Quebrando tabus e levantando debates, George Michael ajudou a definir o som da década de 1980
Paulo Cavalcanti
Publicado em 12/01/2017, às 00h13 - Atualizado em 27/01/2017, às 21h16Em 1984, 20 anos depois da chamada invasão britânica – que levou às paradas dos Estados Unidos Beatles, Rolling Stones e outros –, os ingleses novamente espalharam sua música mundo afora. Desta vez, os protagonistas eram nomes como Wham!, Duran Duran, Culture Club e The Police, que aproveitavam o boom da MTV para vender a imagem de ícones da new wave por meio de clipes muito bem produzidos. De cara, o Wham! sobressaiu. George Michael e Andrew Ridgeley eram dois vistosos rapazes ingleses que não estavam nem um pouco interessados na angústia do pós-punk. Eles queriam reviver o som dançante da gravadora Motown, aparecer nas capas de revista e ser cobiçados pelas garotas. Hoje, é curioso lembrar desses tempos ingênuos de George Michael no Wham! e depois ver como seguiu a carreira dele.
Georgios Kyriacos Panayiotou nasceu em Londres, no dia 25 de junho de 1963, e morreu enquanto dormia no dia 25 de dezembro de 2016, em decorrência de problemas cardíacos. Ele estava na casa em que morava, em Goring-on-Thames, na região de Reading, Inglaterra. No começo da década de 1980, Michael era o arquétipo do astro pop. Para alguns detratores, fazia música “descartável”. Pete Burns, do Dead or Alive, falecido no último mês de outubro, na época ironizou o Wham!: “Eles são dois anúncios ambulantes de pasta de dente com um microfone, não são?” Mas Michael viria a provar que sua música tinha alma.
A dupla dominou as paradas até metade dos anos 1980 com hits que alcançaram as rádios do mundo todo – “Wake Me Up Before You Go- -Go”, “Careless Whisper”, “Freedom”, “Everything She Wants”, “I’m Your Man”. George Michael era o verdadeiro astro da dupla e, em meados da década, começou a preparar a carreira solo. Foi um verdadeiro acontecimento. Ele estreou em 1987 com Faith, disco que não deixou espaço para a concorrência. Foram 25 milhões de cópias vendidas. Canções como “Faith”, “Father Figure” e “I Want You Sex” tocaram à exaustão. Sensual, sexual, dançante, hedonista e hipnótica, a música de Michael celebrava a vida e as diversas facetas do amor, mas também tinha melancolia e uma percepção da mortalidade, uma sensação de que nada era duradouro. Faith era uma poderosa declaração de um artista que começava a quebrar as barras da gaiola em que se encontrava.
Rivalizando com Michael Jackson, George Michael era, naquele momento, um dos maiores astros pop do planeta. E ele tinha uma personalidade complexa: suas motivações e interesses iam muito além de bancar a celebridade perfeita. Talvez exista algum significado mais amplo no fato de ele ter morrido no mesmo ano em que também se foram David Bowie e Prince. Os três redefiniram as regras musicais e comportamentais nos anos 1980, lidando explicitamente com a sexualidade na música que faziam e desafiando convenções de gênero e de orientação sexual.
No auge do estrelato do Wham!, George Michael saía com garotas. Levou um bom tempo para ele se assumir homossexual. Nos álbuns Faith e Listen without Prejudice Vol. 1. (1990), ele já dava dicas sobre sua sexualidade, mas ainda não havia “saído do armário”. Em 1998, foi acusado de atentado ao pudor por manter relações com outro homem em um banheiro público em Beverly Hills, na região de Los Angeles. Foi exposto e humilhado pela mídia conservadora. Michael não se intimidou: transformou o episódio em arte e mostrou o dedo do meio aos hipócritas e moralistas na canção e no vídeo de “Outside”. No clipe, ele reproduziu o incidente do banheiro e mostrou dois homens policiais se beijando. Se antes ele era um ícone gay de forma velada, posteriormente se transformou em um combativo defensor dos direitos das minorias.
Em 1994, George Michael processou a Sony Music, em um imbróglio desgastante e bem documentado. O artista alegava que a gravadora não havia promovido Listen without Prejudice Vol. 1. adequadamente, e que o contrato dele com a empresa se assemelhava a “escravidão”. Michael foi derrotado nos tribunais depois de um processo que se arrastou por anos. A briga na Justiça acabou com as energias dele; o artista foi perdendo o interesse na carreira. Além disso, o panorama musical também mudava. Ainda assim, ele mantinha algum fôlego criativo. O melancólico Older (1996), que saiu pela gravadora Virgin, foi um tributo a Anselmo Feleppa, estilista brasileiro (que namorou Michael e morreu em 1993 vitimado por complicações causadas pelo HIV). Os dois se conheceram em 1991, quando Michael veio ao Brasil para se apresentar no Rock in Rio. Em 1999, ele revelou seu lado de cantor de jazz ao gravar Songs from the Last Century. Seu último trabalho de estúdio foi Patience (2004).
Em Listen without Prejudice Vol. 1., George Michael deixou a mensagem de que as pessoas deveriam ouvir sua música “sem preconceito”. É o que importa agora. No dia seguinte à morte do artista, diversas instituições e pessoas que cruzaram o caminho dele revelaram histórias de caridade, serviços voluntários e outros atos de bondade que Michael nunca fez questão de alardear. A única coisa que ele queria exibir era seu trabalho. E é principalmente por isso que ele deve ser lembrado: um artista dono de uma imagem poderosa e de uma voz expressiva e elástica, que ajudou a representar toda uma era do pop.