Como um programador idealista e um jornalista destemido desvendaram o sinistro esquema de espionagem do governo norte-americano
Janet Reitman | Tradução: J.M. Trevisan Publicado em 21/02/2014, às 18h59 - Atualizado às 19h01
Na manhã de 1º de dezembro de 2012, Glenn Greenwald abriu o laptop, checou os e-mails e tomou uma decisão que quase lhe custou a maior reportagem de sua vida. Colunista e blogueiro com um séquito dedicado, Greenwald recebe centenas de mensagens por dia, a maior parte vinda de leitores que alegam ter “algo incrível” em mãos. Ocasionalmente, as alegações parecem confiáveis; na maior parte do tempo, são furadas e exigem um exame minucioso. A análise leva tempo, algo que ele tem muito pouco disponível. Naquele dia, Greenwald recebeu um e-mail de alguém pedindo pela criptografia de chave pública dele, ou PGP, para que pudesse lhe mandar uma mensagem com segurança. Greenwald não tinha, algo que hoje ele admite ser um pecado imperdoável para alguém que escreve sobre problemas de segurança nacional, e provavelmente já estava na mira do governo há algum tempo, graças ao apoio que deu a Bradley Manning e ao WikiLeaks. “Eu nem sabia o que era PGP”, ele admite. “Não tinha ideia de como instalar ou usar.” E Greenwald, que trabalhava em um livro sobre como a mídia controla o discurso político, enquanto também escrevia uma coluna para o The Guardian, tinha coisas mais urgentes a fazer naquele dia.
Por isso ele ignorou o recado. Pouco depois, a fonte mandou para Greenwald um passo a passo sobre criptografia. Depois, enviou um vídeo que “me conduziu através do processo como se eu fosse um idiota”, diz. Greenwald não tinha ideia de quem era a fonte nem de qual era o assunto. “A menos que ele me dissesse algo motivador, eu não correria atrás. E da parte dele, a menos que eu conseguisse uma PGP, ele não me diria nada.”
A dança seguiu por um mês. Enfim, depois de tentar e falhar em conseguir a atenção de Greenwald, a fonte desistiu. Levaria cerca de cinco meses até que Greenwald ouvisse sobre aquela pessoa de novo, através de uma amiga, a documentarista Laura Poitras, a quem a fonte havia contatado, sugerindo que ela e Greenwald formassem uma parceria. Em junho, os três se encontraram pessoalmente em Hong Kong, onde Edward Snowden, a tal fonte misteriosa, entregaria milhares de documentos ultrassecretos que expunham as próprias fundações da arquitetura da segurança norte-americana. Foi o “mais sério vazamento de informações secretas da história da inteligência do governo dos Estados Unidos”, como disse o ex-diretor representativo da CIA, Michael Morell, expondo o aparentemente ilimitado alcance da Agência de Segurança Nacional (NSA), e incitando um debate global sobre o uso de vigilância – ostensivamente na luta contra o terrorismo – versus o direito individual à privacidade.
A descoberta foi um triunfo do tipo de jornalismo único exercido por Greenwald. Combativo, ele “vive para irritar as pessoas”, como diz um colega. E nos últimos oito anos tem feito um belo trabalho nesse sentido: atacando os presidentes Bush e Obama, o Congresso, os Democratas, os Republicanos, a “instituição liberal” e a grande mídia, que acusa de se alinhar confortavelmente com o poder. “Anseio pelo ódio dessas pessoas”, ele diz. “Se você não provoca essa reação, é porque não está desafiando ninguém, o que significa que não está acrescentando nada.” Esta perspectiva rendeu a Greenwald um apoio tremendo entre leitores jovens e idealistas, famintos por uma voz sem rabo preso. “Há poucos jornalistas tão apaixonados pela divulgação de verdades incômodas quanto ele”, Snowden me diz por e-mail. “Glenn diz a verdade não importa o preço, e isso faz diferença.”
O mesmo pode ser dito sobre Snowden, que a partir do momento em que se revelou a fonte dos vazamentos, deixou embasbacados os críticos da mídia que tentaram em vão entendê-lo. Greenwald, entretanto, o compreendeu na hora. “Ele não tinha prestígio, foi criado em uma família de classe média baixa, totalmente normal”, conta Greenwald. “Não tinha sequer diploma escolar. Mas iria mudar o mundo – e eu sabia disso.” E o jornalista sabia que também faria parte dessa mudança. “Em muitos sentidos, minha vida foi uma preparação para este momento.”
Vivendo no Brasil desde 2005, Greenwald mora a dez minutos da praia no Rio de Janeiro, em uma casa arejada com quatro quartos, cuja parte de trás dá para uma floresta. Há macacos, pássaros e uma pequena queda-d’água, e, com mobílias esparsas, o lugar tem o clima de uma casa na árvore. Também tem um cheiro particular de cachorro – ele tem dez, resgatados pelo parceiro dele, o carioca David Miranda. Os cães servem de pano de fundo sempre presente para a vida doméstica do casal, seguindo os donos a cada cômodo, e às vezes explodindo em latidos empolgados sem razão (ou talvez estejam apenas comemorando o fato de viverem em um paraíso).
Ao contrário do que possa parecer por sua personalidade confrontadora, Greenwald, 46 anos, é muito gentil pessoalmente, desculpando-se pelo carro, um Kia vermelho meio judiado, cheirando a cachorro, com as roupas de tênis jogadas no banco de trás e um case de CD cor de rosa no painel, que ele faz questão de explicar rapidamente que pertence a Miranda, 28. “Ainda ouço as coisas de que gostava na escola – Elton John, Queen”, diz ele, dando de ombros, e imediatamente refletindo sobre se é estranho o fato de “música nunca ter significado muito para mim”.
Já a política, por outro lado, teve uma influência forte desde cedo. Ele nasceu no Queens (Nova York) e se estabeleceu com a família no sul da Flórida, no padronizado condomínio de Lauderdale Lakes. Mais velho de dois irmãos, Glenn foi criado em uma casa na parte barata da cidade, onde a mãe dele, “uma dona de casa típica dos anos 1960-1970 que casou jovem e nunca fez faculdade”, criou os filhos trabalhando como caixa do McDonald’s, entre outros empregos. O grande exemplo para ele na infância foi o avô por parte de pai, Louis “L.L.” Greenwald, um político local, e “meio que o tipo do socialista judeu padrão dos anos 30”, que lutava pelos pobres contra os “chefões de condomínio” que controlavam a cidade. “A coisa mais importante que ele me ensinou foi que o meio mais nobre de usar habilidades, intelecto e energia é defendendo os marginalizados contra os poderosos – e que a animosidade vinda dos poderosos é como uma grande honraria.” Um conselho muito útil para um adolescente gay crescendo no início dos anos 80, durante o advento da Aids, quando “ser gay era considerado uma doença, e por isso você sentia toda a carga de condenação, alienação e denúncia”.
Claro, cada adolescente gay lida com a própria sexualidade de jeitos diferentes. “Decidi declarar guerra contra esse sistema e a instituição autoritária que havia me rejeitado e condenado”, diz Greenwald. “Foi tipo: ‘Vão se foder. Em vez de aceitar o julgamento de vocês, eu vou julgá-los, porque sequer aceito a ideia de que vocês estejam em uma posição que lhes dê o direito de me julgar por qualquer coisa’.”
A partir daí, começou a luta de uma vida contra as estruturas autoritárias, começando com os professores dele, com quem se engajou em batalhas épicas contra “regras injustas”. Entrou na Universidade George Washington em 1985, e passou tanto tempo debatendo que levou cinco anos para se formar. Depois de atingir notas quase perfeitas nos exames de admissão, ingressou na NYU School of Law. Já formado, aceitou uma vaga no departamento de litígio da Wachtell, Lipton, Rosen & Katz, “o escritório de advocacia mais duro da América”. No primeiro ano como advogado, os ganhos de Greenwald ultrapassaram a faixa de US$ 200 mil – mais dinheiro do que havia conseguido na vida inteira. Mas achou o mundo do direito corporativo “chato e esgotante”. No começo de 1996, aos 28, decidiu que preferia subverter os poderosos a defender os interesses deles na corte, saiu da empresa e abriu escritório próprio. Sempre subestimado por firmas maiores, conseguiu sucesso em cada caso aceito, em uma prática focada fundamentalmente na lei constitucional e nos casos de direitos civis. Um dos feitos de que Greenwald tem mais orgulho como advogado foi quando passou cinco anos defendendo o direito de neonazistas à Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos. “Para mim, é um atributo heroico ser tão dedicado a um princípio que você se torna capaz de aplicá-lo mesmo quando não é fácil”, diz ele, “não só quando esse princípio apoia sua própria posição, não só quando protege as pessoas de quem você gosta, mas também quando defende e protege aqueles que você odeia.”
Em 2005, à procura de mudanças, Greenwald foi para o Rio. No segundo dia de férias, conheceu Miranda, um brasileiro de 19 anos que jogava vôlei de praia não muito longe de onde Greenwald havia estendido a toalha. Tornaram-se inseparáveis desde então. “Quando você é homem, gay, e vai para o Rio, a última coisa que procura é uma relação monogâmica”, conta Greenwald. “Mas, sabe como é, ninguém controla o amor.” Em um ano, decidiu se mudar para o Brasil, onde, impossibilitado de advogar, se arriscou em um blog de política, o Unclaimed Territory. Não demorou para Greenwald voltar toda atenção à revelação explosiva de que a NSA estava espionando norte -americanos em segredo, em um programa de “escuta sem mandado” autorizado pela administração Bush.
Outra pessoa incomodada com o tratamento que a mídia dava a esse tema era Edward Snowden, um jovem patriota que sonhava com uma vida de espião em países estrangeiros. Filho de funcionários públicos, Snowden era um garoto quieto, que parecia não causar nenhuma impressão duradoura em colegas ou professores. A internet era o verdadeiro universo dele. Postava regularmente no site Ars Technica, em que conversava via chat sobre videogames e aprimorava suas habilidades em computação. Embora brilhante, Snowden era um estudante indiferente que largou o ensino médio na metade. Depois disso, fez cursos técnicos, mas nunca se graduou formalmente. No fim da adolescência, passava os dias navegando por sites, praticando kung fu e jogando Tekken, enquanto decidia o que fazer da vida.
Assim como o soldado Bradley Manning, cujo caso viria a estudar mais tarde, Snowden tinha uma visão idealizada dos Estados Unidos e do papel do país no mundo. Ele também tinha uma noção típica de gamers sobre a própria habilidade de reverter situações desfavoráveis. Seguindo essa visão e profundamente afetado pelos atentados de 11 de setembro de 2001, Snowden se alistou no Exército em 2004, esperando ingressar nas Forças Especiais e lutar no Iraque. “Eu acreditava na nobreza de nossas intenções de livrar aquelas pessoas de outro país da opressão que sofriam”, diz. Mas as ilusões dele caíram rápido por terra, e depois de alguns meses no campo de treinamento das Forças Especiais no Fort Benning, ele quebrou as duas pernas e foi dispensado. De volta a Maryland, passou a trabalhar como segurança do Centro para o Estudo Avançado de Linguagem da Universidade de Maryland. Também se rematriculou no Anne Arundel Community College e aprimorou as habilidades em computação. Então, em 2006, conseguiu emprego como técnico de computação na CIA.
Snowden acabou se sentindo incomodado com muito do que viu na CIA. Ele viria a citar uma operação para recrutar um banqueiro suíço, que envolvia prender o homem acusando-o de dirigir bêbado. Também sofreu retaliação de um diretor sênior cuja autoridade ele havia questionado. O incidente surgiu por causa de uma falha encontrada por Snowden em alguns softwares da CIA, que ele apontou aos superiores dele. Em vez de louvar a iniciativa do rapaz, entretanto, um diretor, que não gostava desse tipo de comportamento, adicionou uma nota crítica ao arquivo pessoal dele, efetivamente acabando com qualquer chance de promoção de Snowden. No fim, deixou a agência em 2009, mas aprendeu a lição: “Tentar trabalhar dentro do sistema só vai garantir que você seja punido pelo que faz”.
Embora a NSA um dia tenha ocupado a vanguarda da criptografia e da escuta eletrônica, depois da queda da União Soviética esses campos tiveram uma diminuição substancial de verbas e careciam de uma missão mais clara. Os atentados de 11 de setembro mudaram essa equação em dois pontos: houve uma gigantesca expansão das capacidades de espionagem dos Estados Unidos, com a NSA atuando à margem da Constituição e passando a espionar cidadãos norte-americanos e estrangeiros, no país e fora dele. A outra mudança foi a rápida expansão da própria NSA. Até 2013, a agência ampliou seus quadros em um terço, chegando a 33 mil funcionários. O número de empresas privadas das quais a NSA depende chegou a triplicar neste período. Logo, graças à entrada de dinheiro e ao aumento da dependência do setor privado em tarefas mais delicadas, o coração da infraestrutura da inteligência norte-americana foi terceirizado. Snowden parecia o funcionário perfeito para a NSA, que incentivava o mesmo tipo de iniciativa na resolução de problemas da qual os chefões da CIA pareciam se ressentir.
Snowden começou a carreira na NSA no Japão, onde lhe foi dado o trabalho banal de supervisionar os upgrades dos sistemas de computadores da agência. Posteriormente se mudaria para o Havaí. Lá, trabalhou como administrador de sistemas e analista de infraestrutura. Embora não fosse um dos hackers de elite, tinha as chaves de redes altamente secretas, e provavelmente seria responsável por criar listas de alvos no caso de um futuro ciberconflito e por encontrar brechas em redes estrangeiras.
Antes de 2009, Snowden já havia considerado divulgar segredos governamentais, na época da CIA, mas se conteve, não querendo colocar em risco os agentes em campo, e esperando que Barack Obama reformasse o sistema. O otimismo dele não durou muito. “Fiquei observando enquanto Obama ampliava aquelas mesmas políticas que eu acreditava que seriam freadas”, declarou depois. Quanto mais Snowden conhecia os procedimentos da NSA – e quanto mais lia as “informações verdadeiras, incluindo um relatório de 2009 escrito pelo inspetor-geral detalhando o programa de vigilância sem mandado implantado na era Bush” – mais percebia que havia, na verdade, dois governos: o eleito, e outro regime secreto, agindo nas sombras. “Se os mais altos oficiais de um governo podem burlar a lei sem punição ou repercussão, é sinal de que esses poderes secretos tornaram-se tremendamente perigosos”, diz.
Até fevereiro de 2012, a agência já havia desfraldado sua visão estratégica em um documento de cinco páginas, declarando a intenção de adquirir informação “de todos”. Um programa em apoio a essa medida, o “Mapa do Tesouro”, era tão amplo que alegava possuir informações de “cada dispositivo, de qualquer lugar, em qualquer momento”. A agência se referia à época atual como “a era de ouro do SIGINT” (Signals Inteligence, a tática de coleta de informações através da interceptação de comunicações).
Snowden foi vago sobre o momento exato em que decidiu divulgar as informações, mas foi bem claro ao explicar o que o levou a agir: “Foi ver uma litania de mentiras contínua, que vinha de altos oficiais do Congresso – e portanto do povo norte-americano – e a percepção de que o Congresso... sustentava todas as mentiras”, explicou. Pelo que consta, Snowden começou a baixar documentos em abril, muitos deles pertencentes aos programas de escuta conduzidos pela NSA e seu equivalente britânico, o GCHQ. Onze meses mais tarde, pediu demissão e aceitou outro emprego, agora na empresa de consultoria Booz Allen, que diz ter escolhido a dedo por causa do grande acesso que teria à enxurrada de informações coletadas pelos Estados Unidos através de ciberespionagem. Passou três meses baixando parte de estimados 50 mil documentos. Ele só tinha de encontrar um modo de expor o que tinha em mãos.
Em maio, Snowden tirou uma licença do emprego no Havaí para retornar ao continente, mas, em vez disso, voou para Hong Kong e contatou Glenn Greenwald. Foi a primeira correspondência direta desde dezembro, quando Snowden, que havia desistido de persuadir o jornalista a aprender criptografia, apelou para a cineasta Laura Poitras, diretora do documentário indicado ao Oscar My Country, My Country (que examina as experiências dos iraquianos sob a ocupação norte-americana). Laura mostrou alguns e-mails a Greenwald, que percebeu a legitimidade do material logo de cara. Ele instalou o software para criptografar a conversa, e sob a tutela de Laura começou a falar com a fonte, que estava ansiosa para conhecê-lo pessoalmente. Snowden mandou cerca de duas dúzias de documentos para Greenwald, incluindo uma apresentação em PowerPoint revelando o programa Prism da NSA, no qual o governo, através de empresas como Google, Facebook e Apple, podia coletar grandes volumes de informações confidenciais de usuários, incluindo e-mails, históricos de chat e de pesquisas em sites.
Greenwald voou para Nova York, onde encontrou-se com Laura e com um terceiro jornalista, o correspondente do Guardian Ewen MacAskill, que havia sido designado como representante do jornal, e seguiu para Hong Kong. Greenwald tinha na cabeça uma imagem da pessoa que encontraria: “Um veterano de 60 anos, grisalho, prestes a ficar calvo e que havia se desiludido tanto que tinha decidido não suportar mais aquilo tudo”. Em vez disso, encontrou um rapaz que mal tinha barba, pálido e magro, vestindo jeans e camiseta branca que parecia não trocar há dias. Imediatamente, pensou que fosse um engano. “Sem chance que esse garoto teve acesso ao tipo de coisa que disse que tinha!” Ainda assim, os jornalistas, exaustos, seguiram com Snowden para o hotel dele, de onde ele havia saído apenas duas ou três vezes desde a chegada, com medo de ser rastreado.
Greenwald logo percebeu que Snowden era extremamente inteligente, e que a história dele, por mais improvável que parecesse, tinha coerência. Depois de seis horas de interrogatório, “tive plena confiança de que ele era quem dizia ser”. Ainda assim, muito do que Snowden dizia não fazia sentido. Tudo a respeito dele sugeria que se tratava de um rapaz feliz e estável. Snowden contou aos jornalistas o plano de divulgar o que tinha antes mesmo que eles chegassem a Hong Kong. A ideia de espalhar material ultrassecreto era contra todos os instintos possíveis, jornalísticos e humanos. Mas Snowden parecia já ter refletido sobre isso. Ele propositadamente deixou de tomar as precauções possíveis para encobrir o próprio rastro, explicou – teoricamente para proteger colegas que poderiam acabar envolvidos em uma investigação mais prolongada. No fim, Greenwald constatou, Snowden estava agindo de acordo com o mesmo código moral que o havia levado, aos 20 anos, a se alistar no Exército e lutar em uma guerra que acreditava existir para “libertar” os oprimidos. O que a NSA estava fazendo, disse Snowden, significava uma “ameaça à democracia existencial”, e ele sentiu que era o dever dele agir.
Greenwald passou duas semanas com Snowden, entrevistando-o pela manhã, se recolhendo para escrever e voltando mais tarde, prosseguindo em chats online. Tanto ele quanto Laura estavam “infectados” pelo idealismo e entusiasmo do jovem, bem como os editores deles no The Guardian, que publicou o primeiro artigo sobre os vazamentos em 5 de junho. O texto, detalhando uma ordem judicial secreta emitida em abril de 2013, que forçou a Verizon a entregar dados dos consumidores à NSA, foi seguido, em 6 de junho, por um artigo expondo o programa Prism, e então um terceiro, no dia 7, explicando como o GCHQ ganhou acesso ao Prism no intuito de coletar dados de empresas norte-americanas. Já no dia 8, publicaram um relato sobre uma ferramenta interna da NSA, a “Informante sem Fronteiras”, que gravava, analisava e rastreava as informações obtidas pela agência – sugerindo que James Clapper, diretor nacional de Inteligência, havia mentido para o Congresso quando insistiu que a NSA não havia conscientemente rastreado as comunicações de milhões de pessoas.
O maior medo de Snowden era divulgar o material e ninguém se importar, mas aconteceu bem o contrário. Em 7 de junho, Obama, forçado a admitir que a administração dele estava coletando dados de cidadãos comuns, insistiu que se tratava apenas de “modestos surrupios” de privacidade. Em 8 de junho, a NSA prestou queixa por causa da exposição de material de inteligência crítico, e também passou a investigar quem poderia ter comandado o vazamento. No dia 9, Snowden foi a público em um vídeo produzido por Laura. No dia 10, com dois advogados de Hong Kong e com a imprensa fechando o cerco, Snowden saiu do hotel pela porta dos fundos e desapareceu.
No dia 21 de junho, o governo Obama acusou Edward Snowden de três crimes, dois deles enquadrados na lei antiespionagem americana. Um corpo de autoridades do país, incluindo o Secretário de Estado John Kerry, o declarou “um traidor”.
Pouco tempo depois de Snowden deixar o hotel em Hong Kong, os advogados dele foram contatados por Kristinn Hrafnsson, uma porta-voz da organização WikiLeaks. Hrafnsson havia ouvido que Snowden poderia tentar asilo na Islândia. Pouco tempo depois, uma britânica de 31 anos, Sarah Harrison, parceira de longa data de Julian Assange, chegou a Hong Kong para atuar como olhos e ouvidos do WikiLeaks na questão, e escoltar Snowden para fora de Hong Kong. Ela não saiu do lado dele pelos quatro meses seguintes. Em 24 de junho, Assange, exilado na embaixada equatoriana em Londres há mais de um ano, deu uma coletiva de imprensa e assumiu a responsabilidade pela ida bem-sucedida de Snowden de Hong Kong para a Rússia, onde, depois de 39 dias vivendo no aeroporto em Moscou – e de ter preenchido 21 solicitações de asilo para vários países –, teve autorizado o asilo temporário por um ano pelo presidente Vladimir Putin.
Entretanto, diz o jornalista russo Andrei Soldatov, isso não significa que Snowden está livre. “É bem evidente que ele está sendo protegido pelo FSB” [Serviço Federal de Segurança russo], diz Soldatov. Isso quer dizer que cada faceta de comunicação de Snowden está provavelmente sendo monitorada pelos serviços de segurança russos. E mesmo que ele decidisse ir até a embaixada dos Estados Unidos e se entregar, “seria difícil encontrar um ambiente sem monitoramento para se comunicar com os americanos”, explica.
Esta é a situação, pelo menos por enquanto, vivida por Edward Snowden: o advogado dele, Ben Wizner, montou uma equipe que espera facilitar algum tipo de acordo para que o delator possa encontrar asilo em um país mais aberto, como a Alemanha, e quem sabe “um dia, quando o clima for mais favorável”, voltar aos Estados Unidos sem medo de represálias. Mas é uma hipótese distante, admite Wizner. “Não é algo que vai acontecer de uma hora para outra.”
Por hora, ele continua na Rússia, morando não se sabe onde, talvez trabalhando para alguma empresa de internet russa, blindado por um aparato de segurança estatal e se comunicando apenas por e-mails criptografados e chats com poucas pessoas, nenhuma delas capaz de saber o que acontece no dia a dia dele. Snowden se tornou “uma celebridade” na Rússia, com as pessoas conjecturando qual seria o próximo passo dele. “É como Elvis”, conta Greenwald. “Acho que os Estados Unidos querem ele por lá, exatamente porque isso permite que o governo o demonize. Se alguém faz uma denúncia dessas e vira herói, o povo começa a pensar: ‘Uau, o que ele viu deve ter sido horrível de verdade para ele arriscar a vida denunciando tudo assim’. Mas, se você tem como sustentar que ‘Ele é louco, instável, é um espião russo’, isso tira qualquer legitimidade do ato todo, que só aconteceu porque Snowden presenciou coisas erradas e a consciência dele fez com que tomasse a atitude que tomou.”
Já Glenn Greenwald também se tornou uma celebridade internacional, e encontrei-o no Rio de Janeiro quando estava no auge de uma fama que jamais havia tido na vida. Tem sido entrevistado pela mídia de todo o mundo, conseguido furos de reportagem e até ganhou um prêmio Esso no Brasil, por uma matéria escrita para o jornal O Globo expondo toda a proporção da espionagem feita pela NSA no país.
No momento, o jornalista, que se diz ainda “infectado” pelo heroísmo de Snowden, está disposto a trabalhar no lugar do rapaz. O primeiro passo foi pegar os documentos que restaram – mais de 10 mil, – e fundar um novo veículo de mídia com Laura Poitras e o jornalista investigativo Jeremy Scahill, financiado com US$ 250 milhões investidos pelo bilionário da tecnologia Pierre Omidyar, fundador do eBay. A empresa – chamada NewCo – se dedicará ao jornalismo investigativo e procurará bater de frente com o governo dos Estados Unidos. “Faremos nosso jornalismo e diremos ‘Ok, governo, tente nos pegar’”, diz Greenwald, que deixou o Guardian em outubro e diz que tem planos de estabelecer escritórios em Nova York e Washington, bem como no Brasil, onde estará. “Não me permitirei ser exilado do meu próprio país porque pratiquei jornalismo, mas, enquanto houver uma chance considerável de que eu seja preso e acusado por praticar a profissão, não posso me arriscar.”
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