Paixão & Cães

Há alguns anos, ela era uma adolescente falida sem ter onde morar; agora, é uma estrela pop em ascensão. Só que, para Halsey, os problemas nunca estão muito longe

Alex Morris

Publicado em 10/08/2016, às 22h50 - Atualizado em 11/08/2016, às 13h40
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Halsey - Peggy Sirota

São 13h e halsey está ficando altinha tomando champanhe rosé e me dizendo coisas que provavelmente não deveria. Como o fato de que a última vez que esteve aqui no Central Park, em Nova York, foi com um ex-namorado que estava no fim de uma viagem de heroína. Ou que o plano original para hoje, imaginado por sua gravadora, era o de darmos um passeio romântico

de barco. “Falei: ‘Porra, não’”, ela diz com uma careta. “‘Odeio barcos. Não vou fazer isso’. É como um encontro às cegas,com a diferença de que não vou passar o tempo inteiro me questionando se serei forçada a transar com você mais tarde.”

Pouco mais de dois anos atrás, Halsey não era realmente Halsey, mas sim Ashley Nicolette Frangipane, uma jovem de 19 anos que havia largado um curso técnico, vivia em sofás nos porões de Nova Jersey e passeando por Nova York com um grupo tatuado e encrenqueiro de “maconheiros degenerados”. Estava tecnicamente sem teto, depois de ser expulsa de casa pelos pais por ter abandonado a escola (“Eles simplesmente não concordavam com muitas coisas em mim”). Seu telefone foi cortado. Ela não tinha convênio médico. Os amigos faziam vaquinha para dividir fatias de pizza de US$ 1 e ficavam chapados usando só roupa íntima em algum telhado qualquer. Em outras palavras, ela vivia o sonho boêmio e, quando isso ficava um pouco menos idílico, ia passar um tempo com a avó, que a ensinou a tocar canções ao piano quando tinha 4 anos.

Foi durante essa época que Halsey foi convidada para uma festa em um hotel em Newark, uma ideia tentadora porque, conta, “pensei que uma festa em um hotel significaria uma cama. Eu precisava de uma cama”. A certa altura da noite, conheceu um homem que trabalha no meio musical e ele mais tarde a apresentou – com um vídeo filmado pelo celular em que ela cantava uma música que havia composto – a outro profissional, que a convidou para trabalhar em uma colaboração. Halsey diz que toca oito instrumentos, mas só começou a compor como uma forma de chamar a atenção das pessoas para seus poemas. “Foi a primeira vez na vida que entrei em um estúdio, e com ‘estúdio’ quero dizer o porão de alguém que tinha um microfone

e equipamentos de gravação”, relembra. Durante esse primeiro encontro, começou a escrever “Ghost”, uma música sobre o ex-namorado junkie. Algumas semanas depois, por volta das 22h, ela fez o upload da música no SoundCloud e, quando se conectou novamente uma hora mais tarde, sua conta no Twitter estava bombando. Às 3h da manhã, diz, cinco gravadoras tinham entrado em contato.

Tudo o que aconteceu com ela nos últimos dois anos – o contrato que assinou no topo do Empire State Building; o EP Room 93; o álbum Badlands, que estreou no Número 2 na parada norte-americana; o dueto com Justin Bieber; a ideia de, em um ano, passar de cantar para poucas centenas de pessoas a lotar o Madison Square Garden – pareceu vir de uma espécie de predestinação, um momento de renascimento quando o mundo de repente ficou colorido e “Ashley” se tornou “Halsey”, a pessoa que sempre deveria ter sido. “Sou apenas

esta maconheira ferrada que chegou lá. Comprava minhas roupas na T.J. Maxx e, um dia, acordei e estava indo para Los Angeles filmar videoclipes. É bom que eu seja meio porra-louca, porque acho que não conseguiria lidar com isso se não fosse, sabe?”

Há muito a dizer sobre esse negócio de “louca”, e Halsey fica feliz em dizer. Postou no Twitter sobre sua tentativa de suicídio aos 17 anos, quando tentou ter uma overdose de “basicamente remédios fracos”, arrependeu-se imediatamente, contou aos pais, acabou em um hospital psiquiátrico por 17 dias, foi diagnosticada com transtorno bipolar e, por isso, tomou lítio por um período (“O lítio arruinou minha vida; não tomo remédios há anos”). Também escreveu Badlands, um álbum conceitual que fala sobre se sentir presa e isolada em uma cidade mental distópica. E ela é rápida ao explicar sua abordagem confessional como uma forma de terapia. “Não sou apenas uma porra de uma mártir que está tentando fazer todos esses garotos estranhos e perdidos se sentirem melhor; preciso que eles ajudem a me sentir normal também.”

Hoje, diz, é um de seus dias de fase maníaca. A Halsey maníaca é a Halsey divertida, aquela que “quer sair, beber, conversar a noite inteira, ajudar você com seus problemas, mudar o mundo! Quero fazer isso! Vamos!” Ela tem a qualidade desconcertante de ser impossivelmente linda em um momento e um tanto pateta no seguinte.

Halsey compõe as próprias músicas, faz a própria maquiagem, ajuda a desenhar o próprio figurino, merchandising e capas de singles. Ninguém pode reservar um voo sem sua aprovação. Ela não será “manejada”.

Nem será categorizada. Pode ser uma mulher fazendo música pop, mas tem uma atitude punk, dizendo o que vem à cabeça e se mantendo no controle ao ser incontrolável. “As pessoas gostam de mim porque, nos primeiros seis meses da minha carreira, minha maquiagem era borrada e minhas roupas eram sujas.”

Claro, também há quem não goste de Halsey. “Quando eu morrer, espero que não venham ao meu túmulo e o pichem com todas as coisas ruins que me dizem no Twitter agora”, diz, enquanto passamos por um memorial para John Lennon. Foi odiada por ser bissexual, mas cantar principalmente sobre suas relações com homens (“Tive relações com mulheres, mas você pode não ter namorado ninguém e ser bissexual”), ser birracial (a mãe é branca e o pai é negro), mas parecer branca (“Esse negócio de definir cores é realmente bizarro”) e supostamente

usar seu transtorno bipolar como marketing. Foi criticada depois que o jornal The New York Times a relacionou ao termo “tri-bi” – que Halsey alega nunca ter usado. “O mais engraçado é que a maior batalha que tive de enfrentar na carreira não foi ser bissexual, birracial ou bipolar”, afirma. “Foi todos acharem que eu explorava essas coisas.” Recentemente, raspou a cabeça durante uma sessão de fotos porque estava cansada de seu cabelo defini-la como lésbica ou não, ou um ser sexual ou não. Fez questão de definir a própria sexualidade, afirma, desde que alguém arrombou seu armário durante a aula de educação física e distribuiu pela escola uma foto sua de topless que ela queria entregar para o namorado. “Os professores

viram, todos viram. De repente, eu não era a estranha, era a puta. Poderia ter me retraído e bloqueado minha sexualidade, mas em vez disso pensei: ‘Vou assumir agora’.”

Parece que está tudo correndo tranquilamente, até um momento em nossa entrevista quando as coisas saem levemente dos trilhos. Estamos deitadas ao sol quando Halsey confessa que leu uma reportagem que escrevi para a Rolling Stone norte-americana sobre o Planned Parenthood e um aborto espontâneo que sofri. “Senti que estava sufocando ao ler o artigo. Como se alguém tivesse colocado uma sacola de plástico na minha cabeça. Não queria te encontrar. Estava realmente com medo de você, porque sabia que, assim que te visse, precisaria te contar que, no ano passado, engravidei durante a turnê.” Então, em um ritmo frenético, ela descreve estar em um quarto de hotel em Chicago antes do lançamento de Badlands, quando sua carreira poderia ter sido facilmente arruinada (“O que acontece? Perco meu contrato de gravação? Perco tudo? Ou mantenho [a gravidez]?

O que os fãs vão pensar? O que as mães vão pensar? O que todos vão pensar?”), e antes de conseguir decidir o que fazer está gritando em uma cama de hotel, sangrando, nua da cintura para baixo, horas antes de subir ao palco. “Falei: ‘Preciso cancelar este show!’ E todos meio que ‘Bom, é um evento da Vevo, e são 3 milhões de views, então...’ Ninguém sabia o que fazer.” Halsey acabou mandando a assistente à farmácia para comprar fraldas para adultos. Vestiu uma, tomou dois analgésicos e foi fazer o show. “Acho que foi a apresentação mais raivosa que já fiz na vida”, conta, a voz falhando. “Foi o momento da minha vida em que pensei: ‘Não me sinto mais como um ser humano’. Esta coisa de ser Halsey, esta música, o que quer que seja isso que estou fazendo teve prioridade sobre cada decisão que tomei acerca da situação [da gravidez], do momento em que descobri ao momento em que deu errado. Saí do palco, fui para o estacionamento e comecei a vomitar.”

Halsey diz que não sabe bem por que sofreu o aborto, mas é fácil culpar a si mesma. “Eu me culpo por isso, porque acho que o motivo para ter acontecido é o estilo de vida que estava levando. Não estava bebendo nem me drogando, estava trabalhando demais – parando no hospital a cada duas semanas porque estava desidratada, tomando soro na veia. Estava anêmica,

desmaiando. Meu corpo simplesmente pediu as contas.” A parte que a chateia mais é que, por mais insano que fosse ter feito aquele show, ninguém a forçou àquilo. “Eu tinha uma opção”, diz, embora sua escolha a tenha feito sentir que não tinha. Ela olha para as quadras, onde crianças brincam ao longe. “Quero ser mãe mais do que quero ser uma estrela pop. Mais do que tudo no mundo.” Mais tarde, afirma: “Tenho muito medo de ficar sozinha”. Estamos sentadas sobre a manta, agarrando nossa bebida. “Não estou tentando te deixar chateada”, diz baixinho. “Sinto muito mesmo.”

Alguns dias depois, nós nos encontramos em uma lanchonete de beira de estrada em Clark, Nova Jersey. O empresário de Halsey, Anthony Li, senta diante dela, e seu namorado de idas e vindas, o produtor norueguês Lido, também. Eles parecem ter voltado.

Halsey está derrubada hoje. Parte disso é drama familiar (“Minha família é um desastre”), parte é por estar de volta a Jersey (“Volto para cá e me sinto tremendamente desconfortável”) e

parte é sua química cerebral. Veio a esta lanchonete depois do baile de formatura, conta. Quando era mais nova, ficava lendo na Barnes & Noble ali perto toda semana enquanto o irmão fazia aula de caratê e, depois, a mãe os levava para jantar. “Isso não importa mais para mim”, diz dessas lembranças. “Nenhuma dessa merda importa.” Halsey mora do outro lado do país agora. Tem uma casa espaçosa em Los Angeles com piscina e uma vista espetacular e chamou suas duas melhores amigas para morar com ela. Está bancando a faculdade do irmão. Em

uma questão de dias, faria seus primeiros shows em um estádio como atração principal. Quanto a como se sente com tudo isso, bem... “Passei por algumas merdas. E todas elas continuam acontecendo. Não tive tempo para saber como me sinto.”

“Você tem de decidir o que é mais importante. Quer sentir o que é bom e aproveitar as coisas boas, mas também sentir o mal e arriscar estragar sua carreira por não conseguir lidar com o que é mal? Ou não quer sentir o mal e quer fazer a carreira seguir em frente, mas sem ser capaz de sentir o bem também? Se eu me permitir sentir e processar e entender tudo o que aconteceu comigo nos últimos dois anos, vou entrar em combustão.”

No mínimo, Halsey e seus questionamentos parecem ser de verdade. “Não sou boba”, já tinha dito. “Sei que as pessoas podem me esquecer muito facilmente.” Ela sai para fumar. Seu voo parte daqui a menos de duas horas, levando-a de volta para sua nova casa onde, segundo ela me contou: “Acordo, vou para a cozinha e há gente na piscina, ou alguém ouve música alto porque está tomando banho, ou alguém está preparando ovos e eu só...” Dá um suspiro profundo. “Consegui. Eu as trouxe comigo. Estou bem e não estou sozinha. Entende?”

Halsey dá uma tragada. “Espero não ter sido horrorosa hoje”, diz, suspirando. Ela me dá um abraço rápido e coloca os óculos de sol. Então, é levada para uma SUV preta que pega a estrada e desaparece. Por enquanto, parece, não há mais nada a dizer.

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