<b>AGORA VAI </b>2012 será um ano ainda mais agitado para Dilma Rousseff - Divulgação

Os Perigos do Ano que Vem

Após um primeiro ano de governo turbulento, Dilma Rousseff se prepara para o desafio de realmente colocar ordem na casa em 2012

Cristiano Bastos Publicado em 09/12/2011, às 13h19 - Atualizado em 19/12/2011, às 19h53

Tensão: foi este o estado de espírito que cadenciou o primeiro ano da presidente Dilma Rousseff no comando do Brasil. O novo governo começou a atuar na base da tesourada, anunciando, logo em fevereiro, um corte de R$ 50 bilhões no Orçamento Geral da União, correspondente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). O arrocho, Dilma justificou, foi para combater “imprevistos inflacionários”. Miriam Belchior, a ministra do Planejamento, já avisou que o Orçamento de 2012, encaminhado em agosto ao Congresso Nacional, também sofrerá contingenciamentos. “Todo ano tem. Por que não haveria em 2012?”, ela declarou.

Em meio à crise que culminou na demissão de cinco ministros – sem dúvida o maior problema enfrentado em 2011 –, Dilma conseguiu, entretanto, cumprir algumas das promessas feitas durante a campanha presidencial. Outras, não. Certamente, a mais importante foi o lançamento, em maio, do programa Brasil Sem Miséria, que, aliado ao Bolsa Família, nasceu com a meta de erradicar a miséria da vida dos 8,5% da população que possuem renda mensal de até R$ 70 por pessoa da família – ou seja, aproximadamente 16 milhões de brasileiros. Mas, se 2011 foi de faxina no alto escalão do poder, o próximo, evocando a canção de Sérgio Sampaio, deverá ser o ano de “botar o bloco na rua”. Confira a seguir quais serão os principais desafios do governo Dilma Rousseff em 2012, além de caminhos para enfrentá-los.

O Orçamento da União

No congresso, as principais metas do governo, além da “incendiária” votação do novo Código Florestal, cuja sanção presidencial espera-se ainda para dezembro deste ano, são as reformas política e ministerial, a aprovação do Orçamento de 2012 e do fundo de previdência dos servidores públicos. E, acima de tudo, o controle do problema que a todos preocupa: a inflação. Contudo, a absoluta prioridade do Palácio do Planalto será aprovar no Senado Federal, até 31 de dezembro de 2011, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que prorrogará por mais quatro anos a Desvinculação das Receitas da União (DRU). O mecanismo permite à União gastar livremente 20% dos tributos arrecadados, os quais o governo irá dispor para usar em estratégias de enfrentamento à crise financeira mundial. Em 2012, ano em que a crise prenuncia-se ainda maior, a DRU (que representará o equivalente a R$ 62,4 bilhões) poderá representar a salvação da lavoura brasileira.

Ideli Salvatti, ministra da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, recorda que, em momentos delicados da economia nacional, governos anteriores já lançaram mão do mecanismo da DRU. “O Brasil vive hoje um período de estabilidade e de crescimento com distribuição de renda, mas uma crise financeira internacional tem afetado países como Estados Unidos, França e Espanha”, explica. “O governo brasileiro entende que é necessário dispor de certa liberdade no orçamento para investir em ações e programas que possam assegurar que esta crise não chegue ao nosso país.”

Já a controversa votação do projeto que formaliza uma nova divisão, entre estados e municípios, dos royalties do petróleo, deverá ficar para 2012, conforme advertiu Edison Lobão, ministro de Minas e Energia. Na Câmara dos Deputados, a instalação da Comissão Especial dos royalties deve ocorrer apenas “depois dessa ‘questão do PSD’ [partido criado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab]”, advertiu o presidente da Casa, Marco Maia. No ano que vem, a discussão sobre o royalties dos minérios também deverá ser igual, ampla e ferrenhamente debatida. O governo pretende diferenciar a cobrança de royalties de projetos de mineração “comuns” dos de “alta rentabilidade”. O novo marco regulatório da mineração, que enfrenta oposição do setor produtivo desde agora, encontra-se em fase final de ajustes pelo Executivo.

A Crise Econômica Global

Economicamente, o grande desafio do Brasil será lidar com os efeitos trazidos pelo desdobramento da crise financeira mundial. A maioria das análises, porém, aponta para o agravamento da situação global. “Estamos vivendo uma nova era com desafios mundiais muito importantes, como, por exemplo, a sobrevivência da União Europeia, do próprio euro, o crescimento da China e o impacto disso tudo no resto do mundo”, diz o cientista político João Paulo Peixoto, da Universidade de Brasília (UnB). “Teremos um ano que, no mínimo, exigirá muita observação por parte dos governantes.”

Porém, o impacto será sentido na economia brasileira, seja lá qual for o resultado desta crise. Peixoto cita 1997, ano em que os colapsos nas economias da Rússia e do México atingiram o Brasil em cheio, inclusive provocando mudanças no padrão cambial. Combater os efeitos da crise mundial e garantir que o crescimento econômico de 2011 mantenha-se em pelo menos 3% (contra os 7,5% de 2010) ou acelere um pouco em 2012 exigirá uma mudança na condução da política macroeconômica brasileira, especialmente diante de um quadro internacional ainda problemático. É a previsão de Antonio Corrêa de Lacerda, professor de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Tanto do ponto de vista fiscal como do ponto de vista do nível de reservas cambiais e da qualidade do sistema financeiro, temos um quadro favorável [no Brasil]”, ele avalia, acrescentando que o mercado interno nacional, com a inclusão de novos consumidores nos últimos anos, representa um importante trunfo. Por outro lado, a inflação – a qual vinha representando um problema para a condução da “política econômica doméstica” – deverá ser amenizada em 2012, graças à sobreoferta na economia mundial. “Isso fará os preços recuarem”, crê Lacerda, “o que, juntamente com o desaquecimento interno, deverá ser um fator a contribuir para que a taxa de inflação volte a se aproximar do centro da meta no ano que vem”.

Copa do Mundo e Olimpíadas

Por determinação de Dilma Rousseff, a pasta de Aldo Rebelo, o novo ministro dos Esportes, ficará responsável pela autarquia que centraliza a preparação para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016. O Ministério do Esporte passou a incorporar oficialmente a Autoridade Pública Olímpica (APO), cujo objetivo é planejar e coordenar a atuação dos três entes federados (governos federal, estadual e municipal) envolvidos na preparação e realização dos Jogos Olímpicos de 2016. O orçamento da APO previsto para 2012 é de R$ 80 milhões. O ex-ministro das Cidades, Márcio Fortes de Almeida, que atualmente preside a APO, estima que em março será possível calcular o orçamento total dos Jogos, além do cronograma das obras que serão entregues, com os respectivos prazos. Segundo cálculos de Fortes, 47% dos empreendimentos estarão prontos até essa data.

No caso da segurança pública, um dos carros-chefes do governo federal, a área perderá R$ 1,3 bilhão devido à realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Um projeto de lei apresentado pelo Executivo ao Congresso acarretará em um corte de 12% nos recursos previstos para o combate à violência, que serão empregados no Plano Nacional de Segurança em Grandes Eventos. A medida recebeu sérias críticas do Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp), entidade ligada ao Ministério da Justiça (MJ), que cobrará dos parlamentares a inclusão de emendas ao projeto. “Não dá para entender que a segurança pública é uma prioridade deste governo quando os recursos destinados à área deixam claro que não é”, critica Alexandre Ciconello, conselheiro do Conasp.

As Reformas Ministerial e Política

Em 2012 as reformas estruturais estarão na “ordem do dia”, particularmente a política, de acordo com cientista político João Paulo Peixoto. Do ponto de vista do Executivo, ele aposta que a reforma ministerial, marcada para o início do ano, poderá, além de reduzir o atual número de ministérios, eliminar os chamados “loteamentos da administração pública”, os quais têm sido utilizados como moeda de troca para votos no Congresso ou para se obter apoio da base aliada. “Creio que várias secretarias deveriam ser diminuídas e, também, que os ministérios do Trabalho e da Previdência poderiam ser fundidos em uma só pasta”, Peixoto sugere. Espaço para reduzir o tamanho da máquina pública, de acordo com o cientista, há de sobra.

Nessa ciranda ministerial, especula-se que o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, se não for afastado por denúncias de corrupção, deva ser um dos que, fatalmente, serão trocados durante a reforma. Também cogita-se a saída de Ana de Hollanda, da Cultura, e Afonso Florence, do Desenvolvimento Agrário. Fernando Haddad, ao que tudo indica, deixará o Ministério da Educação (MEC) para concorrer à prefeitura de São Paulo (as especulações apontam que ele seria substituído pelo secretário-executivo do MEC, José Henrique Paim Fernandes, ou pelo secretário de Educação Superior, Luiz Cláudio Costa). Dois outros ministérios que poderão ter seus titulares alterados são Cidades – que está sob investigação por causa de uma denúncia de fraude em obra para a Copa do Mundo de 2014 – e Integração Nacional. É possível, também, que o Ministério da Pesca venha a ser incorporado ao da Agricultura; e o de Portos ao dos Transportes. Seria criado, por outro lado, o novo ministério das Micro e Pequenas Empresas, para o qual o governo já encaminhou um projeto ao Congresso.

O ano de 2011 foi um verdadeiro “boliche político” de ministros caindo, nas palavras do deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ). “O ano começou cheio de expectativas com o novo governo, no entanto, como se viu, foi mais o ‘nono ano de governo Lula’ do que o primeiro ano de governo Dilma”, ele critica, acrescentando que a presidente não deixou uma marca característica, seja na cultura, no meio ambiente ou no social, “apesar da redução do abismo social no Brasil, que, aliás, continua imenso – os 10% mais ricos com renda 39 vezes maior do que os 10% mais pobres”. O deputado Roberto Freire (PPS-SP) pensa na reforma ministerial como a mais concreta forma de intervenção nessa “rotineira sucessão de escândalos de corrupção dentro de um governo completamente corroído pela bandalheira”. “Chegamos ao ponto de, no Brasil, estarmos tremendamente criativos”, Freire teoriza. “No nosso Direito, não existem apenas pessoas físicas e jurídicas, mas também as pessoas ‘cítricas’, com grande número de laranjas, empresas fantasmas e ONGs que não existem. Até os comunistas, que no Brasil nunca tinham se confundido com a corrupção, caíram nessa vala no período Lula-Dilma.”

Em tramitação no Congresso Nacional, a reforma política, quando aprovada, deverá modificar profundamente o sistema eleitoral brasileiro. Para Chico Alencar, porém, a reforma, a qual todos chamam de “mãe de todas as outras reformas”, não está avançando: “É uma mãe que não nasce nunca, o que é muito contraditório”, diz. “Como dizia o filósofo Giordano Bruno, no século 16, é uma ilusão você querer que as regras do poder sejam alteradas por quem detém o poder.” Apesar de descrente, Alencar elogia o trabalho do deputado Henrique Fontana (PT-RS), o qual tem um projeto “generoso e criativo”, mas que deverá ser “fatiado” em alguns pontos. Fontana, que é relator da reforma política na Comissão Especial da Câmara, acredita que a reforma deverá ao menos ser aprovada em plenário em 2012. A meta, ele crê, é tê-la “por completo” em 2014. “Precisamos, antes, dar previsibilidade, segurança e credibilidade à população e aos eleitores”, diz.

Meio Ambiente e Cultura

a conferência sobre desenvolvimento sustentável RIO+20, marcada para junho, deverá ser o evento mais importante do segmento ambiental mundial de 2012. Para o Brasil, será o momento de encarar de perto algumas das já tradicionais polêmicas de sua legislação ambiental. “O governo vai ter de provar, para toda a comunidade mundial, que tem vocação para tecer uma nova sociedade que tenha sustentabilidade no centro da economia”, opina o deputado Dr. Aluízio (PV-RJ). “Assim, nos fortalecemos no novo jogo diplomático global da crise, que agora é tanto ambiental quanto econômica.” O deputado acrescenta que se Dilma seguir a meta do plano de governo, que prometeu defender a legislação ambiental brasileira, as consequências irão repercutir mundialmente. “Resta saber se as forças que lucram com a destruição ambiental vão ter mais força que ela no cenário das eleições municipais, que é sempre quando aumenta o desmatamento e as barganhas eleitorais.”

Ainda que a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 150/03, que prevê 2% do Orçamento da União à cultura) continue distante, o Ministério da Cultura (MinC) já definiu as quatro frentes de atuação no setor em 2012: Cultura Viva, Mais Cultura, Praças dos Esportes e da Cultura e Usinas Culturais. De acordo com Vitor Ortiz, secretário executivo do MinC, os programas possuem em comum o estímulo à participação da população e a valorização da cidadania.

Ao contrário da redução de orçamento que vem sendo alardeada ultimamente, o MinC divulga que o orçamento da pasta para 2012 será um dos maiores da história: cerca de R$ 2,5 bilhões. O valor elevado se deverá, principalmente, em razão da entrada das empresas de telecomunicação no mercado de TVs por assinatura, gerando a ampliação da oferta. “Haverá uma ‘cota de tela’ nas televisões por assinatura e, para tanto, vai ser preciso ter um aumento da oferta audiovisual”, explica Ortiz. “E, para que haja essa oferta, se fará necessário um investimento de fomento por parte do governo.” Para 2012, a projeção é que isso represente o incremento de aproximadamente R$ 400 milhões no orçamento do Ministério da Cultura.

De qualquer forma, artistas, políticos e movimentos culturais brasileiros continuam a se mobilizar contra a possibilidade da redução do orçamento do ministério. No final de novembro, a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Cultura e as comissões de Educação e Cultura da Câmara e do Senado realizaram um ato público em defesa de maiores verbas para o setor. A manifestação contou com a presença do cineasta Cacá Diegues, do compositor Sérgio Ricardo (celebrizado por quebrar seu violão no III Festival de Música Popular da TV Record, em 1967) e do dramaturgo José Celso Martinez, que causou furor e também risos ao criticar Dilma Rousseff. Chamado para compor uma mesa integrada por políticos da base governista, Zé Celso – que declarou ter votado em Dilma – despejou críticas à presidente, acusando-a de cometer um “assassinato cultural” ao tornar-se prisioneira do lobby e dos partidos. “Cultura, na verdade, quer dizer tudo na vida das pessoas. É mais do que essencial”, bradou, ao mesmo tempo que saiu em defesa da ministra Ana de Hollanda. “Não façam a ministra de bode expiatório. A Dilma é que é uma tecnocrata que não tem a menor ideia da importância estratégica que tem a cultura.” Sacando um isqueiro do bolso, o dramaturgo ainda sugeriu: “Temos que mudar radicalmente, temos que botar fogo no rabo dos congressistas, da Dilma. Quero acender um rojão nessa mulher!”

O ano de 2012 ainda nem começou, mas já promete ser quente.

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