Longe dos princípios de inclusão social pregados pelo esporte, seis mil agentes da Força Nacional de Segurança enviados ao Rio de Janeiro carregam sozinhos o peso de garantir a paz nos Jogos Pan-Americanos. Mas quem garante a segurança da Força?
CAROLINA BENEVIDES E FLORENÇA MAZZA Publicado em 30/07/2007, às 11h08 - Atualizado em 26/08/2007, às 11h59
O discurso esclarecido, que intercala informações sobre o Hezbollah e as Farc, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, é interrompido por uma cena insólita, mas não rara na região do Alemão, complexo de 13 favelas na Zona Norte do Rio de Janeiro. "Olha lá, vê se não parece que estamos na África do Sul?", comenta Fabrício, apontando para uma família de nove porcos que caminha no asfalto fumegante da Avenida Itaoca, um dos acessos às comunidades, no bairro de Bonsucesso. O interlocutor, de fala mansa e sotaque paulistano, é um dos seis mil agentes da Força Nacional de Segurança enviados à capital fluminense para reforçar a segurança da cidade durante os Jogos Pan-Americanos, de 13 a 29 deste mês. Soldados que, além de 15 quilos de equipamento - composto por fuzil, pistola, colete à prova de balas, entre outros - carregam sozinhos o peso de garantir a paz na competição desde que um impasse envolvendo os governos federal e estadual deixou as Forças Armadas longe do Rio.
Fabrício (os nomes usados na matéria são fictícios, por motivos óbvios) foi um dos primeiros a chegar à Cidade Maravilhosa. Veio com a primeira turma de soldados, em janeiro, a pedido do governador Sérgio Cabral Filho. Mas a 20 dias do Pan, o policial encara uma realidade onde os princípios de inclusão social pregados pelo esporte passam ao largo. Fabrício está numa das comunidades mais carentes do Rio, onde uma ocupação da polícia iniciada no dia 1º de maio resultou, em 58 dias, em 44 mortes e 77 feridos - a maioria vítima de balas perdidas. "Estou muito frustrado", diz ele, "assim como a maioria da tropa".
Mais do que a violência, o que surpreendeu mesmo os soldados foi a política de segurança adotada no Rio. "Isso aqui está completamente abandonado pelo Estado, o lixo está naquela esquina desde o dia em que eu cheguei. Não tem mais solução, não. O trabalho que estamos fazendo aqui é só paliativo", diz o agente, sugerindo que a polícia ocupe a favela e instale ali postos de atendimento ao cidadão.
Fabrício e seus colegas de missão - todos policiais de elite nos seus Estados, inscritos voluntariamente na Força Nacional - estão no complexo desde o dia 13 de junho. Enviados para fazer o policiamento ostensivo durante os Jogos, os soldados viram-se diante do desafio de ocupar o que a Secretaria Estadual de Segurança Pública do Rio considera o quartel-general da facção criminosa Comando Vermelho: o Alemão.
Dividida em 18 pontos nos acessos da comunidade, a tropa recebeu a ordem de na maior parte do tempo fazer a contenção das favelas, deixando as incursões a cargo da Polícia Militar do Rio. No entanto, na quarta-feira, dia 27 de junho, 150 homens participaram de uma das maiores operações feitas no Rio nos últimos anos. Em oito horas de ação no Alemão, 19 pessoas morreram e foram apreendidas duas metralhadoras .30, capazes de derrubar até helicópteros. "Nunca tinha visto armas tão pesadas. Já vi vários tiroteios pela televisão. Mas só quando você está aqui é que entende que é uma guerra", resume Álvaro, policial de Góias Velho, pela primeira vez no Rio.
A relação da comunidade com a violência também surpreende. "Na minha cidade, quando tem um tiroteio, o clima fica tenso o dia inteiro. Aqui, cinco minutos depois as pessoas já estão circulando normalmente, as crianças indo para a escola", conta um outro agente vindo de Brasília.
De onde ficam, na maior parte dos dias, com fuzil 556 em punho e binóculos de alto alcance, os soldados são capazes de ver a olho nu os traficantes. E, uma vez vistos por eles, tornam-se alvos de disparos e até mesmo de granadas.
"No primeiro dia em que chegamos aqui, foram quatro ataques em nossa direção", lembra Joana, 34 anos, uma das quatro mulheres que integram o Batalhão de Pronta Resposta, braço da Força capacitado para atuar nas favelas, em auxílio ao Batalhão de Operações Especiais (Bope) do Rio. "Eles [os bandidos] têm armas mais potentes do que as nossas, a sorte é que atiram mal demais".
Olhos claros, cabelos tingidos de louro, três brincos na orelha, unhas e sobrancelhas impecáveis, Joana é policial militar há oito anos da tropa de elite do Distrito Federal. Única na família a seguir a carreira militar, a primogênita de sete irmãos decidiu ingressar na PM por gostar muito de armas. Empolgada com a convocação da Força para atuar no Pan, ela admite a apreensão diante do complexo de favelas. "O mais difícil, para nós, é a geografia. Em Brasília, é tudo plano. Já aqui, se tivermos de entrar na favela, a atenção tem de ser redobrada. São vielas íngremes, muitos becos sem saída, um procedimento completamente diferente do que estamos acostumados", compara.
As particularidades da violência no rio ajudam a engrossar as críticas à presença da Força nas ações de combate ao tráfico de drogas. Presidente da comissão de segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara, o deputado federal João Campos de Araújo (PSDB-GO) é um dos que integram a lista de parlamentares e especialistas em segurança contrários à atuação dos agentes em ações como a do Alemão. "É um suicídio. Os soldados não sabem nada da cidade, precisam até de mapa para andar no Rio. Não estão preparados para enfrentar o crime organizado e, portanto, correm muito mais riscos do que o policial fluminense, acostumado a essa realidade." O prefeito Cesar Maia faz coro: "Só uma força permanente poderia se habilitar a esta necessária repressão, mas esses agentes não conhecem o campo".
O combate ao crime no Rio é tão peculiar que os agentes da Força - mesmo os que têm mais de uma década de carreira - passaram por um treinamento intensivo oferecido pelo Bope. Durante uma semana, em 50 horas de aula, eles aprenderam a combater em favelas. "Os homens fizeram o mesmo curso que damos para policiais civis e federais, além de soldados do Exército, como os que foram para a missão da ONU no Haiti. Eles aprenderam técnicas de combate, de reconhecimento, segurança de retaguarda e resgate", conta o capitão Rodrigo Pimentel, ex-policial do Bope e autor do livro Elite da Tropa. "O curso é importante porque a abordagem de pessoas em área de risco é diferente da que é feita na rua.
Ao fim das aulas, os agentes que passaram pelo curso foram levados a morros para uma simulação, onde poriam em prática tudo o que aprenderam com os soldados de elite do Rio. O local escolhido: a favela Tavares Bastos, no Catete, uma das poucas onde não há o domínio do tráfico e onde está sediado o Bope.
O comandante da unidade, tenente-coronel Pinheiro Neto, reforça que o maior benefício que o curso traz aos agentes é a experiência que os soldados do Bope têm sobre as favelas cariocas. "São locais que não têm uma lógica de construção. Um verdadeiro labirinto. Muitas casas são interligadas e algumas têm até túneis subterrâneos", revela. "Mas o curso que desenvolvemos capacita o policial a entrar em todo o tipo de comunidade: plana, em encostas, com casas de palafitas", assegura Pinheiro Neto.
Apesar de admitir que uma semana não é suficiente para os agentes entenderem toda a dinâmica do Rio, o tenente-coronel acredita que com o treinamento intensivo e o dia-a-dia nas ruas, os agentes superam as dificuldades. "São policiais experientes, de forças especiais, que já chegam com uma bagagem considerável."
Para o diretor do Núcleo Estratégico da Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em armas Ronaldo Leão, entretanto, enviar as tropas para o Alemão sem conhecer a topografia da cidade é uma temeridade: "Os homens da Força não sabem a diferença entre Leblon, na Zona Sul, e Colégio, na Zona Oeste. São estranhos no ninho".
Para quem está de longe, a preocupação é ainda maior. Depois de cinco anos de namoro, seguidos de outros cinco de noivado, Paulo deixou sua cara-metade em São Paulo a pouco menos de um ano do casamento. "Ela vê as notícias na televisão, fica nervosa. A única maneira de acalmá-la é ligando à noite. Nos falamos diariamente", conta o oficial da Rota - Rondas Ostensivas Tobias Aguiar - 42 anos, 22 deles na polícia.
Os olhos verdes e serenos de Paulo disfarçam o sentimento que, com alguns minutos de conversa, revela-se comum a todos os agentes da Força de plantão no Alemão. "Medo a gente tem", confessa o policial, estreante na FNS e no Rio de Janeiro. "Quando cheguei aqui, levei um choque. É o fundo do Rio, bem diferente do que passa na televisão e dos cartões-postais."
Ronaldo Leão não vê como poderia ser diferente. "O tráfico tem um poderio enorme. Acho mais do que natural que tenham medo. Deixar um policial de Tocantins trabalhando em uma favela é, no mínimo, maluquice. Os homens da Força não têm preparo para pegar um fuzil no Rio."
Mais um pouco de conversa e Paulo confessa que a realidade carioca, ao vivo e em cores, já fez "outros guerreiros irem embora". O policial, que atuou no resgate dos corpos do avião da TAM que caiu na capital paulista em 1996 e participou da transferência dos presos do Complexo Penitenciário do Carandiru, diz que esta é sua missão mais difícil desde que ingressou na polícia. "Além do cansaço [os agentes ficam 14 horas de plantão, quando o normal é trabalharem seis horas], é muita ansiedade. Agora está tudo tranqüilo, mas em cinco minutos isso aqui pode virar o demônio. O jeito é rezar", resume o agente, que no quinto dia de Alemão não tinha saído da Estrada do Itararé, que margeia os morros.
A poucos metros dali, ainda no bairro de Bonsucesso, Fabrício não teve tanta sorte. Em uma das poucas incursões que a Força Nacional fez ao interior da favela, junto com o Bope, ele chegou a ferir-se, atingido por estilhaços de uma granada na testa. "O que vi aqui é muito preocupante. Estamos bem perto de virar uma Colômbia, de termos uma Farc brasileira", alerta o policial, mostrando um muro onde era possível contar 38 marcas de balas.
Mas não é só no alemão que mora o perigo, garantem os agentes, nos mais diferentes sotaques. O próprio Fabrício revela que só sai do quartel de táxi. Luxo? Nada disso. A primeira viagem de ônibus foi tão traumática que, desde então, prefere recorrer aos motoristas de praça quando está de folga. "Quando passava pela Cidade de Deus (favela da Zona Oeste, vizinha à Vila do Pan), entrou um daqueles bondes (grupos de bandidos que andam juntos, para praticarem assaltos). Eles estavam todos sem camisa, fumando, gritando gírias. Na hora, fiquei com medo que eles vissem meu documento policial", conta o agente, que não deixa a mulher sair de São Paulo para visitá-lo no Rio, temendo a violência: "A gente não se vê desde o início do ano. Mas não quero que ela venha para cá".
O relato vem seguido de uma crítica contundente à polícia fluminense: "Em São Paulo, quando se depara com um bonde desses, a polícia vai atrás, pede reforço, chama helicópteros. Aqui, pelo contrário. Eles fogem ou fazem vista grossa".
Sem querer se identificar, outro soldado da Força Nacional denuncia as falhas na conduta dos "azulzinhos", como se referem aos policiais militares do Rio: "O que nós vemos aqui é inacreditável. Um dia que ficamos à noite na favela [as tropas da FNS saem do Alemão às 22h], eles se comunicavam com os bandidos pelo rádio. Teve um tiroteio e só o carro da Força foi baleado. Nenhum disparo atingiu a viatura da polícia".
O corregedor-chefe da polícia militar, coronel Paulo Ricardo Paul, diz que até o momento não recebeu nenhuma denúncia formal de agentes da Força Nacional de Segurança em relação à postura dos policiais no Complexo do Alemão. Desde janeiro, 123 PMs foram expulsos da corporação por denúncias de corrupção e envolvimento com o crime, entre outras. "A polícia do Rio é mal-equipada, tem um salário baixo, não tem treinamento adequado. Que estrutura têm esses policiais para não sucumbir à corrupção?", indaga Ronaldo Leão.
As críticas feitas pelos soldados da FNS aos PMs deixa evidente a tensão existente entre as duas tropas. Natural: enquanto um policial recebe do governo do Rio um salário de R$ 800, os agentes da Força ganham, além do salário pago pelos seus estados, uma diária de R$ 124 do Ministério da Justiça. "O policial que se expõe muito mais, que está no front diariamente, ganha bem menos do que a tropa, que chegou agora ao Rio. É muito pouco provável que esta interação dê certo", analisa Marcelo Freixo, deputado estadual (PSOL-RJ).
O capitão Pimentel concorda. "Os soldados do Bope que treinam os homens da Força ganham quatro vezes menos. O ideal seria que os estados pagassem melhor aos policiais. Mas é claro que um soldado da Força que vem de outro Estado e fica aquartelado tem muito menos chance de se corromper."
A polêmica da diária não preocupa o gaúcho Luiz Fernando Correa, 48 anos, delegado da polícia federal que desde 2003 é o secretário Nacional de Segurança Pública. "O salário é um elemento motivador e é justa a indenização para quem está fora do seu Estado. Sabemos que há muita diferença salarial. Mas este mês, o governo federal vai definir um piso e ninguém ganhará abaixo desse valor. Vai haver um acordo entre a União e os Estados", adianta o secretário.
Segundo Freixo, cada agente da FNS representa um ônus de R$ 5 mil por mês aos cofres públicos, enquanto o custo de um PM, no Rio, sai em média mil reais mensais. Pelos cálculos do parlamentar, apenas no mês de julho, o efetivo da Força vai custar R$ 30 milhões ao erário - 2% de tudo o que o Estado do Rio investiu em segurança nos seis primeiros meses de governo, somando gastos com as polícias Civil e Militar, administração penitenciária e Corpo de Bombeiros, de acordo com dados do Sistema Integrado de Administração Financeira. "É por isso, também, que defendo que a Força somente atue em ações mais específicas, em vez de tapar buraco da PM. Esse dinheiro poderia ser mais bem investido."
No que depender de José Mariano Beltrame, secretário estadual de Segurança Pública, a verba vai continuar sendo gasta com soldados de outros estados por mais alguns meses.
"Vamos pedir que os homens fiquem, pelo menos, até dezembro. Só não podemos precisar quantos serão", diz Beltrame, que já declarou que prefere o reforço da FNS ao das Forças Armadas, solicitado pelo governador.
No dia 22 de junho, Sérgio Cabral apresentou um conjunto de medidas que serão postas em prática a partir do dia 6 de agosto para coibir o transporte alternativo ilegal na cidade, já prevendo a presença de 100 agentes da Força Nacional. O governador, que passou a última semana do mês passado fora do país, tem defendido o uso da tropa nas ações de combate ao crime organizado no Rio. "A Força tem feito um ótimo trabalho, mas sem pirotecnia. O grande policiamento cabe, de fato, à PM."
Comandante da Força no Rio, o coronel Luiz Antônio Ferreira não vê problemas no pedido do governo. "Temos condições de manter pelo menos dois mil homens no Rio depois do Pan."
O número equivale quase a um terço do efetivo da Polícia Militar na capital, onde nos quatro primeiros meses do ano foram registrados 883 homicídios e 288 mortes em confronto com a polícia, de acordo com dados oficiais da Secretaria Estadual de Segurança Pública. O roubo a pedestre, outro crime que contribui para a sensação de insegurança do carioca, também registra aumentos desde o início do governo Cabral. De janeiro a abril, foram registradas 11.716 ocorrências desse tipo nas delegacias da capital.
O deputado João Campos, porém, questiona a legalidade da tropa para desempenhar tais funções. "A Força é órgão criado à revelia do arcabouço jurídico. Ela não existe na Constituição Federal", diz o deputado, referindo-se ao Artigo 144 que define que a segurança pública deve ser mantida pelas polícias Federal, Rodoviária Federal, Ferroviária Federal, Civil, Militar e bombeiros. "Se um agente vier a matar alguém, o governo federal pode vir a ter problemas, já que a FNS não é constituída do ponto de vista legal", alerta Campos, que propõe uma emenda constitucional para definir o papel da Força.
A tropa foi criada por meio de um decreto, em 2004, inspirada nas Forças de Paz da Organização das Nações Unidas. Os soldados seriam acionados apenas em situações de calamidade, casos de crise aguda nos Estados ou de eventos que exijam reforço na segurança.
O salário mais alto do que o do PM, entretanto, não significa que os agentes da Força Nacional vivem com mais conforto. Denúncias de que a tropa estava morando em condições sub-humanas em um dos alojamentos da FNS levaram parlamentares a fazer uma vistoria no 24º Batalhão de Infantaria Blindada (BIB), em Bonsucesso, Zona Norte, no início do mês passado.
O deputado estadual Paulo Ramos (PDT-RJ) foi um dos que estiveram no antigo quartel do Exército e voltou barbarizado com o que viu: "Os colchonetes estavam jogados pelo chão, tudo sujo, os banheiros em situação deplorável. Não havia um lugar sequer para os soldados aquecerem as suas quentinhas. Um desrespeito com a tropa".
Presidente da Comissão de Segurança Pública e Assuntos de Polícia da Assembléia Legislativa do Rio, o deputado Wagner Montes (PDT-RJ) também esteve no quartel. "O local estava desativado e quando os homens chegaram, a situação era muito precária", conta.
À espera de beliches e colchões, que só chegaram no meio do mês de junho, os agentes tiveram de dar o seu jeito para adaptarem-se ao alojamento. "O pessoal comprou colchonetes e fez mutirão para limpar o quartel", conta o sargento Paulo. "Conforto nós não temos, é um banheiro só. Mas também ninguém veio aqui atrás de conforto."
Os 433 homens hospedados no 24º BIB têm reservados R$ 11 por dia com alimentação. "Nos cinco primeiros dias, o coronel e os soldados se alimentaram de quentinhas. Depois, eles resolveram reativar o refeitório para ter quatro refeições diárias por esse valor", conta Wagner.
O deputado chegou a sugerir aos agentes que usassem parte da diária para pagar por um hotel. "Eles disseram que preferem economizar e juntar o dinheiro para levar para casa."
Os únicos luxos dos soldados são aparelhos de som, comprados logo nos primeiros dias na cidade, que tocam rock, MPB e até música sertaneja. Economia também não há quando o assunto é telefone. Quem não possui um rádio Nextel - como é o caso de Paulo, que liga de graça para a noiva todos os dias - tem de apelar mesmo para o DDD. "Infelizmente, fica caro demais. Não posso ligar para os meninos diariamente, mas sempre que dá, telefono para Brasília", diz Joana, que deixou dois filhos, um de 16 e outro de 9 anos, no Planalto Central.
Ser mulher, nessas horas, conta a agente, ainda lhes dá uma atribuição extra. "Quando a saudade aperta, é conosco que os soldados acabam desabafando. E nós temos de ouvir."
Ao falar dos filhos, Joana deixa escapar uma fragilidade feminina que não combina com a farda e o armamento que carrega. "Não vejo a hora de o dia 28 chegar", ela suspira, com brilho nos olhos. "Vamos ter uns dias de licença antes do Pan e eu vou a Brasília, ver minha família."
Cada um dá o seu jeito para driblar a solidão. Marcello, que fazia a contenção de um dos acessos do Alemão no sábado 23, apela para os esportes e para os livros de auto-ajuda. "O segredo é buscar um equilíbrio, procurar não se exceder, para que todos possamos voltar para casa e para as nossas famílias ilesos", ensina o agente, que freqüentou a Igreja Adventista do Sétimo Dia até os 16 anos. "Depois de ver tanta desgraça, a gente começa a acreditar em outras coisas. Além de praticar esportes, eu procuro ler os livros da Zíbia Gasparetto. A verdade é que o guerreiro que não se apega ao lado espiritual padece."
A folga também era esperada por Paulo e seus companheiros de ação no Alemão. O policial não iria para São Paulo nos dias de descanso, mas os usaria para conhecer o tal Rio de Janeiro que tanto vê na televisão. "Vamos sair do quartel logo depois dos exercícios matinais e passar o dia em Copacabana. A maioria não conhece a praia. Vamos relaxar, pôr os pés na areia, tomar uma cervejinha. Também queremos visitar o Cristo."
Perplexo com a violência do Rio, Fabrício não pensa sequer em conhecer os pontos turísticos da cidade. "Nunca viria ao Rio para passear. Já tive oportunidade e recusei. Só venho ao Estado para escalar na Região Serrana, onde ainda se tem um pouco de tranqüilidade."
Por ora, o agente contenta-se com a paisagem árida e desordenada do Alemão e mostra já ter descoberto detalhes da região: "Sabe aquela porca ali? Veja bem, ela tem a marca de um tiro de raspão na barriga", mostra Fabrício. Coisa que muito carioca não viu.
As jornalistas Carolina Benevides e Florença Mazza são, respectivamente, editora e editora assistente do caderno Cidade, do Jornal do Brasil.
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