P&R - Marcelo Yuka

Artista volta à música, sempre na busca constante pelo ativismo por meio da cultura

Gabriel Louback

Publicado em 16/06/2011, às 10h40 - Atualizado em 30/11/2012, às 19h16
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- PAULO GOUVEIA/DIVULGAÇÃO

A história já é conhecida: novembro de 2000, um assalto, nove tiros. Marcelo Yuka, então baterista e principal compositor da banda O Rappa, sobreviveu ao episódio e ficou paraplégico, tendo deixado a banda pouco tempo depois. Depois de um período recluso e longe da mídia, o músico e ativista retornou ao trabalho com o F.U.R.T.O, com apenas um disco, lançado em 2005. Agora, ele passa por uma nova fase: o discurso, sempre politizado, vem carregado de esperança. Yuka atualmente trabalha em um álbum com o produtor Apollo 9 (as cantoras Céu e Cibelle estão entre as participações especiais), além de produzir o Mestiço, segundo ele, um projeto de "eletro-indígena-hardcore". A estrada também volta aos planos - ele se apresentou na Virada Cultural, em São Paulo, e subirá aos palcos do festival Black na Cena e do Rock in Rio. Mas conversar com Marcelo Yuka vai muito além da música: "Hoje sei que, em algum lugar, tem alguém querendo ouvir o que tenho pra dizer".

Você foi assaltado três vezes depois de ter sido baleado. Acredita em coincidência?

Em uma dessas vezes, me tiraram do carro e me jogaram no chão. Pensei: "Se aconteceu de novo, é porque minha rota é essa". Não era uma coincidência. Eu poderia ter 500 respostas para o que aconteceu comigo: religiosas, filosóficas, sociais... Mas, se foi um imprevisto, por mais que seja doloroso, está dentro do grande benefício que é dar um passo no escuro na vida. Naquele dia, eu podia ter conhecido a mulher da minha vida. [Em vez disso] tomei tiro. Prefiro saber que posso virar uma curva e ter a possibilidade de tomar tiro ou achar a mulher da minha vida do que ter a certeza de que só vou encontrar a mulher da minha vida. Hoje sei que, em algum lugar, tem alguém querendo ouvir o que tenho pra dizer, não só pela coisa trágica, mas porque consigo refletir sobre algo que a sociedade precisa.

Confira trechos inéditos da entrevista com Marcelo Yuka, não publicados na edição impressa.

Então "o próximo" é a sua causa?

A gente tem que ver isso como uma atitude de cidadão moderno, não uma atitude heroica. Um país em que homossexual ganha porrada na rua não é justo, não importa minha religião, se sou hetero ou não. Existe a imagem de que o erro social é uma coisa enorme. Mas, se ele é grande, ele tem as pernas finas e, devagarzinho, a gente derruba ele.

Você acredita que a sociedade no Rio de Janeiro é influenciada pela geografia do estado?

Sem dúvida, a geografia favorece a cultura. O cara mora na cobertura em Ipanema. Foi criado ali, joga futebol desde pequeno com o Feijão, favelado. Ali na praia eles estão iguais. Mas, quando entra no carro, para no sinal e o Feijão vem pedir uma grana, ele fecha a janela e desconversa. Por ironia do destino, ele muitas vezes só vai reconhecer o Feijão fora da praia quando o "amigo" estiver no tráfico e ele for lá no morro pegar um papel [gíria para papelote de cocaína]. "Ô, Feijão! Lembra de mim? A gente joga bola desde criança!" Lógico que a geografia faz bem pra cultura. Não é só beleza geográfica, mas a possibilidade do convívio. Mesmo assim, isso não representa a mudança necessária.

Pensando no caso do Morro do Alemão, das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), da paz armada: para você, isso faz sentido?

Não é novidade quando órgãos de repressão propõem a paz armada como solução, mas assusta ver sociólogo falar: "Por que não fizeram isso antes?" Não é um comandante da PM que está falando isso. As pessoas estão sugestionadas a achar que essa é a solução. E o fascismo só se tornou Estado pelo poder da sugestão. Sim, o poder bélico diminuiu. Quase não ouço tiro, e isso é bom - mas o tráfico continua. E a única metade armada, fortemen te armada, é a que está lá para me garantir. Porra, eu não quero ser garantido por um fuzil, amigo! Uma bala é mais cara que um lápis. Cada comunidade é gerenciada por uma autoridade da PM. Isso é tudo o que o Brasil lutou para não ter, administração militar! Por que a favela pode passar por isso agora e os estudantes da Zona Sul, nos anos 70, acharam revoltante? A mesma administração militar diz, por exemplo, que não pode tocar o funk ou que tem que acabar meia-noite. Por que isso, se a Lapa bomba até de manhã? Porra, isso ninguém vê.

E o caso do atirador na escola do Realengo?

Não acho o bairro violento, da maneira como pintam o Rio de forma geral. A solução não é pela força, nunca. Como já falei: tem que ser pacifista. Não entendo por que arma é um motivo de proteção. A estupidez e a loucura se fazem valer pelo acesso à arma. Um outro louco pode ter o mesmo desejo e terá o mesmo acesso, se quiser. Qualquer um de nós pode encostar em um bar e comprar uma arma. Como é que vamos saber quando isso vai explodir? A loucura você não tem como segurar, mas o acesso sim. O fácil acesso à arma é o ato mais violento e louco da sociedade.

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