Em entrevista à Rolling Stone Brasil, um dos maiores nomes da música brasileira fala sobre a produção de seus (ins)pirados shows e do CD e DVD O Pirulito da Ciência
Por Antônio do Amaral Rocha Publicado em 13/05/2010, às 14h03
Aos 73 anos, Tom Zé continua um moleque travesso e mais inventivo do que nunca. Em seus shows, uma verdadeira tour de force, ele deixa qualquer um cansado só de presenciar as traquinagens que pratica em cena. É o que mostra o DVD e a turnê que está fazendo para divulgar o mais recente trabalho, nomeado O Pirulito da Ciência (leia aqui a resenha do CD).
Se comparar o CD e o DVD O Pirulito da Ciência percebe-se que algumas músicas só estão no CD, como "Roquenrol Bim Bom" e "Cultura de Irará". O que se sabe é que, no DVD, cabe muito mais coisa, então o inverso seria o normal. Porque essas músicas ficaram de fora?
O Charles Gavin, que é o diretor artístico do trabalho, me falou depois da gravação que era bom que os dois produtos tivessem pequenas diferenças. Eu topei.
Então não foi por algum problema técnico?
Foi uma opção mesmo. Eu pensei até que houvesse esse consenso. Ele quis que houvesse uma pequena diferença, talvez para o caso de um colecionador cuidadoso querer ter as duas coisas.
Você dividiu o show de Pirulito em duas partes: a primeira não-cognitiva e a segunda cognitiva, o que ficou muito engraçado.
Foi brincando ali, dizendo que agora vocês podem ouvir sem estar preocupados com um leit motiv [motivo condutor, em alemão].
Nesse conceito de happening, de carnavalização, parece que o show está sendo montado ali no palco. Tem-se a impressão de que não houve um ensaio, se bem que em algum momento se nota que houve uma ralação anterior...
Ah, isso é verdade. O pessoal de música já comentou comigo que "essa banda sua é foda. O cara para toda hora, entra em outro pedaço, pede um trecho aqui, pede um trecho acolá e a banda está viva o tempo todo!". Eu costumo dizer aos meninos que quem toca placidamente, como se estivesse deleitando com o som que está fazendo, está desrespeitando o público. No meu caso, não sei trabalhar para o contemplativo. Quem tem uma grande voz, e nem precisa ter, mas trabalha para o contemplativo, pode sentar ali e passar duas horas fazendo canções. Um amigo escritor me dizia que um show de música é a coisa mais chata do mundo, e é por isso que eu não faço assim.
No show de lançamento do Estudando a Bossa, no Auditório Ibirapuera, você interrompeu uma música que já tinha começado dizendo que não era daquele jeito e começou de novo.
Quando uma peça está ensaiada - e houve duas ou três opções no ensaio - às vezes, um músico leva numa direção e o os outros não vão naquela, então, para que a plateia entenda o que nós estamos perseguindo nada melhor do que parar e começar de novo.
Como se dá sua aceitação internacional? Tem a ver com sucesso de público, ou sucesso de vendas de discos?
O meu primeiro CD, que saiu na coleção do David Byrne, chamado Classics Brazil Massive Hits [Volume 4: The Best of Tom Zé], esteve na parada da Billboard, mas meus discos não são para esse tipo de venda. Eu me lembro que algumas revistas norte-americanas diziam: "se você pensa que sabe alguma coisa de música brasileira, antes de dizer isso vá ver o Tom Zé", ou "se você quiser conhecer música brasileira, precisa ouvir o Tom Zé".
Eles se referiam ao CD ou ao show de palco?
Inicialmente ao CD, porque esse disco foi lançado em 1990, entrou na parada da Billboard e eu só fui atuar nos EUA pela primeira vez em 1992. Até tenho aqui uma matéria do New York Times comemorando esse show.
Como é a experiência de fazer leitura de livros com os leitores do seu blog?
Agora nós estamos lendo juntos Raízes do Brasil [escrito por Sérgio Buarque de Holanda]. Quando eu era jovem tinha dificuldade de me ver no círculo social, de ter namorada, e achei nos livros uma coisa fantástica, um canto, um sonho. Como acho o livro uma coisa encantadora, tento fazer com que as pessoas que estão perto de mim leiam um pouquinho, porque é um condimento necessário ao ser humano.
Você é um saci no palco, essa coisa lépida que vai pra lá e para cá...
No programa do Jô Soares eu tive que inventar uma ligeira encenação com aquele negócio da guerra na música "Fliperama", justamente a que fala no pirulito da ciência. Como o pedestal do microfone quebrou na minha mão, e eu tentei consertar durante a canção e não consegui, acabei usando o pedaço que sobrou para outra função. Ali tem aquilo que você chama de improviso, acabou acontecendo à mão cheia naquele momento.
A música "Neto" [sobre o antigo craque do Corinthians] é belíssima. Ele conhece a música?
Sim, na ocasião ele veio aqui em casa e trouxe uma camisa da seleção brasileira e uma camisa 10 do Corinthians. Aqui, com minha desorganização, com minha incapacidade de guardar, não sei onde eu coloquei, mas é uma coisa preciosa. Fizemos alguns trabalhos de televisão juntos, o pessoal da crônica esportiva sempre chamava a gente. Um artista daquele, que batia falta de longe como o Nelinho do Cruzeiro, de perto como o Zico, de meia distância como o Roberto Dinamite, escanteio como o Éder do Atlético Mineiro, driblava como o Rivelino, um jogador com tudo isso, numa época em que nós não tínhamos mais gênios, era uma maravilha. E ele não teve disciplina, não foi para a Copa por problema de disciplina, quero dizer, a disciplina que é pedida por esse esporte. O futebol é um esporte que pede um sacrifício terrível da pessoa.
Quem cria os seus figurinos?
A roupa sempre foi uma linguagem para mim e acho que ajuda [no show]. Quando a gente entra no palco, já estamos vestidos com a capa do disco. No começo, quem fazia era a Manuela Carvalho da Trama, depois ela fez aquele paletó fixado com velcro, além de outras roupas, como a do mendigo de Estudando o Pagode. Agora é a Laura Andreato quem tem feito. Como ela estudou dança, fez aquele figurino hollywoodiano que era uma dança que fiz em "Chamegar", cuja característica principal eram os casais se estapeando nas nádegas, delicadamente, claro. Eu me lembro que a Danuza Leão, irmã de Nara, escreveu outro dia na Folha de S. Paulo: "coitado dos jovens de hoje... Dançam sem se tocarem." Porque, realmente, você tocava a moça quando dançava! A valsa que iniciou tudo isso é a dança mais sensual do mundo, de fazer aquele reconhecimento do corpo feminino e vice-versa. Então fiz uma dança que tinha essa coisa dos casais fazerem volta e se estapearem nas nádegas. Foi a Laura que compôs essa parte cenográfica que está na capa do disco Jogos de Armar, que tem até as orientações da dança. Hoje em dia ela também faz o palco e me ajuda quando quero fazer alguma coisa de movimento corporal. Os figurinos de toda a banda também são dela.
No show do Estudando a Bossa [2008] tem aquela famosa desconstrução do violão. Você deveria saber o receio que aquilo provoca na sua plateia. A sensação é de que a música vai acabar e não vai dar tempo de remontar o violão que foi desmontado.
Eu sei, eu sei, imagino. Uma coisa visual daquela é como diz o Décio Pignatari sobre futebol: "o futebol é uma arte que todo mundo compreende em seu mais trigonométrico grau de probabilidade, porque o futebol é entendido pelas massas". Lá em Irará [município da Bahia], quando comecei a desmontar o violão, veio da plateia um som que não era aplauso, não era susto, era uma emoção, como quem diz: "meu deus, eu posso ver esse episódio artístico!". Foi uma coisa emocionante. No interior de São Paulo, quando comecei a treinar aquele número, a primeira cidade que fiz foi Mirassol, numa excursão do Sesc. Pois bem, na cidade do interior, bem interior, as pessoas aplaudiam, e nas grandes cidades não aplaudem, coisa engraçada isso, embora seja emocionante, como você disse.
E quando você monta, o violão continua afinado?
Não, esse violão na verdade nunca toca. Quem toca violão naquela hora é o Daniel Maia. Eu só simulo, aquelas cordas não são cordas, são elásticos [gargalha].
A ideia que se tem é que ele continua inteiro e funcionando.
Quando eu volto [para o palco] parece. Quando o Daniel viu as filmagens falou: "puta merda Tom Zé, parece que você está tocando!" É impressionante, repare, é como diz a Agatha Christie que, em Shakespeare, quando tem um acontecimento da vida real muito dramático aquilo precisa ser levado ao palco para adquirir dignidade. Por isso, o palco também é o lugar onde o público oferece seu coração à fantasia, e não fica dizendo "isso pode ser, isso não pode ser". E ainda sobre a carreira no estrangeiro eu queria dizer mais uma coisa. Eu não gosto de ir à Europa e aos EUA simplesmente para cantar. Não sou cantor! Eu só vou quando tenho alguma coisa nova de trabalho pra mostrar, uma coisa que o mundo ainda não praticou. Então, a coisa do desmonte do violão, do Estudando a Bossa, eu pretendo lançar, em doses, nos EUA. Vou fazer primeiro o show do Bossa, quando aparecer oportunidade, e agora, em Londres, eu vou ser obrigado a tocar alguma coisa do Bossa, vou acabar misturando as estações.
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