Chris Pine sabe do peso de levar o Capitão Kirk adiante no aniversário de 50 anos de Star Trek, mas não se incomoda com isso. Ele só quer ser capaz de fazer um bom trabalho
Bruna Veloso Publicado em 20/09/2016, às 12h21 - Atualizado em 16/11/2016, às 19h13
Dois dias após a morte de Prince, Chris Pine entra em um quarto de hotel em Londres cantarolando “Purple Rain”. Mas ele não quer comentar sobre o cantor – e, de início, parece não estar interessado em falar sobre nada além de Star Trek: Sem Fronteiras, terceiro longa da fase atual da franquia cinematográfica (em dois momentos da entrevista, ele se refere a perguntas como estando “além do que sou capaz [de responder]”).
É, a princípio, uma postura não muito simpática, ainda que seja notório que, em eventos de divulgação de filmes, cada vez mais atores estejam fechados a discorrer sobre qualquer tipo de questão que vá além das obras em que atuam. No decorrer da conversa, Pine acaba se soltando (um pouco) – alguns poderiam caracterizá-lo como blasé, mas talvez seja apenas o jeito de alguém que não se vê deslumbrado facilmente.
Atuar, por exemplo, nem sequer era um “plano A” na vida do norte-americano de 36 anos, nascido em Los Angeles. “Não teve um momento-chave. As coisas foram se desenrolando como uma bola de neve”, relembra sobre o mergulho na carreira, que decolou com O Diário da Princesa 2: Casamento Real (2004), ao lado de Anne Hathaway. “Eu não podia fazer esportes, porque não era bom o suficiente. Um amigo meu disse, na época da faculdade: ‘Estamos fazendo uma peça, quer fazer um teste?’ Não era minha paixão. Foi tipo: sou relativamente bom nisso, as pessoas acham que sou bom nisso, então por que não fazer?”
A avó paterna e os pais de Pine trabalharam como atores (o pai, Robert Pine, que estrelou a série CHiPs, ainda atua), mas ninguém na família atingiu o status do rapaz, que se encontrou na pele do capitão James T. Kirk em Star Trek. Apesar de estrelar filmes com grandes orçamentos (Operação Sombra – Jack Ryan, Horas Decisivas), Chris Pine não teve, ao menos por enquanto, outro papel emblemático como o de Kirk.
Sem Fronteiras é o terceiro filme em que ele dá vida ao capitão: antes, vieram Star Trek (2009) e Além da Escuridão: Star Trek (2013). “Não tive muitas dúvidas, olhei para o papel como olharia para qualquer outro. Só comecei a ficar ansioso em relação a interpretar o personagem quando passei a ser questionado por jornalistas em relação a isso”, diz o ator sobre o peso de levar adiante o icônico Kirk, vivido por William Shatner entre 1966 e 1969, na versão original da série televisiva.
No ano em que Star Trek chega às cinco décadas de existência, o novo filme vem com uma carga e tanto: representar e estar à altura de um dos legados mais impressionantes no âmbito da ficção científica e da cultura pop. “Por causa do aniversário, queríamos levantar questões a respeito de aspectos fundamentais do universo de Star Trek: por que a mitologia em
torno da série é tão importante, por que as pessoas se importam tanto com ela. Esse filme é muito sobre a Federação, por que ela existe, para onde está indo, qual o seu propósito”, explica o ator.
Um dos apelos da franquia é, notavelmente, a representação da utopia de seres humanos de diferentes etnias, junto a alienígenas, poderem trabalhar de maneira pacífica e colaborativa. Algo bastante emblemático em tempos de intolerância latente. “Não acho que o mundo esteja pior [hoje do que já esteve]”, diz o ator, ao ser questionado sobre os dias sombrios de ataques terroristas e de pouca empatia em relação ao próximo (é a primeira vez na entrevista em que ele sinaliza que o assunto está além do que estava ali para responder; a segunda foi em resposta a uma pergunta sobre o apoio recebido por Donald Trump na corrida presidencial dos Estados Unidos). “A quantidade de história humana registrada é tão limitada... Parece muito
tempo, mas na realidade é apenas um segundo em relação ao todo. Nesse período do qual temos registro, as pessoas sempre se odiaram, sempre brigaram, se mataram, usaram a religião como motivo para serem xenófobas, racistas, misóginas. Elas sempre foram os mais variados tipos de imbecis. Então, estamos apenas continuando o ciclo de imbecilidade [bate com a palma das mãos nas pernas].
O que é assustador agora é que temos armas para dizimar o planeta, se alguém decidir fazer isso. Mas faz parte de ser humano.” Apesar de relutante em um primeiro momento, ele se prolonga ao detalhar que entende que a arte é uma maneira significativa de tratar de temas como esse. “Como artistas, com coisas como Star Trek, temos a oportunidade de mostrar que podemos nos unir. Um dos momentos favoritos da minha vida foi em um show do U2, em Paris, na França, no Stade de France. Tinha dezenas de milhares de pessoas lá, e vi negros, muçulmanos, e ninguém dava a mínima. É o melhor exemplo que posso encontrar de ver as pessoas esquecendo de tudo. Eram como crianças: ninguém ligava pra com quem o outro transa, quem você odeia, quem você ama, só queriam se divertir. Você escolhe pensar nesses momentos em vez dos demais.”
Star Trek foi trazida de volta aos cinemas por J.J. Abrams, que dirigiu os dois primeiros filmes dessa nova encarnação cinematográfica (Sem Fronteiras tem direção de Justin Lin, da cinessérie Velozes e Furiosos). Abrams agora comanda outro reboot de sucesso: Star Wars, cujo primeiro filme dirigido por ele, Star Wars: O Despertar da Força, estreou em dezembro de 2015.
Star Wars e Star Trek têm menos em comum do que aparentam para os leigos: apesar de mostrarem um tempo em que a vida não se limita à Terra, ambas tratam seus protagonistas de maneira distinta. “Acredito que Star Wars é mais focada nas jornadas dos heróis, e Star Trek tem um aspecto mais social”, diz Chris Pine. “O fundamental em Star Trek é que, em 1966 [quando a série estreou], em um dos momentos mais racistas da história atual, tínhamos um branco, uma negra, um asiático, um russo e um alienígena na ponte de comando. E todas essas pessoas trabalhavam juntas. Então, isso é parte da mitologia de Star Trek: pessoas completamente distintas trabalhando de maneira unida.”
Chris Pine não teve grandes ídolos na adolescência (“Gosto de beisebol, e amava o [jogador] Mickey Mantle, mas era mais porque meu pai o amava”), não tem grandes paixões (as resume na sentença “apenas ser feliz”) e, segundo ele, nem grandes ambições no momento. Um Oscar, por exemplo, não é algo que o seduz. “Seria uma coisa legal de ter, mas eu sei como o meu cérebro funciona: não existe o ‘cheguei lá’. Não tem um montante de dinheiro para eu ganhar, ou uma quantidade de troféus, que seja capaz de me fazer sentir que ‘cheguei lá’”, afirma. “Eu olharia para a estatueta e seria bem legal mas em seguida sentiria: ‘Beleza, e agora, o que vem adiante?’ Eu sei como funciono. Tenho que prestar atenção às minhas experiências fazendo filmes, como posso crescer trabalhando neles. E isso não é falsa humildade: simplesmente me conheço.”
Sem, segundo ele, traçar metas ou planos a serem conquistados, Pine tem estado próximo de uma carreira musical. “A música tem feito cada vez mais parte da minha vida com o passar do tempo, então vamos ver o que acontece”, diz. Por enquanto, aconteceu uma parceria com Barbra Streisand no recém-lançado Encore: Movie Partners Sing Broadway, em que ela convida atores para duetos em temas da Broadway. Pine é ouvido na dobradinha “I’ll Be Seeing You/ I’ve Grown Accustomed to Her Face”, dos musicais Right This Way e My Fair Lady, respectivamente.
Já quando é apenas ouvinte, o artista tem preferido temas instrumentais. “O som para o qual sempre acabo voltando é o jazz, e tenho ouvido música clássica e ópera. Gosto de escutar música que me motiva e me estimula, mas se tem letra e é num idioma que eu entendo meu cérebro meio que se prende a isso. Eu não consigo ouvir Bob Dylan de maneira casual. Eu tenho que ouvir e prestar atenção ao que o Dylan está dizendo. É o tipo de som que não dá para ser apenas música de fundo.”
Pine tem um estúdio na casa onde vive, em Los Angeles, e sempre costuma levar o violão consigo quando viaja. Compõe algo aqui e ali, gravando no celular. É uma das principais funções qu o aparelho tem na vida do ator, já que ele se mantém avesso a redes sociais. “Não sei se, pra mim, estar o tempo todo conectado é algo bom. Acho muito invasivo. E é como se fosse uma pequena máquina de ego: parece que se tem notificações é porque gostam de você, se não tem, é porque não gostam.”
Ele não precisa do celular para saber que os fãs fervorosos de Star Trek apreciam o trabalho que tem feito na pele do Capitão Kirk – e provavelmente não se importaria muito se não gostassem, contanto que pudesse continuar fazendo o seu trabalho. Sem grandes paixões, mas sempre de maneira profissional.
CRESCIMENTO PROGRESSIVO
Terceiro filme do reboot se aproxima cada vez mais do espírito original
Os principais ingredientes que fizeram a glória de Star Trek ao longo das décadas foram histórias sólidas e relevantes aliadas a personagens complexos e bem definidos. Em Star Trek: Sem Fronteiras , o terceiro filme do reboot da série, esses elementos se unem com força e propriedade. No longa comandado por Justin Lin, a USS Enterprise é quase destruída depois de ir parar em um planeta hostil. Os membros da tripulação se separam e tentam sobreviver. Cabe ao Capitão Kirk (Chris Pine) a missão de reunir os amigos e tentar deter Krall (Idris Elba), um renegado membro da Federação que quer destruir Yorktown, uma Nova York
futurista. Com um elenco cada vez mais entrosado, Sem Fronteiras é ainda mais elaborado do que Star Trek (2009) e Além da Escuridão: Star Trek (2013). E se aproxima muito da dinâmica da série original criada por Gene Roddenberry. O longa ainda homenageia de forma tocante Leonard Nimoy (o Spock original) e Anton Yelchin (que vivia o segundo-tenente Pavel Chekov nos filmes atuais), ambos mortos recentemente.
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