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