Buscando um equilíbrio dentro de sua anarquia pessoal, Otto aproveita nova fase na música para aniquilar fantasmas do passado
Tiago Agostini Publicado em 13/12/2012, às 16h14 - Atualizado às 16h16
Otto está em pé no centro do estúdio, de frente para os músicos de sua Jambro Band, irrequieto, mas sem se mexer. Vestindo calça preta, uma camisa de manga longa escura e botas, o cantor permanece com o semblante sério, quase preocupado – uma imagem não muito usual. O Otto que o público conhece é o de cima do palco, que se mexe o tempo inteiro e exala simpatia em suas falas. O ensaio para o show de lançamento do disco The Moon 1111, em São Paulo, dali a duas semanas, está empacado: os músicos não conseguem acertar um detalhe após o segundo refrão da faixa “Ela Falava”. Impaciente, o cantor mira o lado esquerdo, onde estão os percussionistas – percussionista de formação, Otto possui uma ligação quase natural com eles, e o entendimento ocorre apenas pelo olhar.
Otto sai do estúdio por cerca de dez minutos, enquanto Fernando Catatau, na guitarra, e Ryan Batista, no baixo, ambos do Cidadão Instigado, ajeitam a virada após ouvirem três vezes a versão gravada da música. O líder retorna, visivelmente mais relaxado de seu passeio e com um sorriso no rosto. Assumindo o microfone, agora é ele quem comanda os movimentos do ensaio, pedindo mais alegria na execução da música, finalmente se soltando como se estivesse no palco. Desta vez a banda acerta tudo logo na segunda tentativa, e Otto, satisfeito e orgulhoso, me olha no canto do estúdio, tal qual um mágico que conta seu segredo: “Faço música para dançar”.
Após tempos difíceis antes do disco anterior, Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos (2009), quando acabou o casamento com a atriz Alessandra Negrini e viu a mãe morrer, Otto desfruta de um período de reconhecimento como nunca teve antes, o qual atribui, em boa parte, a seus fãs. “Tenho quatro capitais, Recife, Salvador, São Paulo e Rio, onde tenho uma proteção de público muito grande, de me apoiar em qualquer momento, em qualquer local que eu faça show”, analisa. Faz sentido: no dia do lançamento de The Moon 1111, a administração da Praça Victor Civita, com capacidade para 2 mil pessoas, foi obrigada a abrir os portões mesmo após esse número ser atingido, pois centenas batiam na cerca pedindo para entrar.
Nem sempre foi assim, porém. The Moon 1111, sexto álbum da carreira, é o primeiro trabalho de Otto após uma espécie de novo começo pelo qual o cantor passou com o álbum anterior. “Renascimento não, porque eu nunca morri”, pontua ele sobre as experiências recentes. “O Certa Manhã foi um para-choque que eu coloquei para derrubar barreira. Tinha tudo isso, mãe morta, casamento desfeito, descrença. Mas vencemos.” Ele reflete sobre o sucesso do disco e da turnê que se seguiu. “Certa Manhã não é bonito porque puxei dos meus problemas, e sim porque sou eu e a multidão. Essa dor não é só minha.”
Na primeira vez em que nos encontramos, no escritório de sua empresária, há cerca de um ano, Otto está sério. Atrasado, devido, segundo ele, ao trânsito de São Paulo, o cantor estampa no rosto as marcas de quem teve uma longa noite, no Video Music Brasil 2011, que havia acorrido no dia anterior. Ao final da entrevista, brinca ao ver uma foto dele entrando em um táxi com a ex, a atriz Mayana Moura, publicada em um portal de notícias: “Vixe, vou ter que me explicar com a namorada”.
A conversa começa na defensiva. Otto dá pequenas batidas com a mão fechada na grande mesa de madeira protegida por um guarda-sol. “Hoje eu tenho medo de imprensa, já fui muito machucado por um monte de coisa da época da Alessandra”, revela. As questões dele com a imprensa não têm nada a ver com a música. “Problema é quando você tem uma mulher relevante e as pessoas vão te atacar por uma coisa que talvez seja o ibope da novela da Globo”, afirma, sem esconder a mágoa. “No final, prejudicou minha música, porque eu não era mais o cantor, era o marido da atriz.”
Não é fácil acompanhar o raciocínio de Otto. Assim como nos shows, ele nem sempre termina a frase que começou. “Sabe como é?” e “entendeu?” são expressões repetidas várias vezes. “Eu sou caótico”, admite, sem constrangimento. “Eu não sei esperar o troco pra R$ 50 no táxi, prefiro deixar pro motorista.” Segundo a empresária, Otto gosta do caos porque ele gera certa adrenalina. Ele tem uma explicação diferente. “Existe uma coisa chamada barómetro pessoal. Gengis Khan tinha, Baudelaire tinha, é algo muito constante na literatura. São pessoas que, através da loucura, de fumar [maconha], principalmente fumar, conseguem clareza”, teoriza. “Eu gosto de entrar no palco e tomar minha dose de uísque, fumar meu baseado, gosto de dormir e de andar à noite.”
Otto também se apoia em elementos da religião. Apesar de se declarar católico “porque estudei em colégio Salesiano”, ele tem uma ligação forte com o candomblé. “Você precisa gostar de algumas coisas para viver. Não é à toa que, quando dá uma merda, as pessoas rezam uma ‘Ave Maria’”, diz. A ligação maior com o candomblé vem, segundo ele, da experiência como percussionista. “Não gosto de religião que não dança, não celebra. O candomblé é mais objetivo, mais intenso, como eu. Tenho meus guerreiros e conheço mães de santo inteligentíssimas. Eles me dão essas defesas”, explica, antes de colocar o seu próprio papel dentro da religião. “Acho que sou um diplomata, um embaixador dessa cultura.”
Se Certa Manhã era um disco recheado de temas pessoais e fortes, The Moon 1111 chega com assuntos mais triviais, mesmo que ainda falando de “amores contemporâneos”, como Otto gosta de definir. “A Noite Mais Linda do Mundo”, regravação de Odair José, desempenha importante papel nesta representação moderna e cheia de liberdade dos sentimentos que o cantor quer expor no álbum. “O amor hoje é no Facebook, mensagem de texto. A gente não sabe se vai ser feliz ou não.” Tudo partindo de uma ótica extremamente masculina. “Minha música é hétero, mas um hétero moderno. Ou o macho toma seu lugar no mundo ou estamos perdidos. Mas ser macho não tem a ver com machismo, é trocar a luz, o pneu, gostar de verdade de uma mulher.”
Em alguns momentos, o discurso parece o de um cavaleiro solitário que luta contra o mundo, um Dom Quixote tropical sem um Sancho Pança. “Minha vida foi sempre na tábua do tubarão. Quando joguei bola era branco, todos os apelidos vinham pra mim. Fui tocar pandeiro, neguinho se perguntava o que eu estava fazendo.” Então, pulando de um assunto para o outro, ele se exalta em relação à sua não participação na quarta edição do Rock in Rio. “Eu quero o palcão. Tenho certeza que com Catatau e Pupillo eu ganho a multidão. Não tenho medo. Quer vaiar, vaia, mas me põe no lugar que eu mereço.”
Otto Maximiliano Pereira de Cordeiro Ferreira nasceu em 28 de junho de 1968, em Caruaru, no agreste de Pernambuco, porque em Belo Jardim, onde sua família morava, não existia maternidade. Filho de um promotor público e de uma professora de português, o menino, aos 4 anos, se mudou com a família para Flores, onde ficou até que um foco de meningite atingiu o sertão do estado, em 1975. Mudou-se então para a capital, Recife, de onde não saiu mais. “Nasci no meio do Brasil. A única diferença era que eu era mais branquinho que os outros”, lembra, com um sorriso no rosto. Animado, fala da infância como uma época que marcou muito seu gosto pela cultura brasileira. “Fui criado no folclore, às 5h manhã a gente acordava pra aplaudir as fanfarras. A sorte do interior do Brasil é isso, se você tem algo, além de oferecer e ajudar, você convive com o povo, sente na pele.” Enfrentando a seca nordestina, ele relembra momentos em que a família precisou racionar água, mesmo que tivesse condições financeiras melhores. Para superar as dificuldades, a música era parte essencial. “Eu sou da época em que a música era livre no interior, antes das prateleiras de lojas determinarem o que o povo gosta. Aprendi que o folclore acalanta. Fui criado respeitando a banda de pífano como o elemento que vem para levantar o moral do povo. O cara não tem nada, nem água, mas a banda de pífano está lá.”
Outra lembrança que carrega dessa época no sertão foi do encontro com Luiz Gonzaga, o rei do baião. O pai de Otto era envolvido com política e organizou um comício em Belo Jardim, onde Gonzagão se apresentaria. “Vi ele no palco às 22h, e logo depois me colocaram para dormir”, lembra. Foi na manhã seguinte, porém, que o encontro aconteceu, na casa da família. “Gonzaga estava em um hotel, mas tem essa coisa de interior de trazer a pessoa para tomar café da manhã na sua casa. Meu pai o buscou e, quando acordei, lá estava Gonzaga na mesa de casa. Não dava para acreditar.”
Após chegar em Recife, Otto se lembra de sua vida se resumir a apenas duas coisas: estudar e jogar futebol de salão no Náutico, onde treinou por dez anos. Não que ele gostasse muito da primeira atividade. “Meu pai tinha um amigo que foi assessor do [ex-presidente Ernesto] Geisel, o Paulo. Certa vez ele estava lá em casa e meu pai disse: ‘Olha aqui, Otto, o Paulo era como você, não gostava de ir para a aula. Mas ele leu muito’. Daí pra frente, minha universidade foram os livros.” A falta de gosto pela escola continuou na adolescência, quando ele começou a frequentar a praia de Boa Viagem, na zona sul do Recife. “Aí conheci a maconha e mudou tudo”, diz, soltando uma enorme gargalhada. Após fazer um curso de teatro, em 1989 foi para Paris atrás da professora, uma atriz, e passou dois anos na França, onde aumentou a paixão pela percussão (“desde pequeno eu batucava”) e tocou em bandas muitas vezes em troca apenas de um lugar para morar. Voltou para o Brasil e, depois de tentar se estabelecer no Rio de Janeiro, chegou ao Recife e reencontrou alguns amigos bem na época do surgimento do manguebeat.
Otto tocou percussão nas duas principais bandas do movimento, Nação Zumbi, ainda com Chico Science, e Mundo Livre S/A, com quem gravou os dois primeiros discos, antes de sair em carreira solo e lançar, Samba pra Burro (1998). Apesar de hoje preferir não citar a experiência com as bandas (“senão já colocam o rótulo de mangueboy”, brinca), Otto recorda que o nascimento do manguebeat foi um grande aprendizado para todos que dele participaram. “Se Chico e Fred 04 tivessem tudo montado, eu não estaria aqui. Todo mundo aprendeu junto.” Assim, cada integrante das bandas tinha uma função. Otto aproveitava que sua namorada da época tinha carro e era a pessoa que carregava os instrumentos e pregava cartazes pelas ruas. “Se não tivesse esses malucos para pregar cartaz, fumar, fazer festinha, tirar R$ 200, R$ 100 por noite, talvez hoje eu não fosse nada, apenas um vagabundo”, analisa, com um pouco de melancolia na voz. Para ele, a ingenuidade daqueles jovens, tendo Chico Science como um articulador, fez com que o movimento e as bandas crescessem aos poucos, aprendendo e saindo do amadorismo. “Hoje todo mundo está fazendo arranjos maravilhosos. O movimento é muito mais uma transformação sua, o desconhecido, a gente não sabia o que ia acontecer.”
Reencontro Otto novamente, em um hotel da zona oeste de São Paulo, onde ele está hospedado para os ensaios dos shows de lançamento de The Moon 1111. Passa um pouco das 17h de uma quarta-feira e, apesar do clima frio, próximo dos 10ºC, a porta que dá acesso à varanda do quarto está aberta devido à fumaça no ambiente, mesmo com uma placa de “Proibido Fumar” em cima da mesa. Desta vez, Otto se mostra relaxado logo de cara. Está empolgado com a participação do tecladista Lincoln Olivetti, veterano de gravações com Tim Maia, Roberto Carlos e outros cânones da MPB, na música “Dia Claro”, e exalta seus companheiros de banda. “Eu tenho grandes músicos, não dá para regrar esses caras. Eu gosto de jogar com um ataque fodido.”
Agora, ele também projeta uma carreira nas telas. Atuou em um filme de Ricardo Targino, chamado Quase Samba, e garante que tem ideias para uns “três ou quatro longas”. Também atuou no seriado de soft porn Malícia, exibido pelo canal Multishow nas madrugadas, a convite do diretor Ernesto Solis, amigo dele. “Ele queria que eu fosse um poeta que tivesse um relacionamento com a [ex-BBB] Fani. Foi divertidíssimo”, conta, as risadas ecoando pelo quarto. O ambiente erótico acabou servindo de inspiração, e o cantor conta que pretende fazer alguns clipes em um estilo mais “francês”.
Quatro anos depois de se separar de Alessandra Negrini, Otto mora sozinho no bairro do Flamengo (RJ). “A vida sentimental é assim, a gente viaja, é difícil, tem o assédio”, conta. “É muita solidão às vezes, mas tem o público, o que melhora. Por isso, sempre que posso vou para o meio da plateia.” Certa Manhã trazia uma exposição muito grande dos sentimentos do cantor, mas ele parece ter curado as feridas da relação com a atriz. Uma das preocupações constantes é a filha fruto do relacionamento, Betina, 8 anos, que ele vê a cada 15 dias. “O trabalho está legal, já dá condição de ser pai. Teve momentos no outro disco em que eu não conseguia, porque tava fodidão”, relembra sobre os tempos de penúria. “Mas, como eu tenho uma ex-mulher que sabe das dificuldades da profissão, ela esperou um pouco. A gente discute e diverge como todo ex-casal, mas sabe que vai viver a vida em torno da Betina. Ela sabe que pode contar comigo. Por isso eu disse pra ela: ‘Meu caos venceu!’”
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