Como uma jovem revista de São Francisco conseguiu reportagens exclusivas sobre Charles Manson e Patty Hearst, dois dos mais visados criminosos dos Estados Unidos nos anos 1970
Andy Greene Publicado em 20/11/2017, às 15h26
Tirando o fato de serem os réus mais notórios dos Estados Unidos no início da década de 1970, Charles Manson e Patty Hearst não tinham nada em comum. Ele era líder de um culto e esperava iniciar uma guerra racial; ela era uma herdeira adolescente sequestrada por um grupo de revolucionários ineptos (a ironia é que apenas a tímida Patty participou diretamente de um crime). Os dois foram sensações midiáticas que geraram incontáveis horas de cobertura noticiosa, mas foram equipes de repórteres da Rolling Stone que driblaram a grande imprensa, conseguindo matérias exclusivas e inovadoras sobre ambos. No desenrolar dos acontecimentos, os jornalistas elevaram a Rolling Stone de um pequeno periódico jovem a uma publicação que poderia influenciar discussões em âmbito nacional.
Começou em agosto de 1969, quando Sharon Tate, grávida, e outras quatro pessoas foram assassinadas na mansão da atriz, em Los Angeles; no dia seguinte, o casal LaBianca foi morto em casa, na mesma cidade. Manson, que era compositor amador e amigo de Dennis Wilson, baterista do Beach Boys, logo foi identificado como o mentor dos massacres, mas muitos na imprensa underground o consideravam inocente – inclusive, inicialmente, a Rolling Stone. “Ele era hippie como nós”, diz o redator David Dalton. “Achei que tinha sido condenado injustamente. Eu ficava cuspindo uma baboseira hippie, tipo ‘de que lado você está, cara? A porra do governo é corrupta!’”
Dalton era um especialista em rock com conexões pessoais com Wilson. Para investigar a história de Manson, a Rolling Stone o uniu com o veterano repórter investigativo David Felton. A revista esperava conseguir uma entrevista atrás das grades, planejando publicá-la com uma frase provocadora na capa: “Manson é inocente”. O líder do culto estava preso em Los Angeles aguardando julgamento e havia recusado a maioria dos pedidos de entrevista, mas seu novo álbum, Lie: The Love and Terror Cult, estava sendo lançado e ele queria
promovê-lo na revista. “Tivemos de fingir ser advogados para conseguir entrar”, conta Felton.
Ele e Dalton sentaram de frente para Manson, que tinha uma barba recém-feita e havia acabado de marcar um “X” na testa. “Ele ficava tamborilando as unhas na mesa”, diz Felton. “Dava para ver como conseguia ter poder sobre as pessoas.” Dalton sentiu que estava se conectando com um colega hippie. A certa altura, quis perguntar “você é do signo de Escorpião, não?”, mas a frase acabou saindo como “você é um escorpião”. “Dez emoções diferentes passaram pelo rosto de Manson – raiva, choque, confusão”, lembra Dalton. “Ele podia passar de racismo puro e cruel a ambientalismo e declarações como ‘sou Deus’.”
Foi suficiente para convencer Felton de que esse não era um hippie sendo enquadrado pela polícia, mas Dalton ainda acreditava em sua inocência. Ele e a esposa tinham passado a semana anterior morando com membros da chamada Família Manson (incluindo Lynette “Squeaky” Fromme, que tentou assassinar o presidente norte-americano Gerald Ford) na propriedade rural Spahn Ranch, na periferia de Los Angeles. “Era como qualquer outra comunidade hippie. Revirávamos lixos e fazíamos uma espécie de cozido. Cavalgávamos à noite. Foi totalmente agradável”, ele recorda.
Pouco depois da entrevista com Manson, Felton e Dalton falaram com o promotor de Los Angeles, Aaron Stovitz, que deu detalhes sobre os homicídios. “Ele pegou fotos dos assassinatos dos LaBianca”, conta Dalton. “Vejo ‘Piggies’ e ‘Helter Skelter’ [em sangue] nas paredes e na geladeira. Naquele momento, soube que tinham feito aquilo. Os policiais de Los Angeles precisariam ser gênios para plantar algo assim.”
Dalton imediatamente pensou na esposa, que ainda estava vivendo em Spahn Ranch. Ele correu até o local, persuadiu-a a cavalgar até o meio do deserto e, então, explicou que estavam em perigo. “Nós nos sentíamos perfeitamente seguros enquanto acreditávamos que ele era inocente”, diz Dalton. “Agora [os membros da Família] pareciam filhos do demônio. Os olhos deles tinham as pupilas dilatadas e todos pareciam estar afinados na mesma vibração harmônica.” O casal voltou ao rancho e fingiu uma briga na qual ela o acusou de infidelidade. Os dois saíram intempestivamente e pediram carona para voltar à cidade. “Foi como viver um filme de terror. A paranoia em Los Angeles era como uma linha de energia solta serpenteando na Pacific Coast Highway.”
O casal se mudou para a casa de Felton em Pasadena, onde os dois jornalistas passaram seis semanas transformando suas anotações e transcrições em um texto de 30 mil palavras, praticamente o tamanho de um pequeno livro. Felton lidou com a parte jornalística e Dalton a temperou com prosa experimental. “Tenho um trecho no final que é uma espécie de reflexão filosófica, metafísica sobre tudo aquilo”, diz Dalton. “Ainda não sei se faz sentido.”
O produto final teve 21 páginas, ajudando a Rolling Stone a ganhar um prestigioso National Magazine Award, o primeiro da revista. “Tenho um sentimento profundo sobre isso até hoje. E fico feliz que Manson ainda esteja preso”, afirma Felton.
Quatro anos depois, Patty Hearst foi sequestrada em seu apartamento na cidade de Berkeley e jogada no porta-malas de um carro por um grupo radical que se autodenominava Exército Simbionês de Libertação. Em uma série de cartas bizarras, o ESL disse que libertaria Patty se a família dela – herdeira da dinastia de jornais Hearst – desse US$ 70 em comida a cada família carente do estado da Califórnia, o que custaria US$ 400 milhões. A saga emocionou os Estados Unidos. Muitos presumiram que Patty tinha sido coagida, mas “Tania”, como o ESL a rebatizou, logo foi flagrada roubando um banco. Ela tinha escolhido ficar com o grupo quando poderia ter fugido.
A Rolling Stone havia acabado de conseguir um grande furo de reportagem com o artigo de Howard Kohn, ex-jornalista do Detroit Free Press, sobre Karen Silkwood, uma ativista que morreu em circunstâncias misteriosas depois de denunciar a empresa de produtos químicos onde trabalhava. Kohn e seu amigo David Weir, que tinha ligações com o underground radical da Bay Area, contataram o advogado Michael Kennedy (cujo cliente e membro do ESL, Jack Scott, tinha atravessado o país com Patty Hearst no verão de 1974). Em maio daquele ano, as autoridades haviam incendiado uma casa com a maior parte do ESL dentro dela, um evento chocante transmitido ao vivo pela TV; Patty tinha escapado, mas seu paradeiro era um mistério. Scott estava pronto para falar como fonte anônima, dando à Rolling Stone o furo da década. “Kohn era um repórter investigativo clássico, curioso”, diz Paul Scanlon, editor-geral da revista na época. “Nunca vi alguém cavar tão fundo como ele.”
Enquanto a grande imprensa se contentava em simplesmente ir a entrevistas coletivas, os repórteres da Rolling Stone partiram para uma odisseia até o outro lado dos Estados Unidos, refazendo os passos de Patty para verificar as histórias contadas por Scott e outras fontes. Por sua vez, o editor e publisher da Rolling Stone, Jann Wenner, planejou duas matérias de capa. “Jann sabia que dependeríamos de muitas fontes anônimas”, conta Kohn. “Isso não é problema se você é o The New York Times e tem um monte de advogados e um histórico de tradição jornalística. Mas a Rolling Stone não tinha muito dinheiro nem consultoria jurídica.”
A primeira matéria foi escrita em segredo. Faltava cerca de um mês para a publicação quando, em 18 de setembro de 1975, Patty foi detida em São Francisco. “Por algumas horas, achamos que a história tinha acabado, mas Jann tinha certeza de que precisávamos continuar”, diz Kohn.
Uma capa com Rod Stewart e a namorada, Britt Ekland, caiu para que a matéria com Patty Hearst pudesse ser publicada antecipadamente. Guardas foram posicionados na gráfica em St. Louis para que os exemplares não vazassem antes da hora. Quando começou o burburinho de que a Rolling Stone tinha a história exclusiva dos dois anos de Patty como fugitiva, a revista foi inundada com pedidos da imprensa. A história foi destaque em todos os telejornais naquela noite; Weir e Kohn apareceram no programa Today. “Lembro que gritei com [o famoso advogado da família Hearst] William Kunstler, um dos meus heróis, ao telefone”, conta Paul Scanlon. “Ele estava tentando proibir nossa publicação.”
Kunstler não foi o único enfurecido com a matéria. O FBI tinha sido superado por dois repórteres de 20 e poucos anos e exigiu que ambos nomeassem as fontes, sob o risco de prisão (na última hora, um juiz permitiu que a dupla ficasse livre). A segunda capa planejada saiu um mês depois, focando mais no lado da família sobre a saga, mas também estava cheia de informações de membros do ESL que resolveram falar. Um disse a Weir que deixaria um pacote com informações em uma cabine telefônica sob um viaduto. “Pensei: ‘Se é para atirarem em mim, é aqui que vão me pegar’”, lembra Weir. “Foi uma das caminhadas mais assustadoras da minha vida, mas de alguma forma entrei, saí e conseguimos nosso material.”
Mais de quatro décadas depois, os envolvidos na história se lembram nitidamente dos eventos. “A imagem da Rolling Stone como notícia principal em três grandes telejornais naquela noite me emociona”, diz Scanlon. “Patty Hearst foi um salto à frente em termos de credibilidade, em termos de convencer as pessoas de que esta não era só uma revista de rock de São Francisco. Sinto a adrenalina correndo nas veias só de pensar”.
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