<b>Enigmático</b><br> Don Draper, interpretado por Jon Hamm, fará falta. - Frank Ockenfelsn 3/AMC

O Último gole

Na reta final de Mad Men, Don Draper é assombrado por todos os fantasmas que deixou pelo caminho

Rob Sheffield | Tradução: Ligia Fonseca Publicado em 16/04/2015, às 17h26 - Atualizado às 17h38

Matthew Weiner, criador de Mad Men, aprendeu muito nos anos que passou como “aprendiz” em Família Soprano. A série sobre Tony Soprano mudou o mundo televisivo de diversas maneiras – uma delas foi promover a percepção de que era possível atrair o espectador mesmo deixando pedaços da trama soltos e sem solução. Dessa maneira, nunca descobrimos o que aconteceu com o atirador russo escondido na floresta depois que ele comeu o sapato de Paulie Walnuts, personagem vivido pelo ator Tony Sirico. Com Mad Men, certamente não será diferente. Conforme a série se aproxima do fim – a última leva de episódios (sete, ao todo) estreou no dia 6 de abril, na HBO Brasil –, a cabeça de Don Draper se parece cada vez mais com um parque sombrio durante a noite, cheio de tipos perigosos que não sabemos ao certo se veremos novamente.

Então, ninguém pode prever como Mad Men terminará: tudo o que antevemos é que não será o suficiente. A série deu aos fãs sete temporadas de sedução, sofrimento, uísque e canções de Frank Sinatra – foi mais do que qualquer final possa resolver, e independentemente do que acontecer ficaremos sedentos por mais. É assim que tem de ser. Épicos não devem ter finais satisfatórios. É isso o que os torna épicos – a Ilíada termina com a Guerra de Troia ainda a todo vapor, a Eneida acaba antes que Eneias encontre Roma e é certo que Mad Men chegará ao fim antes que Don Draper encontre a felicidade.

Na primeira parte desta temporada, Don conseguiu chegar ao limite dos anos 1960, o pouso do homem na Lua, em 1969. Depois de ter que se humilhar para conseguir recuperar o emprego na agência Sterling Cooper, ele teve de se rebaixar ainda mais para voltar a ser uma força no mundo publicitário. A temporada acabou com uma sequência etérea fantástica em que seu recém-falecido mentor, Bert Cooper, canta para ele o standard “The Best Things in Life Are Free” [“As Melhores Coisas da Vida São de Graça”]. Mas, mais importante do que isso, Don conseguiu dizer a Peggy as únicas quatro palavras que realmente o satisfazem: “De volta ao trabalho”. Para Don, trabalhar tem a mesma função que o álcool tem para Homer Simpson: a causa e a solução de todos os problemas da vida.

Don passou a década de 1960 deixando um rastro de desastres emocionais, e não ajuda o fato de que tantas das pessoas que ele usou e descartou estejam mortas. Normalmente, são aqueles que já morreram os que mais perturbam o personagem, aparecendo em suas alucinações repletas de culpa.

Parte da magia de Mad Men é a maneira como os personagens esvanecem durante anos, às vezes, e voltam à história quando menos se espera. Lembra do irmão epiléptico da professora, aquele a quem Don disse para ligar se precisasse de ajuda? Ainda está por aí. Lembra como a doutora Faye casualmente mencionou o pai mafioso? O bebê de Pete e Peggy? A filha hippie de Roger? A filosofia de Don sempre foi seguir em frente como se o passado nunca tivesse acontecido (como ele disse a Peggy: “Você ficará chocada com o quanto isso tudo nunca aconteceu”). No entanto, a esta altura, até ele já percebeu que essa é uma fantasia que não consegue mais vender, nem para ele mesmo. Como viveremos sem esse homem? Ou sem o resto dessas almas gloriosas e problemáticas? Nenhum outro programa dramático ofereceu tantos personagens com quem passamos uma hora inteira sentindo um prazer quase narcótico – mesmo quando essas pessoas estão mostrando seu lado mais moralmente depravado. Como sobreviveremos sem Roger e suas provocações, sem o desdém de Joan, sem os desabafos de Peggy, sem os chiliques de Pete? Mad Men é cheio de delícias tóxicas das quais sentiremos uma amarga falta. Dizer “adeus” será uma experiência agonizante de proporções históricas.

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