Os bastidores da passagem do Deftones pelo Brasil
Pablo Miyazawa Publicado em 01/03/2007, às 00h00 - Atualizado em 20/02/2013, às 14h58
O clima é de formalidade e pressa no camarim semi-vazio, mas a principal atração da noite já se encontra ali. São 18h do segundo sábado de fevereiro e faltam menos de quatro horas para a única apresentação do quinteto californiano Deftones em solo brasileiro.
Assim como em sua primeira visita ao Brasil, há seis anos, o grupo, um dos principais nomes a receber o esquecido rótulo "nu metal", passou pelo país praticamente despercebido. Da hora do desembarque no Aeroporto Internacional de Guarulhos ao embarque para Buenos Aires - o palco do show seguinte -, se foram exatas 24 horas. "É uma pena, eu queria ficar mais tempo", lamenta o vocalista Chino Moreno, após me cumprimentar com um meneio de cabeça. Suas mãos estão ocupadas, e ele parece mais interessado na preparação de um baseado sobre a mesa de centro do que na entrevista que viria a seguir. Surgido da sala ao lado, o guitarrista Stephen Carpenter está maravilhado com o sabor da melancia brasileira. "A melhor maconha do mundo com certeza é a californiana. Mas a melhor melancia é esta aqui". Digo que ele precisa provar o açaí, que descrevo como "uma espécie de sorvete bizarro das profundezas da Amazônia". "É melhor você anotar esse nome para mim, não vou decorar nem fodendo".
Chino começa explicando que o nome do quinto disco do grupo, Saturday Night Wrist, surgiu de uma piada interna: "Um amigo meu apareceu em casa usando uma tipóia e contou que havia dormido bêbado em cima do braço. O médico lhe falou que aquilo era um 'saturday night wrist' [literalmente, "punho de sábado à noite"]. Achei engraçado e guardei a idéia". O hiato de três anos em relação ao disco anterior (Deftones, de 2003) foi gerado principalmente pela dificuldade de Chino em escrever letras e compor novas melodias. "Escrever agora é bem mais simples, mas já tive muita dificuldade. Às vezes vem fácil, às vezes não, entende? Desta vez aconteceu de demorar muito", explica, pouco à vontade, sem mencionar os problemas pessoais (brigas internas que quase levaram ao fim da banda, a separação da mulher) que, deliberadamente, não se tornaram os temas centrais de Saturday. "As letras estão mais metafóricas mesmo. Acho que minhas experiências de vida acabam aparecendo de uma forma ou outra, mas o desafio é tornar isso pouco reconhecível, ou não muito óbvio", filosofa, após uma longa tragada. "Acho que sempre passamos por diversas fases e sentimentos durante nossas vidas. Como este disco foi gravado durante um longo período, houve muita coisa rolando. E isso, de alguma forma, fica documentado na música. Não fizemos isso propositalmente, mas é natural que saia desse jeito. É saudável e faz bem."
Carpenter aproveita a deixa para alfinetar o parceiro de longa data: "Se você ouvir as letras de Chino em todos os discos, há um único tema subliminar: ele está de saco cheio, só reclama sobre como está entediado em todas as músicas." Largado no sofá, o cantor parece enfastiado, mas conforme vim a saber depois, é este seu estado normal de bom humor. "Hoje até que eles estão bem, mas nem sempre é assim", me confidenciou um roadie após a entrevista.
E o que Chino faz quando está aborrecido? Fuma maconha, joga games, toca guitarra? "É isso mesmo. São simplesmente as três melhores coisas do mundo", diz, se esforçando para parecer sério. Sentado ao meu lado e quieto desde o início, o baixista Chi Cheng não acredita: "Você está se esquecendo apenas da coisa mais importante: sexo!", diz, às gargalhadas. Chino sorri, envolto na fumaça espessa.
Compartilho com a banda a teoria de que o rótulo "nu metal" de cinco anos atrás foi substituído pelo "emo", e que bandas como My Chemical Romance e Panic! At the Disco ocupam hoje o mesmo espaço que Deftones, Korn e Limp Bizkit possuiam na mídia. "Com certeza elas tomaram o lugar. Acho que o rótulo 'nu metal' é uma bobagem da mesma forma que o 'emo'. Todas essas bandas que você citou soam diferentes umas das outras. Elas são colocadas juntas no mesmo gênero, e tenho certeza que elas não gostam de ser comparadas entre si", dispara Chino. "É a mesma coisa que sentimos quando o 'nu metal' surgiu, porque nos achávamos muito diferentes de bandas como Korn, Limp Bizkit."
Carpenter interrompe: "Quer saber? Pra mim, essas bandas emo soam todas iguais. É tudo a mesma coisa". Chino parece indignado, e direciono meu gravador para o outro lado do sofá: "Tá louco? Panic! At the Disco é muito diferente de My Chemical Romance! No visual e no estilo elas podem ser parecidas, mas no som não tem nada a ver". Carpenter: "São bandas diferentes, mas soam como se pudessem ser a mesma. Misture os integrantes de cada banda e coloque-os para tocar e você nem nota a diferença. Eu até acho que são bons grupos, mas quando eu os vejo e os escuto, não sei qual é qual". Chino: "Você não sabe o que está falando!" Já havia perdido o fio da meada quando ouço Cheng cochichar em meu ouvido: "Você está tendo uma boa noção de como são as conversas entre a nossa banda hoje em dia".
Um tema mais ameno, para variar? E a discussão sobre o download de músicas pela internet, vocês são contra ou a favor? Chino traga e dispara: "Eu não sei se há discussão... É algo que está acontecendo agora. Eu baixo as músicas que eu gosto. Se eu escuto algum hip-hop no rádio, eu não vou comprar o disco todo, porque a maioria dos discos de hip-hop é ruim. É mais ou menos o que todo mundo faz". E assoprando, apresenta a solução para o maior problema da indústria fonográfica na atualidade: "As pessoas se sentem enganadas, porque compram um disco e só encontram uma música boa, o resto é uma porcaria. É por isso que muita gente prefere baixar a única faixa que vale a pena a comprar o disco na loja. Nós tentamos fazer o melhor álbum possível, para dar o maior número de razões para as pessoas comprarem ao invés de fazer o download". Pela primeira vez naquela noite, Carpenter parece concordar: "Se tem algo que você quer ter, é irrelevante se você decide comprar ou não. Se há a chance de se baixar algo porque está disponível, você provavelmente fará o download. Ninguém quer gastar dinheiro à toa. Se dá para pegar algo de graça, por que pagar?"
De olho no relógio, questiono sobre outras bandas que imagino que provavelmente interessem ao Deftones. O que acham de um possível projeto entre os irmãos Max e Iggor Cavalera? "Eu soube que eles tocaram juntos recentemente, e acho ótimo se eles voltarem em definitivo. São dois dos caras mais poderosos do heavy metal." E o novo disco do Metallica? "Não tenho muitas expectativas. Parei de ouvir o Metallica há um bom tempo, o último disco que eu gostei foi o ...And Justice for All." E o retorno do Rage Against the Machine, que tal lhe parece? "É meio esquisito, porque me parece que eles vão voltar não porque estão a fim de fazer música, mas por causa do dinheiro. Muitos fazem por amor à música, sem ganhar dinheiro nenhum. Somos um bom exemplo disso, nós nem fazemos grana vendendo disco. Espero que eles estejam voltando pela razão certa. Não estou dizendo que eles não estejam, mas para mim, soa meio esquisito...". Chino parece impaciente.
Finalizo com as lembranças da participação da banda no Rock in Rio III, em janeiro de 2001. "Deve ter sido o nosso maior show", ele sorri. "Voamos de helicóptero por cima da platéia e vimos quantas pessoas cabiam naquele lugar. Saber que todas elas ouviam o som que saia dos nossos instrumentos foi algo incrível."
Fim da entrevista e da sessão de fotos, muitas despedidas amigáveis e camaradagens. Quatro horas depois, já no palco, um Deftones conciso faz um apanhado geral da carreira de dez anos, com ênfase nos repertórios dos discos Around the Fur (1997) e White Pony (2000), passando rapidamente (quatro faixas apenas) por Saturday Night Wrist. O público majoritariamente jovem (e com um surpreendente contingente feminino) faz coro afinado durante quase todo o set list. Chino Moreno nada traz da apatia que mostrou durante nosso encontro e interage o quanto pode, mas pouco fala. Reclama da baixa temperatura do ar condicionado do palco, uma contradição em relação ao calor insuportável das primeiras fileiras. Concentrados, Chi Cheng, Stephen Carpenter, o baterista Abe Cunningham e o tecladista Frank Delgado parecem alheios ao mosh ensandecido que acontece alguns metros à frente. Uma hora e meia depois, tudo acaba, sem microfonia, com as luzes bem acesas.
A movimentação agora é intensa e caótica naquele mesmo camarim, onde cerca de 50 pessoas - equipe, amigos e convidados - circulam pela sala de dois ambientes para uma improvisada celebração pós-show. Derrick Green e Paulo Jr., vocalista e baixista do Sepultura, são recebidos com festa por Chi Cheng, enquanto Abe Cunningham desfila de toalha e cabelos molhados. Stephen Carpenter só pensa em devorar os sanduíches de metro largados sobre uma mesa de canto. Aproveito para perguntar sobre os instrumentos que usou no show. "Só usei guitarras de sete cordas", diz, mastigando. "Uma vez com sete, é impossível voltar. Doei todas as minhas de seis cordas." Enquanto lamento intimamente não ter conhecido o guitarrista antes deste arroubo filantrópico, comento sobre a presença de tantos adolescentes na platéia, e se o público do Deftones sempre foi tão jovem. "É incrível, mas a faixa etária tem baixado a cada ano. Mais e mais adolescentes aparecem. Já vi pais com crianças de colo em nossos shows". Após outro sanduíche, a fome de Carpenter parece ter cessado. Mas não é cansativo passar rápido por uma cidade e fazer shows dia após dia? "Claro que é, mas eu não tenho do que reclamar. É o que gostamos de fazer. Eu poderia fazer qualquer outra coisa, mas é a vida que escolhi", diz, observando de longe um animado papo entre Cheng e Derrick. A alguns metros do mesmo sofá, Badauí, líder do CPM 22, arrisca manobras radicais com um skate emprestado de um roadie.
Os ruídos que vêm da sala ao lado parecem mais festivos. Totalmente na penumbra, e com uma única fonte de luz vinda da TV, ligada em um programa de leilão de tapetes. Ninguém parece prestar atenção às imagens. Chino está de pé, posicionado no local exato da entrevista de horas antes. De olhos fechados em uma espécie transe, ele parece decifrar as melodias das músicas do The Mars Volta despejadas pelo alto-falante de seu laptop - tudo em formato mp3. "Puta banda", diz a um já entorpecido Frank Delgado, que concorda e canta junto. Solícito, Chino não se importa em ser interrompido para tirar mais fotos para esta reportagem.
O trabalho dos roadies funciona alheio à celebração, e em trinta minutos, bagagem e equipamentos já foram desmontados e levados. Banda, manager e roadies postam-se em um círculo indígena e executam uma última reunião de cúpula na ante-sala do backstage. O aviso do fim é silencioso. Os convidados esvaziam o camarim em minutos, abandonando restos de comida, latas de cerveja vazias e pontas de baseado nos cinzeiros. O aspecto é desolador, mas os três faxineiros a cargo da limpeza nada comentam. Deve ser costume.
Acompanho Chino Moreno em seu caminho solitário até o estacionamento. Cansado e com o olhar perdido, ele agradece elogios com o sorriso mais simpático do dia. "Que bom que você curtiu o show." Já passa das duas e meia da manhã e, em teoria, o grupo teria apenas algumas horas de sono antes de retornar ao aeroporto. Mas nada indicava que a comitiva seguiria direto para o hotel: muito provavelmente, os embalos de sábado do Deftones continuaram noite adentro.
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