Mas será que trocar o sistema de governo – e sem consultar o povo – é a solução?
Aline Oliveira Publicado em 12/10/2017, às 10h03
Aconteceu de novo: o parlamentarismo voltou ao debate. O sistema – no qual o Legislativo elege um primeiro-ministro para ser chefe de governo – foi adotado pela segunda vez no Brasil em 1961, com a crise instaurada após a renúncia do presidente Jânio Quadros (a primeira foi no século 19, entre 1847 e 1889). Naquela ocasião, vigorou por dois anos: Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima ocuparam o cargo de primeiro-ministro. A volta ao presidencialismo em território nacional se deu em 1963, após decisão da população por meio de um plebiscito.
Uma segunda consulta pública para eleger o regime de representação foi realizada em 1993. Sessenta e sete milhões de eleitores foram às urnas para escolher entre monarquia, parlamentarismo e presidencialismo, sistema vencedor e vigente. “A questão do parlamentarismo é antiga. E ela entra em pauta toda vez que há uma grande crise política. O brasileiro tem essa mentalidade de sempre achar que o sistema político não funciona”, avalia Jaqueline Porto Zulini, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
Atualmente, a receita do bolo da instabilidade política tem, entre diversos ingredientes, o impeachment da petista Dilma Rousseff; as investigações e as condenações da Operação Lava-Jato; mais de 13 milhões de pessoas sem emprego (segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE); denúncia contra integrantes do governo de Michel Temer, que obrigaram nomes de peso a deixar cargos, entre eles Romero Jucá (ex-ministro do Planejamento/PMDB), Geddel Vieira Lima (ex-ministro da Secretaria de Governo/PMDB) e Fabiano Silveira (ex-ministro da Transparência, Fiscalização e Controle); o vazamento de gravações feitas pelo empresário Joesley Batista, dono da JBS, envolvendo Temer; e a recente decisão da Câmara dos Deputados de não autorizar o prosseguimento da denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) contra o presidente.
Para Wagner Romão, cientista político e professor da Unicamp, “como em 1961, [o parlamentarismo] se coloca em meio à instabilidade política que tenta se construir no Brasil há muitas décadas. Neste momento, acredito que a proposta vem, talvez, consolidar o processo de fortalecimento dos setores mais conservadores da política brasileira”.
No time dos defensores do sistema estão integrantes do PSDB. O senador Tasso Jereissati (CE), presidente interino do partido, declarou, em 24 de agosto de 2017, após reunião com tucanos, que o sistema “é a bandeira oficial” do partido. “Mas não para agora, nas eleições de 2018, e sim como sistema definitivo a partir de 2022.” Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, publicada em 20 de agosto de 2017, o senador José Serra defendeu “que se aprove, neste ano ou no começo do próximo, a adoção do parlamentarismo no Brasil a partir de 2023”. Para o tucano, ainda de acordo com a entrevista ao jornal, “no Brasil, o presidencialismo tem sido um fracasso histórico. Temos sete presidentes que não terminaram o mandato, desde Getúlio Vargas, que se deu um tiro, até Dilma. Em todos os casos houve uma grande crise. No parlamentarismo, a troca de governo é uma solução. No presidencialismo, é uma crise”.
Segundo Fernando Schüler, cientista político do Insper, “o parlamentarismo se diferencia do presidencialismo porque produz maior flexibilidade à solução de crises e é mais sensível às variáveis que afetam o governo, o que permite ter uma resposta mais rápida à perda de condições de governabilidade”. Embora faça questão de frisar que é difícil “traçar uma régua e dizer quais são os melhores e os piores sistemas de governo, pois o que pode dar certo em um país pode não servir para outro”, o professor Michael Mohallem, da FGV Direito Rio, concorda que, em tese, um dos pontos positivos do parlamentarismo são as “respostas rápidas que as pessoas podem ter em relação aos governos”. Se, por um lado, o governo da ex-presidente Dilma apresentava problemas, ele complementa, “tais motivações não eram adequadas para um impeachment. No entanto, a queda seria mais natural no parlamentarismo”.
Há quatro propostas de emenda à Constituição em tramitação no Congresso visando a implantação do parlamentarismo. Uma delas foi apresentada em março de 2016 pelo atual ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes (PSDB-SP) e prevê o governo sendo chefiado por um primeiro-ministro, indicado pela maioria da Câmara dos Deputados, enquanto o presidente da República, eleito pelo voto popular, seria o chefe de Estado (geralmente uma figura sem poderes administrativos). Em declaração ao jornal Folha de S.Paulo à época da apresentação da PEC, Nunes afirmou ser “parlamentarista da vida inteira, não de circunstância”.
Outra proposta, apresentada pelo senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) em 2015, propõe o semipresidencialismo, um híbrido entre parlamentarismo e presidencialismo. De acordo com o texto da proposta, nesse sistema o presidente da República “divide com o Parlamento os poderes de comando geral da nação, especialmente quanto à formação e à sustentação do governo, que é chefiado pelo primeiro-ministro. É considerado um sistema de matriz parlamentarista, em que há responsabilidade política direta do governo perante o Parlamento e, inversamente, do Parlamento perante o governo. Assim como no presidencialismo, porém, o presidente da República, chefe de Estado, é eleito diretamente pelo povo e detém poderes efetivos de participação nas questões políticas e governamentais”. Ao apoiar o modelo, Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo, em 23 de agosto, que “os presidentes são cada vez mais ‘Câmara-dependentes’, ‘Congresso-dependentes’. Então, é preciso que a gente separe as coisas de Estado das coisas de governo. E por isso me parece que um semipresidencialismo seria um caminho. Que combinasse essa estrutura antiga do nosso modelo presidencial com o parlamentarismo. Que permitisse que as questões de governo ficassem entregues a um primeiro-ministro”.
Apesar de a discussão sobre a mudança de sistema de governo estar a todo vapor na classe política, um levantamento feito pelo Instituto Paraná Pesquisas e divulgado em agosto mostrou que 59,6% dos brasileiros não sabem o que é o sistema parlamentarista. “Não é só no Brasil que as pessoas têm se desinteressado por política, e não acho o fato de os brasileiros não saberem o que é parlamentarismo um problema completo, porque, no fundo, quem reforma as instituições são os políticos, pois estamos em um pacto republicano. Ou seja, você elege os seus representantes e eles têm autonomia para tomar as decisões”, pondera a pesquisadora Jaqueline Porto Zulini, do Cebrap. Para Michael Mohallem, da FGV Direito Rio, “essa instabilidade na política gera desilusão das pessoas. Elas querem mudança, mas neste contexto pode ser ruim”.
Os contrários à troca de modelo criticam a ideia de ela ser feita sem consulta à população, lembrando que em 1963 e 1993 os eleitores rejeitaram a proposta. “Uma emenda do jeito que está sendo posta, sem uma consulta à população, é gravíssima. Acredito que tende a piorar a situação de desconexão entre a sociedade e o Parlamento”, opina Wagner Romão, professor da Unicamp. Em entrevista à GloboNews em 20 de julho, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) declarou que “não dá para adotar parlamentarismo sem ouvir a população. Se a população quiser, é uma coisa – ainda assim, discutível”. Ele prosseguiu: “[Adotar o sistema] sem consultar, em função de uma crise que foi criada pela própria classe política que levou o país à bancarrota? Não me parece procedente”. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou, em entrevista à rádio Gazeta, em Maceió, que “aqueles que estão defendendo o parlamentarismo na verdade estão defendendo um rearranjo político para ver se se perpetuam no poder. Nós hoje não temos semipresidencialismo, semiparlamentarismo. Na verdade, hoje não temos governo”.
Segundo os entrevistados para esta reportagem, mudar o sistema para amenizar os efeitos da crise é um equívoco. “Independentemente disso, precisamos estar atentos em como a classe política considera as reais demandas da sociedade e ao fato de que a democracia, independentemente do caminho que a gente percorra para alcançá-la, é o que, de fato, importa”, opina Paulo Silvino Ribeiro, professor de sociologia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).
“Antes de pensar em forma de governo, precisamos de uma reforma eleitoral capaz de fortalecer nossos partidos. O parlamentarismo só funciona com partidos fortes e nós não temos isso”, complementa Jaqueline Porto Zulini, do Cebrap.
Até o fechamento desta edição, o plenário da Câmara dos Deputados não havia chegado a um consenso sobre os pontos da reforma política, tendo adiado o debate mais uma vez. Entre os pontos da reforma estão o financiamento das campanhas (em tópico que discute a criação de um segundo fundo público); as coligações partidárias; se haverá restrições aos chamados partidos nanicos e a possível diminuição da quantidade de legendas; as indicações políticas e o sistema eleitoral, no qual o foco é o modelo chamado de “distritão”, em que apenas vereadores e deputados mais votados são eleitos (hoje, podem ser eleitos com poucos votos se outros nomes da mesma sigla tiverem arrebanhado muitos eleitores).
Ao comparar a realidade brasileira à realidade de países que adotam o sistema parlamentarista, como Alemanha e Inglaterra, a diferença é gritante. “Os países que não são bipartidários, e que adotam o parlamentarismo, têm, no máximo, quatro partidos”, explica a pesquisadora Jaqueline. Paulo Silvino Ribeiro, da FESPSP, reforça: “Não tenha dúvida de que o nosso parlamentarismo, se um dia acontecer, jamais será igual ao que se tem na Alemanha, na Inglaterra, porque aqui a ideia de Estado-Nação e o espírito republicano são superficiais”.
A dúvida sobre a real intenção da classe política com a sugestão, cada vez mais intensa, do parlamentarismo, paira sobre os pesquisadores. “O problema no Brasil é que para o parlamentarismo funcionar tem de ser ‘de cabo a rabo’, nos âmbitos estadual e municipal, e jamais vão aceitar isso”, opina o brasilianista e professor da UnB David Fleischer.
Já para o analista político Marcos Verlaine, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), o fato de esse debate ser levantado no contexto de crise parece “uma tentativa de apagar um incêndio, portanto não resolverá o problema das deficiências do sistema político-eleitoral brasileiro”. O parlamentarismo, de acordo com Fernando Schüler, “está longe de ser uma solução mágica para o caso brasileiro. Se for implementado antes de um conjunto de reformas, o modelo será ruinoso”. Paulo Silvino Ribeiro defende que Estado, instituições democráticas e mídia precisam dialogar com a sociedade a fim de qualificar o discurso a respeito do tema e sair “dessa visão rasa e maniqueísta de direita e de esquerda. Isso é contraproducente para a democracia e se nós não mudarmos a percepção que as pessoas têm sobre política, se o debate não for qualificado, não vai adiantar nenhuma mudança no sistema de governo”.
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