Como um rapaz prodígio do Vietnã criou o game de sucesso Flappy Bird – e por que ele jogou tudo para o alto?
David Fricke | Tradução: J. M. Trevisan Publicado em 07/04/2014, às 03h27 - Atualizado às 03h43
Em abril de 2013, Dong Nguyen, um rapaz tranquilo de 28 anos que morava com os pais em Hanoi (Vietnã), passou um fim de semana criando um jogo para celulares. Ele queria que o game fosse simples, mas desafiador, com o mesmo espírito dos jogos da Nintendo que ele jogava quando criança. O objetivo era controlar um pássaro de olhos esbugalhados, voando entre uma série de canos. Quanto mais rápido o jogador tocasse a tela, mais alto o pássaro voava. O jogo foi batizado Flappy Bird.
A obra de Nguyen (pronuncia-se nwin) entrou no ar na loja virtual da Apple em 24 de maio. Em vez de cobrar pelo download de Flappy Bird, ele resolveu torná-lo gratuito, na esperança de arrecadar alguns dólares por mês com anúncios. Mas com cerca de 25 mil novos aplicativos surgindo a cada mês, Flappy Bird/ se perdeu no meio da multidão – até que, oito meses mais tarde, o game se espalhou como uma praga. Em fevereiro, já dominava as listas de mais baixados em 100 países, com mais de 50 milhões de downloads. Nguyen estava ganhando cerca de US$ 50 mil por dia. Nem Mark Zuckerberg ficou rico tão rápido.
Ainda assim, Nguyen permanecia um mistério. Evitava a imprensa e se recusava a ser fotografado. Foi chamado de fraude, farsante, ladrão. Em 9 de fevereiro, às 2h02, ele escreveu no Twitter: “Sinto muito, jogadores de ‘Flappy Bird’. Daqui a 22 horas, vou tirar o jogo do ar. Não aguento mais.” Como alguém que havia tirado a sorte grande seria capaz de abrir mão de tudo? Quando o horário marcado chegou, Nguyen tirou Flappy Bird do ar, deixando o mundo chocado e algumas perguntas soltas: quem é esse cara, e o que diabos ele fez?
Duas semanas depois, estou em um táxi na periferia de Hanoi para entrevistar Nguyen, que concordou em contar a história toda. Encontro um rapaz com feições de garoto, que mede as palavras cuidadosamente, como quem manipula os pixels em uma tela. “Eu só estava me divertindo e queria dividir isso com outras pessoas”, ele diz, com a ajuda de um tradutor. “Não previ todo esse sucesso.”
Nguyen nunca imaginou que um dia se tornaria um game designer famoso. Maravilhado com o poder de controlar um personagem na tela da TV, ele passou a infância jogando Super Mario Bros. Aos 16, já havia aprendido a programar seu próprio jogo de xadrez no computador. Anos mais tarde, estudando ciências da computação, ficou entre os 20 primeiros em uma competição de programação e ganhou um estágio na única empresa de games de Hanoi na época, a Punch Entertainment. Não demorou para que ele se cansasse do cardápio de jogos de esportes da produtora. Quando conseguiu um iPhone, ficou fascinado com as possibilidades da tela de toque. Nguyen queria fazer jogos para pessoas como ele: ocupadas, agitadas, sempre em trânsito. “Imaginei como as pessoas jogam”, diz ele, tocando a tela e levantando o outro braço. “Uma mão segurando na barra do trem.”
Tudo o que Nguyen precisava era de uma ideia. Ele havia desenhado um pássaro pixelado inspirado em um peixe da Nintendo chamado Cheep Cheeps. Daí desenhou canos verdes – outra homenagem a Mario Bros. – por onde o pássaro teria que navegar e ajeitou a física para que a ave tivesse que lutar contra uma gravidade tão forte, que um mero toque errado seria capaz de matá-lo. Além de uns tuítes, Nguyen não fez propaganda. E, assim como muitos dos jogos para celular lançados atualmente, Flappy Bird fracassou. A primeira menção do game no Twitter só surgiu cinco meses depois, em novembro, quando alguém postou uma resenha de três palavras: “Foda-se, Flappy Bird”.
No fim de dezembro, o Twitter explodiu com testemunhos sobre Flappy Bird, chegando a 16 milhões de mensagens sobre o assunto. Uma dizia que o jogo era “o mais irritante de todos os tempos, ainda assim não consigo parar”, enquanto outra confessava “está consumindo minha vida lentamente”. No início de 2014, Flappy Bird chegou ao Top 10 dos jogos mais baixados nos Estados Unidos. Sem promoção, plano ou lógica, em 17 de janeiro, o game chegou ao primeiro lugar. Como todo mundo, Nguyen ficou chocado com a ascensão meteórica – e a avalanche de dinheiro que chegaria à sua conta bancária. Mas ele não era de se gabar. “Não consegui ficar empolgado”, diz. “Não sei por quê.” Ele não havia sequer contado aos pais sobre o sucesso. “Eles não entendem de games.”
Quando surgiram as notícias de quanto Nguyen estava ganhando, o rosto dele apareceu nos jornais vietnamitas e na TV, e foi assim que os pais dele souberam que ele era famoso. Jornalistas cercaram a casa e a atenção se tornou sufocante. “É algo que nunca quis”, ele tuitou. “Por favor, me deixem em paz.” Ele me mostra o iPhone para que eu veja as mensagens. Uma era de uma mulher criticando-o por “distrair as crianças do mundo”. Outra lamenta: “Garotos na escola quebraram celulares por causa do jogo, e continuam jogando porque vicia como crack”. Nguyen conta sobre trabalhadores que perderam empregos e de uma mãe que parou de falar com os filhos. “Achei que fossem brincadeira, mas percebi que estavam sendo afetados de verdade.”
Em fevereiro, o peso tornou-se insuportável. Nguyen não conseguia dormir nem queria sair de casa. As mensagens dele tornaram-se mais sombrias. “Posso dizer que Flappy Bird é um sucesso’”, dizia uma. “Mas também arruinou a simplicidade da minha vida. E agora eu o odeio.” Ele se deu conta de que só havia uma coisa a fazer: tirar o jogo do ar. Depois que postou a decisão, 10 milhões de downloads ocorreram em 22 horas. Então, Nguyen apertou um botão e Flappy Bird desapareceu. Quando pergunto por que fez isso, ele responde com a mesma convicção que o levou a criar o jogo. “Sou dono do meu destino. Meu pensamento é independente.”
Depois do ocorrido, boatos se espalharam. Nguyen havia cometido suicídio. A Nintendo estava processando-o. Ele havia recebido ameaças de morte. O fato de o rapaz se recusar a falar só alimentava as especulações. Mas o silêncio dele possibilitou reavaliações sobre seu trabalho. John Romero, cocriador do game Doom, diz que Flappy Bird é “uma reação contra o design padrão dos tempos atuais, como o grunge foi uma reação ao metal”. Já Nolan Bushnell, grande patrono dos games, compara o game de Nguyen ao seminal Pong. “Jogos simples são mais recompensadores”, diz ele.
Quanto a Nguyen, ele está bem. Os milhões de pessoas que baixaram Flappy Bird ainda geram dinheiro para a conta dele. Largou o emprego e pensa em comprar um carro e um apartamento. E anda fazendo o que mais gosta – jogos. Está trabalhando em três, todos com seu estilo característico: jogabilidade simples, gráficos retrô e dificuldade elevada. Hoje, diz que se sente “aliviado”. “Não vou conseguir ter a mesma vida de antes, mas estou bem agora”, constata. Quanto ao futuro de Flappy Bird, conta que ainda está recusando ofertas de compra do game, e que não abre mão da independência. Ele não está trabalhando em uma nova versão, mas, se um dia ela voltar a existir, virá com uma “advertência”, promete: “Por favor, descanse um pouco”.
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