(Em sentido horário) Cynthia Luz, Hungria, Emmanuel Zunz (fundador da ONErpm), Gustavo Mioto, MC Loma e As Gêmeas Lacração e Gloria Groove - Mauricio Nahas

Última capa: Presente & Futuro da Música

Como um serviço digital lançado no Brasil está revolucionando a carreira de jovens artistas empreendedores

Bruna Veloso Publicado em 11/09/2018, às 11h00

Emmanuel Zunz se auto-descreve como um “músico frustrado”, mas uma batida de olho nos números da empresa ONErpm, que ele criou nos Estados Unidos e lançou no Brasil, é o suficiente para perceber que essa descrição não lhe faz justiça. Ele pode não ter seguido carreira como instrumentista (estudava violão clássico), mas acabou criando um serviço de negócios musicais que cresce no presente e aponta para o futuro no que diz respeito à distribuição digital e ao gerenciamento de carreiras. Zunz, de 45 anos, está longe de ser um “músico frustrado” ou malsucedido, como a expressão dá a entender: ele talvez seja um dos músicos mais prósperos das Américas na atualidade.

É possível que você não o conheça porque, apesar de ser um operário da música, Zunz trabalha nos bastidores. “É muito difícil ser artista. Eu sempre falo que você não pode ter um plano B. Parei de tocar por causa disso, eu tinha um plano B”, conta o francês radicado nos Estados Unidos, com um sotaque bem leve se comparado ao de muitos de seus conterrâneos. “Meu professor de violão me ensinou: ‘Se você consegue pensar em fazer outra coisa, não vai se dar bem na carreira artística’.”

O plano B de Emmanuel Zunz era uma plataforma que coloca todo o poder nas mãos do artista, uma espécie de painel de controle que permite decidir quando e em quais serviços online lançar uma música, checar números de visualizações e dinheiro arrecadado em cada uma dessas plataformas, criar gráficos e realizar pagamentos para parceiros, entre diversas outras possibilidades viabilizadas pela tecnologia. Há também serviços “humanos”, como a criação de planos de marketing personalizados. A empresa, que começou em 2010 com “duas ou três” pessoas, segundo Zunz, hoje conta com 80 funcionários no país, com escritórios em São Paulo e no Rio de Janeiro, além de um estúdio na capital paulista. Nos Estados Unidos, são cinco escritórios (em Los Angeles, São Francisco, Nova York, Miami e Nashville); o grupo também atua na Argentina, México, Colômbia e Jamaica, e tem operações previstas para a Espanha (ainda em 2018) e países da África (em 2019).

Tais números chamam atenção por uma série de fatores – o primeiro deles talvez seja o fato de que Zunz perdeu completamente os US$ 80 mil iniciais que investiu, a partir de um empréstimo, entre 2007 e 2010, quando tentava fazer sua ideia sair do papel.

“Morei no meu escritório no Brooklyn, em Nova York, por dois anos, sem chuveiro e sem cozinha”, relembra o empresário, que depois de uma xícara de café passa a falar mais rápido e com mais entusiasmo. “Eu ia para a academia todo dia só para poder tomar banho. Para mim, vir para o Brasil era um luxo. Pegava um AirBnb legal e passava quatro meses por ano. Voltar para o Brooklyn era um sofrimento.”

A relação de Zunz com o país tropical de Jorge Ben Jor começou em 1993, quando ele decidiu estudar na Universidade de São Paulo (como aluno ouvinte, frequentou aulas de diferentes cursos) e fazer um mochilão pelo país. “Descobri o mundo aqui. O Brasil me deu uma consciência social”, conta. “Eu já tinha visto a pobreza norte-americana, mas ela é diferente da pobreza brasileira. Foi chocante.” Mesmo após a perda dos primeiros investimentos, Zunz persistiu na ideia da ONErpm (sigla para ONE Revolution People’s Music). Quando finalmente chegou à tecnologia que desejava, em parceria com o ex-sócio Matthew Olim, e vendo que não conseguiria se encaixar no mercado norte-americano de música digital, já mais adiantado, decidiu se instalar em terras brasileiras. É aí que começa a história da empresa que, em oito anos, conseguiu deter quase 20% do mercado de música digital no país, fazendo algo entre 30 e 40 lançamentos de peso por semana.

Não é nenhuma novidade que o mercado das gravadoras majors multinacionais passou a capengar à medida que a música digital ganhou espaço. O CD perdeu força enquanto cresciam as vendas de álbuns e faixas avulsas em lojas digitais como iTunes; essas vendas, então, deram lugar a serviços de assinatura (Spotify, Deezer e Apple Music, entre outros). A grande questão é que, acostumadas a modelos de negócios pertencentes ao século passado, as gravadoras tradicionais seguiram batendo cabeça para se manter no modelo “forneço um adiantamento ao artista; em troca, ele me fornece a alma”.

Não é exagero: no auge da indústria fonográfica, contratos chegavam a estipular 97% dos lucros para a gravadora, 3% para o artista. A empresa servia de mãe para os músicos, que, como crianças, eram sustentados pela provedora, mas não sabiam o significado da palavra “independência”.

São outros tempos. Emmanuel Zunz é um self-made man, e é a empreendedores como ele que a ONErpm cede passagem. O artista é responsável por cada etapa do processo – e nesse jogo ganha quem é CEO de si mesmo.

Hungria, Gustavo Mioto, Gloria Groove, Cynthia Luz e MC Loma e As Gêmeas Lacração podem, à primeira vista, ter pouco ou nada em comum. Mas todos possuem o gene do “faça você mesmo”: começaram a compor cedo, lançaram vídeos simples na internet, explodiram em milhões de visualizações e hoje são capazes de decidir todos os passos de suas carreiras. Em comum, além da pouca idade, têm um senso de responsabilidade que espanta: a trajetória musical não é farra, mas um objetivo de vida muito bem traçado por cada um deles.

Entre esses artistas, Gustavo Mioto, de 21 anos, é o único que vem de família abonada – o pai dele, Marcos Mioto, é um importante contratante de shows do meio sertanejo. Nem por isso ele é menos dedicado: aos 6 anos já tocava violão e compôs a primeira faixa aos 10. “Sempre fui fascinado por filmes. Nessa cena, o cara colocou tal melodia para causar um sentimento em mim. Como eu causaria isso em outra pessoa, não mostrando a cena, mas apenas narrando?”, explica sobre o modo como começou a compor. Mioto fala com calma, é direto e apresenta um senso crítico bastante apurado sobre o universo no qual atua. “Sei que a galera espera uma música minha assim: ‘Quero ouvir e quero muito viver o que ele vai falar’. Eu tomo o maior cuidado do que dizer na canção. Tem gente fazendo muita música falando besteira, principalmente no sertanejo”, afirma. “Acho que confundem muito as coisas, pensando que o oposto de música romântica é música bagaceira, e que o oposto de música séria é música descompromissada, tipo: ‘Ah, vamos rimar isso aqui com isso, preciso lançar logo’.”

Mioto, cujas faixas somam mais de 715 milhões de visualizações no YouTube (até o fechamento desta matéria), tem parceria com Anitta (“Coladinha em Mim”, 99 milhões de views), Jorge & Mateus (“Anti-Amor”, 260 milhões) e Maiara & Maraísa (“Mel de Marte”, 40 milhões), para citar alguns. Os contatos adquiridos pelo pai ajudam, porém vale apontar que os primeiros vídeos de seu canal no YouTube são caseiros, mostrando um menino franzino cujo tórax é quase completamente coberto pelo violão. Ter começado tão cedo fez nascer no jovem sertanejo, e em todos esses outros artistas, uma consciência muito clara a respeito do estado atual do mercado da música – especialmente para Mioto, hoje um nome independente, mas que já teve contrato com gravadora. “Você consegue fazer as coisas sem uma grande gravadora. E isso acaba te deixando mais livre. Se eu quiser lançar uma música amanhã, voz e violão, eu posso; se estiver numa grande gravadora, vão marcar para dois meses depois. A gente sentia que queria fazer muito mais, mas não conseguia. Agora somos livres.”

Foi a equipe de Mano Brown que entrou em contato com Gustavo da Hungria Neves, o Hungria, informando que gostaria de promover um encontro entre o lendário MC dos Racionais e o rapper de Brasília (os Racionais, aliás, também trabalham com a ONErpm). “Ele frequenta a minha casa, é tipo um conselheiro. Não tenho como definir a sensação de estar do lado dele… É como estar do lado do Superman, sabe?”, ri. Pode parecer uma fala ingênua, mas, em termos de negócios, Hungria não tem nada de inocente. A assessora de imprensa aponta que acaba de ser lançado o clipe da música “Beijo com Trap”, com 9 milhões de visualizações, e ele prontamente corrige: “Onze milhões; 11 milhões em 11 dias [no momento em que este texto é escrito, são mais de 28 milhões]”.

Hungria cresceu na periferia da Cidade Ocidental, cerca de 50 km distante de Brasília, onde estudava. Apesar das parcas condições financeiras, pôde frequentar a faculdade de administração graças ao avô.

Não se formou, no entanto, e ainda acumulou uma dívida com a instituição de ensino: o dinheiro que lhe era dado para pagar o curso era investido em gravações (ele começou a compor aos 13 anos). Hoje, contabiliza mais de 1,3 bilhão de visualizações de vídeos com suas músicas no YouTube (sem contar vídeos de making of e bastidores). Se as músicas falam na maioria das vezes de amor, sexo e álcool (de maneira suave, se comparadas a canções do dito “funk proibidão”), no discurso, Hungria, de 27 anos, não deixa de citar Deus. “Desde muito pequeno, Deus me tocou com a música”, declara. “Não é falta de humildade, é segurança, é fé. Eu já sabia de tudo que iria acontecer na minha vida. Conseguia fechar os olhos e ver aquele público todo cantando comigo. Cantava ‘agora só vocês’, abria os olhos e lá estava meu quarto vazio [risos].”

O rapper é um típico integrante da Geração Z da música: o que importa é o alcance. “Atualmente, a música atinge lugares em questão de segundos. A gente solta uma faixa hoje e amanhã o pessoal já está cantando no show”, afirma. “A internet ajuda a revelar talentos. Tem amigos meus que eu nunca vi numa emissora de TV, mas que estão lá enchendo casas de show.”

Mioto, Hungria, Gloria Groove, Cynthia Luz e MC Loma e As Gêmeas Lacração não necessariamente acessam eles próprios a plataforma da ONErpm para checar números, mas estão sempre em contato com os membros de suas equipes pessoais que trabalham diretamente com as ferramentas. Além disso, todos eles estiveram à frente das conversas que os levaram a fechar contrato com a companhia. “Fui para o bar tomar uma, e um amigo comentou: ‘Mano, cê viu? O YouTube está dando dinheiro. Tu acha que eu tô tomando uma aqui por quê?’ Foi aí que conversei com meu empresário e marcamos uma reunião com a ONE”, relembra Hungria. Ele é, talvez, o mais ambicioso entre esses empreendedores natos. “Você já viu o Roberto Carlos sair na rua sem parar tudo? Não tem como. Esse é meu objetivo. Hoje, se eu for ao shopping até me reconhecem, mas eu quero parar o shopping todo, quero que tenham que mandar cercar. Quero ter que fazer compra só de madrugada [risos].”

Ele não é, no entanto, mais ambicioso que Emmanuel Zunz. “Em 2016, tínhamos 20 mil contas de artistas brasileiros na plataforma. Hoje, são quase 70 mil contas”, enumera o empresário. “A minha intenção é fazer da ONErpm um modelo duradouro, que evolua com o mercado. O Brasil é um dos países que mais cresceram em volume de streaming de música nos últimos anos, e um dos motivos para isso é o fato de que a ONE estava aqui fazendo o esforço de educar os artistas e o mercado.”

Ainda que sejam as mais inexperientes dentre os artistas entrevistados para esta reportagem, MC Loma e As Gêmeas Lacração têm números igualmente expressivos: são mais de 530 milhões de visualizações no YouTube, 3,4 milhões de audições mensais no Spotify e 4,8 milhões de seguidores no Instagram. As meninas viram a vida mudar na velocidade de um trem-bala: o vídeo simples de “Envolvimento” viralizou em janeiro, rendendo a elas participação em um show de Anitta, regravação do clipe sob tutela de Kondzilla (o midas dos vídeos de funk, cujo canal no YouTube faz parte da network da ONErpm), um contrato com o selo Start Music e mais uma série de vídeos, incluindo parcerias com MC Gui, MC WM e com o trio Os Cretinos. “É tudo do nosso jeito”, afirma Mariely Santos, uma das gêmeas, que completam 19 anos neste mês de agosto. “O selo está lá para dar apoio no que a gente precisa, mas é tudo como a gente quer, porque às vezes as pessoas querem mexer em uns detalhes e não fica com a nossa cara. Nós não sabíamos como trabalhar, mas estamos aprendendo.”

Estar diante do trio é se ver sugada por um divertido redemoinho juvenil, movido pelo igualmente cativante sotaque de Jaboatão dos Guararapes, zona metropolitana de Recife/PE, de onde as meninas saíram há alguns meses para fixar residência em Diadema/SP. As gêmeas nutrem um sentimento de proteção em relação à Paloma, de 15 anos, que sofria um bullying pesado em Jaboatão. Ela já chegou a São Paulo sendo a conhecida MC Loma, voz do maior hit do Carnaval 2018, mas, se alguém mexer com ela, Mirella estará sempre a postos. “Se falarem mal, vou perguntar o motivo. Aqui [no dia a dia] é Paloma, não é MC Loma, não, viu, meu amor? Então, se você falar demais, te ‘derrubo’.”

As vozes das três se sobrepõem ao contar que até pouco tempo atrás vomitavam as tripas a cada viagem de avião; comentar sobre as diferenças entre Recife e São Paulo (“No frio, aqui todo mundo é chique, a gente não, já acorda passando mal”, brinca Mariely); e comentar sobre o nascimento da música “Treme Treme”, composição de Mirella dedicada ao público LGBTQ. “Se tem uma coisa que a gente odeia, é preconceito”, diz Loma. Mirella completa: “Pensamos nos nossos fãs o tempo todo: ‘Vamos aproveitar que estamos na mídia para fazer uma música para eles [fãs gays]’. Se a gente passou o tanto de humilhação que passou, imagina eles, com a maldade do mundo”.

Com uma carreira que não chega nem a um ano, as meninas ainda estão em fase de aprendizagem e amadurecimento. Loma segue como a voz; Mi é a principal compositora; e Ma pretende estudar algo relacionado a administração, para ajudar a gerir os negócios do trio.

Segunda na linha “tempo de carreira”, a mineira Cynthia Luz vivencia um vasto crescimento de suas redes sociais há cerca de um ano. Não mantém, no entanto, um perfil pueril como o de Loma e as Gêmeas. Aos 24 anos, ela canta sobre desilusões amorosas enquanto fuma e bebe uísque no clipe de “Sejas Bem Feliz” (6,3 milhões de views no YouTube). “Isso foi numa semana em que eu não conseguia nem cantar a música, porque começava a chorar. Escolhi gravar e lançar esse clipe na real de como eu estava me sentindo, porque queria que as pessoas valorizassem quem eu sou. Estou chorando mesmo no clipe, não estou atuando”, revela a cantora/rapper.

Cynthia é filha de pastores, tem duas irmãs mais velhas, cresceu no interior de São Paulo e começou a cantar na igreja. A proeminente voz rouca e a fachada segura não deixam entrever a insegurança que só agora ela parece ter abandonado. “Hoje, consigo me ver como empresária [de mim

mesma]”, afirma. “Antes, achava que as pessoas pensariam que eu era só uma menininha querendo aparecer. Tive que criar uma postura diferente. Comecei a estudar sobre mercado, sobre rider de show, coisas simples das quais eu não tinha nem noção.” Cynthia veio para São Paulo, capital, há cerca de um ano e meio. Com o salário de R$ 1.400 que ganhava em uma loja de shopping, pagava R$ 500 de aluguel; a outra parte era direcionada a “comida e gravações”. Depois de conhecer produtores por intermédio do namorado, o rapper Froid, começou a se profissionalizar. Nesse meio-tempo, alcançou 1,2 milhão de ouvintes mensais no Spotify, 25 milhões de views no YouTube e 500 mil seguidores no Instagram. “Os números cresceram muito rápido, então a gente cria um padrão na nossa cabeça. Isso também é bom para eu sentir como o meu trabalho está sendo recebido.” Ela garante, no entanto, que estar de olho no retorno não compromete a verdade de sua arte. “Criei uma responsabilidade de ser aquilo que eu quero ser, e não o que o mercado quer que eu seja. A música é a forma que eu encontrei de mostrar para as pessoas que a gente vive as mesmas coisas, que a gente precisa um do outro. A minha ideologia de fazer música é de aproximar as pessoas, aproximar as histórias, de a gente entender que não está sozinho. Eu não sei o que vale ter 1 milhão de visualizações em uma música e não transformar a vida de ninguém.”

A lógica de pensamento é parecida no caso de Gloria Groove, drag queen criada pelo ator e dublador Daniel Garcia, que fala comigo montado como Gloria e se alterna entre pronomes masculinos e femininos ao se referir a si. “Às vezes, é só disso que você precisa: olhar para alguém e se enxergar ali. Por isso a importância dessa palavrinha que a gente tem falado tanto que às vezes pode até perder um pouco do sentido: representatividade. Isso valida pessoas que estão em contextos muito distantes dos nossos. Vivo numa grande metrópole, numa cidade que tem muita informação. Talvez eu possa tocar a vida de um homossexual que vive numa cidade super afastada, na qual ele se sente completamente sozinho.”

As sementes de Gloria Groove foram plantadas quando Daniel aprendeu a se maquiar e a andar de salto no teatro, aos 16 anos, para uma montagem da peça Hair. O nome “Gloria” é uma homenagem à mãe dele, cantora que excursionou com o Raça Negra. Ela deixou a carreira para cuidar do filho quando ele, aos 6 anos, declarou que queria trabalhar na TV. Não demorou para que o garoto participasse de comerciais, ganhasse um concurso para integrar o Balão Mágico e fosse selecionado para o elenco da novela Bicho do Mato, da Record.

Como Cynthia, Garcia encontrou na música uma maneira de aproveitar o tempo na igreja evangélica, que era frequentada pela mãe. Simpático e articulado, o cantor fala rápido, como se não pudesse deixar de fora nenhum detalhe que possa servir de consolo para qualquer que seja a alma necessitada de representatividade, como a dele precisou um dia. “[Conviver na igreja] era o tempo todo perceber a malícia, ver como a pessoas conseguem se comunicar para te reprimir, mas sem fazer você reparar”, conta. “Basicamente era repressão psicológica, física e mental. Só que eu sempre tive um ponto a meu favor, que era o fato de eu ser uma criança cantante: ‘Ah, Deus toca no coração das pessoas quando o Daniel abre a boca e canta’. Então, passavam um pano para a minha viadagem.”

Ele continua: “Eu sempre soube que era diferente. Falo que eu era a criança viada. Aquela criança que causa desconforto, a criança do ‘ih’: faz qualquer coisa, passa o tio e solta um ‘iiiiihhhh’. Perdi as contas de quanto ouvi isso como reprovação. É só uma vogal, e a maldade está tão na cabeça do adulto, que você não entende exatamente o que está acontecendo, mas já entende a reprovação”.

Para Garcia/Gloria, a independência dos tempos atuais na indústria da música foi mais que providencial. “Ter a autonomia que eu tenho hoje é crucial para o meu trabalho, porque é assim que consigo transpor quem eu sou”, confirma. “Tenho sorte de ser dessa geração.”

Na sessão de fotos, o comportamento é profissional. Gloria Groove sugere poses, enquanto atende paralelamente às solicitações do fotógrafo de maneira respeitosa. Hungria está com febre, mas mantém a compostura, assim como Loma, que é solicitada a ficar um bom tempo de cócoras enquanto usa um proeminente salto alto. Ela, as gêmeas e Cynthia esperam tudo acabar para tietarem umas às outras. Gustavo Mioto também só registra o encontro após finalizado o trabalho.

Quem não está tão à vontade com as câmeras é Emmanuel Zunz. Habituado aos bastidores, ele demora a se soltar. Ainda que não seja o mais desenvolto dos fotografados, é certamente uma das mais ágeis mentes atuando no mercado da música atualmente. “A ONErpm não é uma gravadora. Não é uma distribuidora. A gente está criando um novo modelo de trabalho. Somos uma empresa de soluções. Tentamos enxergar qual é o problema do nosso cliente, onde ele pode melhorar, e o que podemos dar a ele”, explica. “Somos uma empresa moderna de música. E isso é o novo modelo da indústria. Eu fico chocado que grandes empresas continuem tentando manter um modelo que não funciona hoje, que não serve aos interesses do artista.”

Preocupado com o panorama como um todo, Zunz diz que dorme tranquilo quanto ao futuro da ONErpm, mas que vê com ressalvas o fato de plataformas de streaming como o Spotify ainda terem prejuízos anuais de milhões de dólares. “O mercado tem que se unir para tornar essas plataformas mais saudáveis financeiramente, porque senão a gente pode destruir nosso meio”, decreta. “A indústria tem que se unir para criar um mercado mais justo e sustentável. E os artistas têm que fazer parte desse movimento. Por isso que eu digo que o poder está nas mãos dos artistas. E não o contrário.”

“Grandes homens de negócios são criadores”, disse o ex-jogador de futebol Éric Cantona, compatriota do fundador da ONErpm. Cantona tem razão: Emmanuel Zunz não é mais músico, mas ainda é um criador, que deu origem a uma empresa que, como poucas, representa como o negócio da música pode ser bem-sucedido, sem perder a alma.

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