- Rodrigo Rosa

O Monstro da Derrota

O que restará da carreira política e do partido que for o perdedor nas eleições presidenciais de 2010? A certeza é uma só: a derrota terá um gosto muito amargo, tanto para PT como para

Por Fernando Vieira e Rodrigo Barros Publicado em 18/08/2010, às 05h01

Apesar da imagem de confiança e firmeza que se esforçam em passar para o povo brasileiro, Dilma Rousseff e José Serra, os dois candidatos à frente da disputa pela Presidência da República, não devem estar assim tão seguros de si mesmos. Afinal, eles ainda são totalmente dependentes de você e, diante da rampa do Palácio do Planalto, não há nada decidido. É certo que em até cinco horas após o encerramento das votações, de acordo com projeção do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), como a pontada de um ataque cardíaco fulminante, um deles receberá oficialmente a notícia: "Você perdeu a eleição".

O ângulo inusitado do resultado das urnas revela aspectos da corrida eleitoral de 2010 que vão além de um embate corriqueiro pelo poder. Trata-se, inicialmente, de um estimulado tira-teima entre PT e PSDB, partidos que governaram o país, alternadamente, nos últimos 16 anos. E ainda traz a dramaticidade de uma disputa acirrada, que poderá marcar o fim da linha para uma geração de líderes políticos. Entre os envolvidos, definitivamente, ninguém pensa na derrota. Mas será um resultado inevitável, à sombra do vencedor. O que restará para aquele que perdeu? Qual o impacto para o partido derrotado? Assim como a morte, a única certeza é o terrível gosto amargo de não ser o escolhido pela maioria dos brasileiros para ocupar o cargo-mor da nação.

A Rolling Stone Brasil conversou com alguns dos principais cientistas políticos brasileiros, de escolas diferentes, para tentar antecipar as respostas para tais questionamentos. E, diante do cenário atual, pode- se projetar um efeito devastador para o derrotado. Algo muito distante da análise otimista do "acúmulo de experiência para uma próxima oportunidade", geralmente utilizada como mecanismo de consolo.

Para José Serra (PSDB), sem dúvida, esta é sua última chance de ser presidente. Na eventualidade de uma derrota, ele será visto como um "político que teve chances de estar na cúpula, no vértice da hierarquia tucana", mas que não conseguiu aproveitar a oportunidade, por um motivo ou por outro. "Ele será marcado pela falha em seu objetivo maior. 'Aquele cara que tentou'", afirma Paulo Kramer, professor do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB). Pessoalmente, o custo da derrota seria elevado porque o ex-governador paulista ficaria de fora das disputas eleitorais, pelo menos, até as próximas eleições municipais. Na teoria, a situação seria a mesma de Lula, que também ficará sem mandato. Mas o efeito prático dessa realidade seria diverso no caso do petista.

Explica-se: "Se sua candidata [Dilma] vencer a eleição, tudo indica que Lula conservará uma posição chave no sistema político brasileiro, como um 'presidente sem mandato'. Essa situação poderia equivaler a um almejado terceiro mandato e a preparação para um quarto", diz Leôncio Martins Rodrigues, professor titular de ciência política da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unicamp). Mas a derrota nas urnas não significaria, necessariamente, o fim da capacidade de interferência política de Serra. Os políticos geralmente têm vida longa e, especialmente, aqueles que ascendem a posições importantes acumulam um cacife eleitoral elevado, o que possibilita a ressurreição depois de derrotas importantes. São, por exemplo, os casos de Jânio Quadros e, acredite, Paulo Maluf.

Nesse sentido, o cientista político Jairo Nicolau, diretor-executivo do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro da Universidade Candido Mendes (Iuperj - UCAM), explica que é impossível afirmar que a derrota presidencial poderia selar o "fim da linha" absoluto para qualquer candidato. "Vimos isso no caso de Maluf, que depois de tudo [perder a eleição de 1985] oi governar a cidade de São Paulo anos depois. E do prefeito Saturnino Braga, do Rio de Janeiro, que depois virou senador. Então, os políticos são dados como mortos, mas a vida segue e, aos poucos, a popularidade ai se reafirmando e as pessoas vão mudando a opinião que têm", diz. O sabor de "quase" na eventua derrota do candidato do PSDB teria ainda a marca de um político que já ocupou os principais cargos eletivos, como poucos em trajetórias históricas. A carreira eleitoral de José Serra é praticamente completa. Faltaria apenas a cereja do bolo. "Só não tem ainda, mesmo, a joia da coroa", brinca Nicolau.

Mas tamanha experiência, ironicamente, acaba se tornando um impeditivo para novas aventuras eleitorais, porque é justamente resultado de uma equação que envolve idade. E, nesse quesito, os 68 anos de Serra passam a contar de maneira desfavorável. "Ficaria difícil uma terceira tentativa. A política muda. Pelo perfil dele, pelo próprio espaço que ele ocupou no partido, acho que uma derrota significa o fim do sonho da presidência para Serra", afirma Nicolau. E conclui com uma saída: "Não que ele morra politicamente. Poderia continuar operando dentro da legenda". Marco Antônio Teixeira, professor de ciência política da Fundação Getúlio Vargas (FGV), concorda com a opinião e diz que José Serra poderia se manter pelo "prestígio". Teixeira acredita que, na derrota, o candidato tucano continuaria como um político de projeção nacional, "uma pessoa com reconhecimento político em todo o país". Porém, o resultado negativo atrapalharia bastante os planos institucionais de crescimento do PSDB e, consequentemente, a força do político paulista diminuiria dentro da estrutura partidária. "Perderia a capacidade de liderar o partido como ele vem fazendo hoje", conclui Teixeira.

Um exemplo é o caso de Leonel Brizola (PDT), que passou a ocupar uma posição secundária após ser derrotado em uma eleição decisiva para presidente, segundo Paulo Kramer. Depois de quase chegar lá, em 1989, Brizola ainda se elegeu para o governo do Rio de Janeiro, mas a derrota anterior, nas eleições diretas, pôs fim a sua carreira como líder nacional, quando ele não conseguiu passar ao segundo turno. "Brizola baixou a bola. A derrota selou a carreira nacional dele", diz Kramer.

Como mera especulação, uma sobrevida eleitoral poderia ser garantida para Serra com o retorno às urnas na eleição municipal, em São Paulo. Mas ainda é cedo para considerar a entrada dele em uma nova disputa pela prefeitura paulista, daqui a dois anos. Dependeria da conjuntura, da disposição do eleitorado, dos opositores e de vários outros fatores imprevisíveis, segundo Jairo Nicolau. "Acho improvável. Alckmin voltou a tentar a prefeitura após a derrota presidencial, mas não acho que seja essa a vocação de Serra", aponta.

Marco Teixeira reforça a ideia de que seria difícil Serra disputar novas eleições. "Do ponto de vista do processo eleitoral, do ponto de vista de cargo de projeção nacional ou da disputa à prefeitura de São Paulo, não vejo horizonte, embora não esteja dizendo que não vai acontecer", diz. "É meio como o fim da carreira eleitoral de Serra. Será que ele poderia voltar ao Legislativo daqui a quatro anos?", questiona. E observa a possibilidade de Serra aproveitar sua projeção nacional trabalhando no partido, visando até mesmo minimizar o impacto institucional. Uma eventual derrota poderá gerar reflexo na diminuição de representatividade do PSDB em outros cargos eletivos, como a diminuição no número de cadeiras na Câmara e no Senado, já que a eleição para o executivo é a única para a qual a maioria esmagadora do eleitorado migra.

Para tentar conter o baque interno, o destino de Serra estaria fadado a voltar as cargas para os seus aliados ganharem as eleições municipais e, assim, tentar se fortalecer novamente. Segundo Teixeira, "Serra pode até tentar se organizar para voltar ao Senado ou à Câmara Federal daqui a quatro anos".

O fato é que Serra encerra uma geração de líderes tucanos, que começou a ruir com a morte de André Franco Montoro, em 1999, e a de Mário Covas, em 2001, e com a aposentadoria eleitoral de Fernando Henrique Cardoso, lideranças que participaram da retomada da democracia. Este marco também traz a oportunidade de ascensão de novos grupos. Até porque uma vitória de Alckmin, em São Paulo, não representaria necessariamente uma vitória de Serra. Afinal, os dois fazem parte de grupos rivais no tucanato.

Na visão de Paulo Kramer, na dianteira desta nova geração aparece o nome do ex-governador de Minas Gerais. "A fila vai andar. E na nova fila quem já está em primeiro lugar é Aécio Neves", diz. "O mineiro surgiria hoje como a única liderança que de certa forma não traz sobre si o rótulo de candidato derrotado." O enfraquecimento do PSDB, sobretudo o paulista, no âmbito nacional, seria evidente, segundo ele. Mas a dimensão dessa eventual queda dependeria da existência de outros candidatos que possam despontar, dentro e fora de São Paulo. "Aí, obviamente, outros estados deveriam gerir lideranças novas e, provavelmente, outra opção seria o ex-prefeito de Curitiba, Beto Richa", explica.

Em qualquer situação, no entanto, aquele que conseguir uma base forte paulista estará em vantagem. Para Jairo Nicolau, que faz um contrapeso na projeção, o PSDB tem a sorte de já contar com o início de um novo ciclo de quadros. O partido, portanto, poderia, mesmo com a derrota, despontar ainda em São Paulo e Minas, e conseguir uma boa bancada parlamentar, o que daria base para que a sigla se ancorasse nesses estados nos próximos quatro anos e tentar voltar depois ao governo federal. "Hoje, provavelmente, o PSDB se sairia melhor do que na última eleição, mesmo com a derrota presidencial", avalia.

Embora seja uma estreante nas urnas, uma eventual derrota de Dilma Rousseff (PT) também deverá afastá-la de vez de uma segunda corrida presidencial. O motivo principal é óbvio: seu principal fiador, o presidente Lula, se tornará um concorrente direto na indicação de candidatura junto ao quadro partidário petista. E, nesse caso, as prévias são impensáveis, baseadas na conjuntura atual. Ao mesmo tempo, ainda que sem a presença de Lula como candidato no futuro, dificilmente ela conseguiria manter tantos apoios, inclusive, internamente no PT. Na verdade, o apoio de Dilma é Lula. E mesmo como a indicação do presidente houve forte resistência a seu nome de início. O que a inviabilizaria no futuro. "Como ela não foi uma escolha do partido e, sim, de Lula, acredito que 'as luzes da Ribalta', digamos assim, iriam se apagar muito rapidamente para a carreira eleitoral da ex-ministra", analisa Paulo Kramer, da UnB.

Mas o impacto pessoal de sua derrota seria bem diferente que o de Serra, segundo a opinião unânime entre os cientistas políticos. "Seria apenas a interrupção de um novo projeto de vida pelo começo", observa o professor da FGV, Marco Antonio Teixeira. E ele lembra que Dilma jamais havia externado a ambição de concorrer a cargos eletivos. Pautou sua carreira em postos executivos e de assessoria. Foi alçada à própria candidatura atual, logo pelo topo da disputa, a Presidência da República. "Dilma não é uma pessoa com uma carreira política clássica. A candidatura dela é uma escolha do presidente para esta disputa. É a escolhida para a tarefa. Se ela falhar, perderá também a grande chance da vida", complementa Jairo Nicolau, do Iuperj, dando um sentido de oportunidade única. Minimizando ainda o impacto para Dilma, Leôncio Martins Rodrigues, da USP e Unicamp, acredita que a derrota não significaria do ponto de vista pessoal "algo grave" e que o caráter técnico da ex-ministra, distante da carreira eleitoral, seria um facilitador para que ela consiga se recolocar. "Se perder, ficaria desempregada por certo tempo, mas não muito. A classe política de todas as tendências tem muita solidariedade interna. Não abandonam os 'companheiros' derrotados", alfineta.

Outro ponto em comum nas opiniões dos cientistas é a falta de crença na continuidade da carreira eleitoral de Dilma, mesmo que para posições menores. "Se o Serra ganhar, Dilma vai para o espaço. Terá carreira eleitoral e uma nota só", diz, incisivamente, Kramer. "Não vejo que a pretensão da vida dela seja se tornar uma política profissional, concorrendo a um cargo e tal", afirma Nicolau. "Se fosse disputar em algum estado, qual seria? Ela não tem uma ligação eleitoral com uma região. Além disso, assim como Serra, já não tem mais idade [Dilma tem 62 anos] para pensar em iniciar uma carreira nesse sentido." O nico a destoar entre as opiniões é Teixeira, que acredita na "contaminação pela picada do bichinho eleitoral". E afirma que o caminho deverá ser pela base, como candidata a prefeita, seja de Porto Alegre, onde fez carreira política, seja de Belo Horizonte, sua cidade de origem. "O único que tentou uma única vez e nunca mais voltou foi Antonio Ermírio de Moraes. Mas ele tinha com o que se ocupar...", cutuca o cientista.

Quando o assunto é o efeito da derrota para o PT, institucionalmente, a análise ganha dramaticidade. "Por incrível que pareça, vai significar um golpe mais forte do que para o PSDB. O PT, aos poucos, se tornou um partido lulista. O que será dele depois? Um partido de algum programa ou meramente nostálgico?", indaga Nicolau.Entre os analistas, a possibilidade da circunstância negativa é apontada como uma "tragédia" para o partido, em mais de uma ocasião. E isso se deve por dois fatores principais. Primeiro, a perda de milhares de cargos comissionados existentes no governo federal, que, de certa forma, mantém a estrutura partidária em atividade. Trata-se do fenômeno a que Nicolau chama de "patronagem", ou seja, o enorme aparelhamento do Estado, que transformou milhares de militantes em dependentes dos "salários de confiança". Os ex-sindicalistas são apontados como os mais prejudicados, na visão de Leôncio Martins e de Paulo Kramer. E este último é extremamente crítico na análise: "A 'companheirada' está encostada em milhares e milhares de cargos. Durante o governo, os sindicalistas deixaram as instituições para assumir cargos públicos com salários quatro, cinco ou seis vezes mais altos, se bobear. Imagine perder essa boquinha e ainda não poder voltar para a base sindical. A fila já andou lá e nem mais o salário de 'joca' ele vai conseguir", diz Kramer, prevendo uma crise interna.

O segundo elemento para a composição da "tragédia petista" está na aposta forte (e de risco) na eleição de Dilma. O PT abriu mão de lançar importantes candidaturas estaduais próprias, como no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, inclusive enfrentando resistências das bases eleitorais locais. Além disso, fechou alianças contraditórias com sua essência, como é o caso do Maranhão, com Roseana Sarney. Tudo em nome de angariar apoios. "São fichas muito caras que estão sendo jogadas e que podem ser cobradas lá na frente. O partido está apostando tudo na eleição nacional e tendo de administrar divisões internas", explica Teixeira. A consequência vem em uma frustração ao plano: o enfraquecimento regional significativo e a diminuição do poder da ala governista no PT, especialmente a parte paulista do partido que coordena todo esse projeto.

Pela interferência personalíssima de Lula no processo de candidatura, uma queda de Dilma também deverá afetar o presidente. Mas, certamente, não será o suficiente para fazer ruir sua popularidade recorde. Nesse aspecto, "significaria apenas que o prestígio não se transfere", de acordo com Leôncio. A projeção dos efeitos da derrota, para Lula, portanto, leva a crer apenas em seu enfraquecimento "interna corporis", ou seja, que sofrerá as críticas dos que de certa forma gritaram contra o caminho traçado no Planalto. Ele terá de passar a ouvi-los. "Se vier a ocorrer, Lula não terá mais a capacidade absoluta de impor seus ditames políticos para o próprio partido", na explicação de Teixeira. E mais. Em um segundo momento, poderá até ser positivo para Lula, segundo Kramer. "Ele será imediatamente sagrado pelas circunstâncias como o maior líder da oposição. E, para voltar ao poder, contará com o apoio e a solidariedade de todos aqueles que em certa altura tenham perdido a boquinha."

O resultado das eleições de 2010, após oito anos de governo tucano seguidos de mais oito de administração petista, dependerá do amadurecimento de PSDB e PT, os dois maiores partidos em termos de projeção nacional. É certo que as condições encontradas pelos dois governos nos períodos subseqüentes foram significativamente diferentes. Mas, ao olhar severo de quem não vivencia a política e apenas tem a percepção final dos benefícios proporcionados, pouco importa o contexto encarado por cada administração. O que vale é o que se vê. Portanto, "agora é a hora da verdade", diz Nicolau. "Podemos contrastar duas experiências que duraram o mesmo tempo. Embora quem venha em segundo lugar sempre se beneficie dos erros e, sobretudo, dos acertos antecessores, é difícil calcular ou fazer uma comparação justa dos governos que se sucedem. Mas a comparação dos dois ciclos é inevitável", completa.

Passada a Copa do Mundo, o cientista político recorre à metáfora futebolística para continuar no tema. E justifica que cada lado, até agora, ganhou dois campeonatos, sendo que o tri daria supremacia ao campeão. Logo, a quinta eleição envolvendo PT e PSDB torna-se a famosa "neguinha" entre as duas seleções políticas mais fortes, deixando todos os demais partidos com o rótulo de "fregueses". Segundo Nicolau, "temos 27 partidos, mas apenas dois levaram a Presidência. Na Copa do Mundo, em que você tem 32 seleções, quase todos os títulos ficaram nas mãos de Brasil, Argentina, Alemanha e Itália".

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