Doc sobre Kurt Cobain mostra tudo, menos o homem por trás do mito
Miguel Sokol | Ilustração: Gabriel Góes Publicado em 17/07/2015, às 15h46 - Atualizado às 16h02
O nome do filme sobre Kurt Cobain é Montage Of Heck, mas mais apropriado seria chamá-lo de Invasão de Privacidade, Mamãe É de Morte ou Muito Barulho por Nada. O gênero é “documentário”, no entanto, “ficção” lhe cairia bem melhor. A censura é “não recomendado para menores de 14 anos”, contudo sensato mesmo seria não recomendá-lo para cérebros com mais de 14 neurônios, pois, mais do que conter sexo, drogas e rock and roll, o filme contém – na minha não tão modesta opinião – disparates, leviandades e omissões.
Do nome à classificação etária, eu discordo de tudo em Montage of Heck, incluindo a premissa. Frances Bean, filha de Cobain e Courtney Love (e produtora executiva do filme), disse em entrevista que o único pedido que fez ao diretor Brett Morgen foi que ele fizesse um documentário não sobre o Nirvana, o astro do rock ou o mito, mas sobre o homem. Nada mais justo que uma filha querer conhecer o próprio pai. Porém, infelizmente, é impossível dissociar o Nirvana do Kurt, assim como é impossível dissociar a vida da morte.
A prova de que o filme fracassa em contar para Frances quem foi seu pai é que ela já afirmou preferir Oasis ao Nirvana. Convenhamos, se o filme conseguisse descrever a metade de quem foi Kurt, especulo que qualquer um com meia orelha preferiria o Nirvana.
O que não é especulação é que Montage of Heck, em vez de tentar contar a história do Kurt por meio de quem o conheceu, invade a privacidade do homem para pintar o redutivo retrato de um junkie suicida que teria, inclusive, tentado fazer sexo com a garota mais “freak” do colégio, na adolescência, episódio narrado no filme pelo próprio Kurt em uma das tantas fitas cassetes que ele deixou.
E por acaso tudo o que músico dizia era verdade? Não, segundo Buzz Osborne, vocalista do Melvins e amigo dele das antigas. Para Osborne, se fosse verdadeiro, o episódio não viria à tona apenas décadas depois, pois em uma cidade pequena como Aberdeen todo mundo ficaria sabendo no dia seguinte.
Frances pode até ser, no papel, a mandachuva do filme, mas mamãe Courtney é de morte e o que era para ser o retrato definitivo não passa de
muito barulho por nada.
Se o filme serve para algo além de voyeurismo, é provar que versões autorizadas de histórias reais podem passar a quilômetros da verdade. Por isso os excelentíssimos ministros do Supremo Tribunal Federal fizeram um excelente trabalho em autorizar as biografias não autorizadas.
O diretor Brett Morgen jura de pés juntos que a vocalista do Hole não teve nenhum dedinho sobre as decisões do filme. Conta outra, Brett. Rei nenhum pode exercer seu despotismo impunemente como a rainha Courtney fez em Montage of Heck.
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