Com um novo disco solo e prestes a sair em turnê com os Rolling Stones, o imortal pirata do rock and roll está de volta aos mares
Patrick Doyle Publicado em 15/10/2015, às 17h48 - Atualizado às 19h13
"Eles estão a uns cinco minutos daqui”, diz Hervé, o bigodudo dono do Luc’s, um bistrô francês escondido em um beco na cidade de Ridgefield, Connecticut. Os clientes são gentilmente informados de que o pátio frontal está fechado. O som ambiente do restaurante muda, de música clássica para o reggae “Pressure Drop”, do Toots and the Maytals.
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Exatamente às 15h, Keith Richards sai de um Mercedes TK sedã preto dirigido por um motorista (apesar do que você possa achar, Richards normalmente é muito pontual). Ele parece tão normal quanto Keith Richards pode parecer, usando jaqueta de couro marrom, óculos de sol e botas Uggs pretas. Não está com a bandana de sempre na cabeça nem com os ganchos de pesca que às vezes coloca no cabelo. Um aroma agradável de sândalo permanece depois que ele passa.
Richards acabou de sair da estrada com os Rolling Stones, que terminaram a mais recente turnê pelos Estados Unidos há três semanas, e está aproveitando a pausa para lançar o álbum solo, Crosseyed Heart. Ele entra para conversar com o barman. Então, cumprimenta dois adolescentes em uma mesa no pátio, dando um beijo na cabeça dos meninos, que os abraçam reverentemente – parece uma cena saída de O Poderoso Chefão. Os garotos são filhos de Hervé, que é casado com a sobrinha de Richards. “Falo que ele é meu sobrinho francês”, diz rindo, finalmente sentando no pátio frontal e acendendo um de muitos cigarros Marlboro Red. “É um lugar de família. Estão aqui há 15 anos e este se tornou um dos bistrôs franceses mais populares da Nova Inglaterra. E por acaso é o local que frequento por aqui.”
A mulher de Hervé, uma loira simpática chamada Marissa, traz batatas fritas. “Obrigado, querida”, diz Richards, que nem encosta no prato (ele frequentemente não come em restaurantes, mesmo quando sai com a família. Em vez disso, às vezes prepara frango ou linguiça com purê de batata quando volta para casa).
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O músico mora a uns 15 minutos de distância, em uma propriedade imensa em estilo italiano com quadra de tênis e casa para hóspedes, perto de uma reserva natural com mais de 400 hectares. Os visitantes são recepcionados por dois buldogues franceses; as paredes são cheias de fotos de turnês dos Stones. Ele mora em Connecticut desde o final dos anos 1980, depois que suas filhas Alexandra e Theodora nasceram. Richards e a esposa, Patti Hansen, moravam no East Village, em Manhattan, que não tinha áreas verdes e trazia lembranças não exatamente de domesticidade para ele. “Às vezes, havia uma seca [de heroína] nos anos 1970”, conta, “e tínhamos de ir até o East Side e levar uma seringa. Só por precaução.”
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“Um ano ou dois depois do nascimento das meninas, falei: ‘Não posso criá-las na Fourth Street’”, continua. “Não quando há ar puro e muito verde aqui perto. Não se chama de Nova Inglaterra por acaso – muita coisa aqui me faz lembrar bastante de partes da Inglaterra, de Sussex ou Surrey.”
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Em casa, ele joga dominós mexicanos durante horas ou assiste ao History Channel ou notícias na TV a cabo – o que frequentemente lhe deixa com raiva, como quando viu James Blake sendo abordado por um policial. “Mais uma prova de que você não consegue eliminar o racismo só com uma canetada”, afirma Richards. Ele também acompanhou os protestos em Baltimore e Ferguson: “Os policiais antigamente davam um tapa na orelha e mandavam você para casa. Agora, atiram”. Às vezes, envia por fax algumas anotações a Pierre De Beauport, seu técnico de guitarra, pedindo que investigue um guitarrista desconhecido chamado Rudy Richard, que tocou com Little Richard, ou então algum disco obscuro de reggae. Richards assiste a filmes novos que chegam pelo correio e anda pela casa tocando violão. “Se a patroa diz ‘Isso é bom’”, conta, “continuo tocando”.
Ele pede uma vodca com refrigerante. Enquanto o garçom se afasta, Richards fala: “Dupla!” Ultimamente, o guitarrista vem se recuperando de uma lesão séria. No show de 4 de julho em Indianapolis, estava correndo pela passarela em direção ao palco durante o solo de saxofone de “Miss You” e tropeçou. “Alguém jogou um chapéu de palha vermelho e ele caiu bem diante dos meus pés”, conta. “Chutei para o lado – ‘Tudo bem, está fora do caminho’ e a porcaria bateu de volta e caí de cara no chão. De repente, estou de quatro diante de 60 mil pessoas, entendeu? Pensei: ‘Ok, tente sair desta, amigo!’"
“Devo ter fraturado uma costela”, continua, colocando a mão do lado direito do tronco. “Não há nada que os médicos possam fazer. Pensei: ‘Merda, se falar o quanto está doendo, os doutores e as seguradoras vão dizer: ‘Cancelem os próximos shows’. Que se foda. Viverei com isso. Depois de 50 anos no palco, você cai vez ou outra e se machuca.”
É uma história clássica do guitarrista – a enrascada e a fuga. A carreira dele é cheia desses casos, seja o prefeito de Boston pessoalmente pagando a fiança dele e de Jagger para fazerem um show em 1972, seja Richards escapando de uma possível sentença de sete anos por tráfico de heroína ao aceitar fazer um show para cegos (Pete Townshend afirmou que os Stones têm “uma reputação para milagres”). Talvez a maior façanha de Richards seja puramente sua sobrevivência física – o fato de ter vivido de uma maneira mais perigosa e insalubre que a maioria de nós consegue imaginar e ainda estar por aí. Sua resistência incomum entrou para a crença popular na década de 1970, quando a NME votou nele como a pessoa com “Mais Chance de Morrer” por dez anos consecutivos. A aparente imortalidade de Richards virou meme na internet. Uma piada diz: “Para cada cigarro que você fuma, Deus tira uma hora de sua vida e dá ao Keith Richards”; segundo outra frase, “Precisamos começar a nos preocupar com que tipo de mundo vamos deixar para Keith Richards”.
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Por causa dessas histórias, é possível perder de vista todas as outras coisas que ele é – o homem que ajudou a levar de volta o blues para os adolescentes brancos dos Estados Unidos, que compôs ou coescreveu algumas das baladas mais doces (“Ruby Tuesday”, “Wild Horses”) e os hinos mais ameaçadores (“Jumpin’ Jack Flash”, “Gimme Shelter”, “Street Fighting Man”) de todos os tempos. Richards inventou um estilo de guitarra rítmico com peso e saturação – afinações estranhas, quase nenhum solo – que espanta até seus heróis. “Tento copiar coisas dele e não consigo, cara”, afirma Buddy Guy. “E venho tentando desde que o conheci.” Com seu jeito de pendurar a guitarra mais para baixo, ajudou a definir a imagem do que é um astro de rock para cada geração que veio depois dele. “Fico feliz por gostarem do cabelo e das roupas”, diz sobre os milhares de guitarristas que se espelham em sua imagem. “Sempre interpreto como um elogio."
Keith Richards ainda reverencia seus heróis musicais. Troca faxes com Chuck Berry e mantém contato com Jerry Lee Lewis, que chama de “lindamente obstinado”. Agora que Berry, Little Richard e Fats Domino são octogenários e Lewis faz uma turnê de despedida, os Stones logo se tornarão os anciãos na estrada. “Nem me lembre!”, Richards diz, cobrindo o rosto com as mãos. “Nunca achei que chegaria tão longe. Tenho de pensar nisso e me perguntar o que fazer. Não sei, cara. Sempre houve gente na minha frente. Agora é minha vez de envelhecer.”
O assunto muda para as bandas da Invasão Britânica que vieram depois dos Stones. “Nunca fui muito interessado em tantas bandas inglesas de rock, não mesmo”, afirma. “Gosto de gente como os pioneiros Johnny Kidd and the Pirates, e isso foi antes mesmo de eu começar a gravar. Yes, Journey e bandas assim nunca me empolgaram.”
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Richards “ama Jimmy Page”, mas não é um grande fã do Led Zeppelin. “Não como banda, com [o baterista] John Bonham trovejando pela estrada em um caminhão desgovernado. Jimmy é um músico brilhante, mas sempre senti que havia algo um pouco oco naquilo.” Na verdade, ele prefere o trabalho solo de Robert Plant, particularmente Raising Sand (2007), o álbum que ele fez com Alison Krauss. “Ouvi e pensei: ‘Finalmente está mandando bem!’”
Ele faz uma pausa – “não quero que isso soe como...” –, então sorri e continua: “Sempre achei [Roger] Daltrey só exibicionismo. E amo o Pete Townshend, mas sempre pensei que o Who era uma banda maluca. [Keith] Moon era um baterista incrível, mas só se entrosava com Pete Townshend. Ele podia tocar para o Pete como mais ninguém no mundo, mas, se alguém o colocasse em uma sessão com outra pessoa, era um desastre. Não há nada de errado nisso – às vezes você tem só aquele pincel e arrasa.”
Recentemente, Richards virou manchete por chamar Sgt. Pepper’s de “porcaria” (e também criticou Their Satanic Majesties Request, dos Stones, por copiar o LP dos Beatles). Ao falar sobre os shows de Paul McCartney, diz, dando de ombros: “Gosto do Paul. Não sei se conseguiria fazer tudo aquilo sozinho. Desde que ele goste do que faz... muita gente gosta, mas não vejo nenhuma pressão naquilo”.
Richards deixa bem claro que a “pressão” que ele recebe, antes de mais nada, é dos Stones. Revela que havia voltado de uma reunião da banda em Londres. “Tivemos uma conversa”, conta. Os Stones podem se reunir para começar a compor seu primeiro álbum desde A Bigger Bang (2005) já no Natal e gravar depois de uma turnê sul-americana no início de 2016. “Adoraria enfiá-los no estúdio em abril, logo depois de sair da estrada”, afirma. “Eles não estão ficando mais jovens, mas, ao mesmo tempo, estão ficando melhores.”
Desde que os Stones voltaram a fazer turnês, em 2012, Richards está mais comprometido. Trabalhou com Jagger na escolha dos setlists para cada show, o que não fez durante anos. Uma consequência de seu acidente em Fiji foi que ele teve de parar de usar cocaína antes dos shows e reduzir o consumo de álcool. “Ele ficou muito determinado a fazer isso”, diz uma fonte próxima. Richards afirma que ter parado o ajudou em seu tempo de recuperação pós-apresentação: “Use cocaína no palco e ficará acabado. Agora, meia hora depois pode me levar para casa e estou pronto para tudo”.
Keith richards compreende sua própria personalidade pública. “Posso entender minha imagem na mente da maioria das pessoas”, afirma. “‘O bom e velho Keith toma tudo e faz o que quer’, o que me deu permissão para fazer isso. Pessoas com emprego comum adorariam ter minha liberdade. Elas me deram licença para cagar na rua.”
Mais tarde, em casa, poderá ler um romance histórico ou assistir a um documentário sobre a Segunda Guerra Mundial, mas aqui ele é o Keith Richards que todos gostam de saber que ainda existe: o Richards que, quando enfrentou julgamento por permitir o consumo de maconha em sua propriedade em 1967, encarou o juiz e disse que “não somos velhos e não estamos preocupados com a sua moral insignificante”.
“Aquela declaração simplesmente saiu”, Richards diz sobre aquele dia. “Era um teatro surreal para mim. A partir daquele momento, senti que não era só eu, e não eram só os Stones, contra o que estava estabelecido. Percebi que havia um júri maior do lado de fora.”
Keith Richards se diverte no videoclipe de “Trouble”.
Enquanto espera para entrar no ar, seus joelhos balançam. Ele brinca com o isqueiro, tirando o adesivo. Um produtor surge para dar o aviso de cinco minutos. Richards veste a jaqueta de couro de cobra, bate nos joelhos e se levanta: “É hora do show, porra!”
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