Fazendo um escravo em busca de justiça, ele buscou referências em experiências pessoais
Pablo Miyazawa Publicado em 09/01/2013, às 17h24 - Atualizado em 21/01/2013, às 12h58
"Rio, Rio!" Sussurrando, Jamie Foxx canta e relembra o tema da animação Rio (da qual participou como dublador), ao saber que a próxima entrevista seria para a Rolling Stone Brasil. Bocejando sem parar, o ator de 45 anos está enterrado em uma poltrona de uma suite em Los Angeles, mas nega estar cansado. No novo filme de Quentin Tarantino, Django Livre, Foxx é o protagonista, um ex-escravo que se une a um caçador de recompensas (Christoph Waltz) para tentar reencontrar a esposa – não sem antes espalhar sangue e colecionar desafetos. “Nunca houve uma situação em minha vida em que a raça não fosse levada em consideração – para o bem ou para o mal”, ele diz, com a voz baixa. “Isso foi algo que eu quis levar para o personagem.”
Qual foi sua impressão ao ler o roteiro de Django Livre pela primeira vez?
Incrível. Eu soube do projeto depois de todo mundo. O roteiro estava flutuando por L.A., todo mundo comentando. Quando o li, foi aquela coisa: “Fantástico!” O arrojo do Quentin Tarantino é algo maravilhoso. Pensei, se eu tiver de fazer um filme sobre escravidão, então ele deve ser assim – precisa destroçar você, arrancar seus braços fora. O que curti mesmo nele foi a história de amor. Basicamente, Django só quer estar com a mulher que ama. Ele não quer resolver a questão da escravidão, só quer a mulher dele de volta.
Filmar com Tarantino foi o que você imaginava?
Sabia que seria fantástico, um desafio incrível. E, como ele tem uma grande presença, há horas em que você fica intimidado. O que descobri é que eu sempre podia ser honesto e dizer o quanto eu tinha gostado de algo ou se queria fazer isso ou aquilo. E ele sempre foi aberto a ouvir, divertido. Estávamos lá fazendo uma cena difícil, daí ele contava uma piada e todo mundo chorava de rir. Eu dizia: “Cara, você não tira folga quando o assunto é ser engraçado”. Cada diretor tem algo diferente a oferecer. E as diferenças dele, no caso, são fantásticas.
Ficou incomodado ao fazer as cenas violentas?
Eu não pensava assim. Quando se está lá, é tudo uma questão de ação e reação. Algo terrível acontece com Django, ele reage e se vinga. Na hora, você nem percebe – é tudo divertido, tem o sangue de Tarantino. Durante a filmagem, alguém gritava: “Tragam o sangue de Quentin Tarantino!” Mas sei o que quer dizer. Há violência no filme. A escravidão era violenta. E acho que não açucarar a coisa e retratá-la do jeito real é a única maneira de lidar com isso.
Django é um ex-escravo que não relaxa nunca. Mas ele tem lá seus momentos engraçados.
Bem, ele não está necessariamente no clima para dar risada [risos]. Não é muito a dele agora. E nem deveria, passou por muita coisa e está tentando se acertar. Como ele mesmo diz em certa cena: “Tudo o que conheci na vida foi dor. Dor, durante toda a minha maldita vida”. E, você sabe, quando o cara só passou por coisas doloridas, não há espaço para sorrisos.
Conseguiu colocar sentimentos pessoais nele?
Eu vim do sul [Texas]. E às vezes o sul pode ser um lugar racialmente carregado. Já tive experiências com racismo. Não é que todas as pessoas do sul sejam racistas, mas há situações em que isso pode surgir. E já aconteceu comigo, então disse ao Quentin que utilizaria isso no papel. Porque quando se é tratado de acordo com a raça durante toda a infância, ao chegar aos 18 você pensa assim o tempo todo. Isso sempre foi uma questão. Sempre houve um componente racial quando se fala sobre a escravidão, porque a construção dela foi baseada no seguinte fato: minha pele é mais escura, portanto, eu sou um escravo.
A conexão emocional deve ter sido inevitável.
Sim. Olha, cara, escravidão foi um negócio sério, e nem foi há tanto tempo. A coisa toda, o jeito como foi desenvolvida, de impedirem a pessoa de saber quem foram o pai e a mãe... Foi um tempo muito duro. E, claro, há um pouco de satisfação quando se vê Django reencontrando a mulher, o mocinho matando o bandido...
Qual o conselho que Tarantino lhe deu para construir o personagem?
O que ele me disse foi para eu “perder o Jamie Foxx em mim” e me tornar o personagem para valer. Me libertar do “hoje”, voltar àquele tempo e me colocar naquela situação em que você não sabe de nada e só quer entender as coisas. Foi o melhor conselho que ele poderia dar, porque eu estava tentando trazer minha integridade ao personagem, mas Django não havia chegado lá ainda.
Foi assim quando você fez o Ray Charles em Ray?
Sim, a mesma coisa. Me despir daquilo e voltar para aquele tempo. Foi assim em Colateral. O [diretor] Michael Mann me disse: “Esse não é o Tom Cruise no banco de trás do seu carro. É só um cara qualquer com quem você não se importa. Você só quer voltar para casa”.
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