<B>Randy Lanier </B> - Jason Henry

A ascensão improvável e a queda épica de Randy Lanier, rei do tráfico de maconha e piloto astro da Indy

“Foi um ano dourado para mim – corridas, contrabando”, diz ele. “Tinha acabado de ganhar dezenas de milhões de dólares. O dinheiro estava entrando. Sentia que estava no topo do mundo”

Damon Tabor Publicado em 09/05/2018, às 18h16 - Atualizado às 18h21

Randy Lanier caminha sozinho e sem ser notado pelo autódromo Homestead-Miami. A pista está silenciosa. Perto das garagens, Lanier cumprimenta um jovem chamado Tim Read. Ex-militar, ele é musculoso, tem uma barba farta e uma frase em latim tatuada no braço que quer dizer “Irmão até a morte”. Usa uma prótese até o joelho na perna esquerda, resultado da explosão de um dispositivo no Afeganistão. Como as cerca de 50 pessoas no local, Read se inscreveu para passar o dia dirigindo no autódromo, sem limite de velocidade. “Pise no freio, solte o freio. Isso se chama configurar o carro”, diz Lanier, que será seu instrutor. “Faz algum tempo que não corro”, acrescenta. “Minhas circunstâncias foram... um pouco alteradas por muito tempo.” Read balança a cabeça. Não reconhece Lanier, que, aos 63 anos, é baixinho e confiante e fala com um forte sotaque sulista. A namorada de Read também não o reconhece.

Há algumas décadas, Lanier não poderia ter caminhado por um autódromo sem ser abordado por admiradores. Nos anos 1980, havia aparecido do nada no circuito de corridas profissionais – um jovem fenômeno que parecia se materializar de repente em um carro March britânico. Lanier não tinha pedigree nem treinamento formal – mas era rápido. Em 1984, quando estreou, teve vitória atrás de vitória nas pistas dos Estados Unidos: Sebring, Laguna Seca, Charlotte. Superava alguns dos melhores pilotos da época, como o brasileiro Emerson Fittipaldi e Mario Andretti. Muitos de seus concorrentes eram respaldados por equipes de montadoras dominantes de longa data e com grandes orçamentos – Porsche, Jaguar, Ford. O March de Lanier tinha o logotipo de um restaurante temático local.

A ascensão notável dele atraiu fãs, repórteres e recrutadores de equipes de corrida. Foi tema de matérias na Sports Illustrated e em jornais de todo o país. “Era como se um grande astro estivesse entrando em sua loja”, lembra o dono de uma loja de corrida na Flórida. Em 1985, Lanier estava treinando para a Indianápolis 500, a prova mais prestigiosa do país, então dominada por talentos como Al Unser e Rick Mears. Embora nunca tivesse pilotado carros com cockpit aberto no estilo da Indy, era suficientemente ambicioso para acreditar que poderia competir – e ser campeão. “Não tinha dúvida de que conseguiria dar uma volta na pista tão rápido quanto qualquer um”, afirma. “Não importava quem fosse. Eu era um pouco arrogante.”

Naquele ano, a trajetória da carreira de Lanier no automobilismo estava clara: um ousado corsário que parecia destinado a se tornar um dos grandes pilotos da época. Só que esportes são parábolas – sempre para o espectador e, às vezes, para o participante. Correr é buscar limites. Um piloto deve encontrar o limite máximo do desempenho do carro e de sua própria habilidade. Levar longe demais é flertar com a ruína. “Você consegue simplesmente sentir isso”, diz Lanier sobre o momento antes do desastre. “Sabe que o vento está chegando.”

O vento chegou em uma manhã quente de inverno em Miami. Lanier parou para comprar um bagel. A esposa dele, Pam, uma mulher animada e de cabelo castanho cacheado nascida na Flórida, havia acabado de dar à luz o segundo filho do casal em um hospital nas proximidades e ele planejava buscá-los mais tarde. Esperando pelo café da manhã, Lanier olhou para a TV atrás do balcão. Reconheceu os portões altos que protegiam sua casa perto de Fort Lauderdale. Uma equipe de reportagem estava falando ao vivo da rua. Policiais perambulavam ao fundo. No hospital, o telefone no quarto de Pam tocou. Agentes da divisão antidrogas da polícia do FBI e estavam na casa, avisou a babá que cuidava da filha mais velha, com um mandado de prisão para o marido. Lanier correu até um orelhão e ligou para a esposa. “Estou indo embora”, disse. “Não vou buscar vocês.”

Ele desapareceu. O que ficou para trás foram ruínas – agentes federais logo investigaram a esposa, o pai e muitos amigos próximos e parentes dele. Usando uma escavadeira, acharam US$ 2 milhões enterrados no gramado da casa do pai de Lanier e escondidos em tubos de PVC. Encontraram US$ 500 mil no porão de um parente. Seguiram pistas e encontraram ainda mais dinheiro. Havia casas e carros e propriedades – e, de alguma forma, até um cassino na Califórnia vinculado ao nome de Lanier. Quando todas as peças do quebra-cabeça finalmente se uniram, o mosaico foi espantoso. Ele não era apenas um piloto-prodígio de corridas – talvez um talento de sua geração –, era também, segundo as autoridades, o cabeça de uma das maiores operações de tráfico de drogas na história dos Estados Unidos.

“Sei de uma coisa”, disse o promotor público assistente que cuidava do caso de Lanier aos repórteres. “Se o encontrarmos, não temos um carro suficientemente rápido para fazê-lo parar.”

Em 1978, Lanier entrou no estande de um clube de carros em uma feira automobilística em Miami e se inscreveu para uma aula de pilotagem. “Não tinha a menor ideia – só dirigia”, conta. O que tinha era um gosto instintivo por guiar em alta velocidade e uma tolerância anormal a riscos. Logo, comprou o próprio carro, um Porsche Speedster 1957 que parecia uma ratoeira, com cabos de luminária como fiação, e entrou em competições amadoras. Ia para as pistas e estudava os outros pilotos. Um instrutor conhecido o ensinou alguns fundamentos: curvatura, ápices, controle de derrapagem. Lanier, disse o instrutor posteriormente, era “um dos melhores e mais talentosos alunos que já tive”.

Ele continuou dirigindo no circuito básico até que, na prova de 24 Horas de Daytona em 1982, um amigo que trabalhava para Janet Guthrie, uma das primeiras mulheres a competir em corridas profissionais, deu uma informação tentadora: ela estava doente e precisava de um substituto. Entrando na Ferrari 512, Lanier deu várias voltas de treino com rapidez suficiente para impressionar a equipe. Ele e outros dois pilotos mantiveram o carro em terceiro lugar por 180 horas até Lanier destruir a transmissão da Ferrari. Ainda assim, alguns meses depois outra equipe pediu que ele pilotasse nas 24 Horas de Le Mans, na França, a prova de resistência automobilística mais antiga do mundo. Ele e Pam viajaram em um jatinho particular e se hospedaram em um castelo com 56 quartos. “Foi quando percebi. O estilo de vida, as corridas, o pacote completo. Disse para a Pam: ‘Quero fazer parte disto’”, lembra.

O pai de Lanier era um homem sisudo – “certinho, do interior” – vindo de uma fazenda de tabaco na Virgínia. “Não tinham nem água corrente”, diz. “Não eram prósperos, mas trabalhavam muito.” Na infância, o piloto alimentava os porcos dos avós e pescava no rio James. No fim dos anos 1960, o casal se mudou com os cinco filhos para Hollywood, uma cidade pequena perto de Fort Lauderdale. O pai trabalhava como carpinteiro e a mãe era cuidadora em um hospital psiquiátrico. Lanier se acostumou facilmente com a lânguida cultura hippie praiana. Depois que o pai exigiu que cortasse os longos cabelos, ele pegou carona até o Canadá levando um saco de maconha, quatro doses de ácido e US$ 5. Logo, abandonou a escola e começou a vender maconha – uma vez, encheu as saídas de ar de um Fusca com a erva e foi para Aspen meditar com um guru. “‘Você é esperto o suficiente para fazer outras coisas’”, Lanier lembra que sua mãe dizia. “Ela me dava boas orientações,

mas eu não ouvia.”

No início da década de 1970, o sul da Flórida era um nevoeiro fragrante de maconha. Aos 19 anos, Lanier havia ganhado o suficiente como comerciante local para comprar uma elegante lancha Magnum Sport de 27 pés. “Então, saí e peguei uma carga”, conta. No litoral das Bahamas, enfiou 340 kg de maconha dentro do barco, voltou para Fort Lauderdale e embolsou cerca de US$ 5 mil pelo esforço. Um aprendiz rápido e com veia empreendedora, comprou mais duas lanchas para contrabandear mais cargas. Nada disso parecia particularmente difícil. Dava para navegar escondido por um canal tarde da noite e desaparecer na labiríntica Intracoastal Waterway da Flórida. “Era o paraíso dos traficantes”, diz. “Era como a época dos piratas.” Alguns anos depois, Lanier mantinha três esconderijos funcionando a leste de Fort Lauderdale e ganhava centenas de milhares de dólares.

“Ele vendia drogas quando o conheci”, conta Pam. “Gostava do dinheiro rápido. Fez o primeiro grande negócio quando eu estava na formatura do ensino médio e ele foi até Gainesville vender algo. Eu ficava toda hora procurando-o do palco – e ele chegou atrasado, mas conseguiu!”

Na mesma época, a Colombian Gold – uma nova e exótica cepa cultivada na península de Guajira, na Colômbia – começou a invadir o mercado negro dos Estados Unidos e provocou uma explosão. Logo, a península ficou pontilhada com mais de 100 instalações de carregamento para “naves-mãe”, fretadoras ou barcos pesqueiros capazes de transportar toneladas de fardos para as ilhas perto dos Estados Unidos. Os novos ricos locais chamaram isso de “la bonanza marimbera”, ou a bonança da maconha. No sul da Flórida, muitos jovens de origem humilde reconheceram a oportunidade. “Vi gente que provavelmente não conseguiria ter comprado uma picape de US$ 200 cinco ou seis anos antes chegar com muito dinheiro”, declarou mais tarde o prefeito de Everglades City. “Isso transformou muitos bons cidadãos em fora da lei.”

Em 1982, pouco antes das 24 Horas de Le Mans, Lanier estava no deque de uma casa alugada em Melbourne Beach. Era mais de meia-noite. Ele e um amigo do ensino médio chamado Ben Kramer usavam óculos de visão noturna e olheiros nas proximidades vigiavam se havia patrulhas da polícia. Uma fila de barcos infláveis Zodiac, cada um conduzido por um só piloto, aguardava na praia. Kramer, que tinha saído recentemente da prisão por tráfico de maconha, havia apresentado Lanier aos traficantes na Colômbia. Deixando de ser um distribuidor intermediário, ele poderia comprar maconha excelente diretamente da fonte. Depois de fazer o acordo, comprou uma traineira de pesca norueguesa chamada Ursa Major, que agora flutuava em mar aberto com 6.800 kg de Colombian Gold no porão.

Na praia, Lanier apontou uma luz estrobo intermitente para uma duna. Kramer se comunicou via rádio com o capitão da Ursa, Leroy “Slick” Wisser, e os Zodiac partiram. No Atlântico, os pilotos rapidamente transferiram fardos de 22,5 kg para seus barcos menores. Totalmente carregados, voltaram para a costa usando a luz estrobo como farol-guia. Na praia, uma corrente humana de descarregadores transferia os fardos para um comboio de vans, que os levou para o esconderijo de Lanier. No dia seguinte, ele vendeu toda a carga de 6.800 kg por quase US$ 4,5 milhões. “Esse foi o começo”, afirma. “A coisa simplesmente evoluiu.”

Com os bolsos cheios de dinheiro, Lanier e Pam se mudaram para uma ampla casa de fazenda com cinco quartos, onde ele colocou pias de platina, um lago particular cheio de peixes e dois rottweilers para patrulhar o terreno. Comprou um novo Porsche para si mesmo e um Mercedes para Pam. “Morávamos em uma mansão – parecia a casa do Scarface!” Pam lembra. “Tínhamos tudo o que queríamos.” Era muito diferente da fazenda de tabaco na Virgínia. Seu recente sucesso, se alguém perguntasse, vinha de uma cadeia de lojas de aluguel de jetski.

Ainda assim, a oportunidade surgiu. No começo dos anos 1980, cerca de três quartos do fornecimento de maconha nos Estados Unidos vinham da Colômbia. Segundo um relatório da CIA, um traficante poderia obter um retorno de cerca de 115% sobre o investimento. Em 1982, um de seus distribuidores apresentou Lanier e Kramer a outro traficante da Flórida, George Brock. Este conhecia um dono de estaleiro chamado Eugene Fischer, que tinha uma barcaça que navegava em oceanos, uma embarcação com deque plano do comprimento de um campo de futebol americano. Juntos, eles logo bolaram um plano audacioso. Depois que uma equipe de soldadores equipou os tanques de lastro da barcaça com compartimentos secretos, o navio partiu rumo à península de Guajira. “Tudo meio que se encaixou”, diz Lanier. “George lidava com a equipe de descarga e com os capitães dos rebocadores. Gene tinha o transporte. Ben tinha as compras. Eu tinha a rede de distribuição e a logística.” A barcaça tinha capacidade para mais de 100 toneladas de maconha. O contador de Lanier chamava a nova empreitada de “Companhia”.

No início de 1983, a barcaça navegou pelo rio East, de Nova York, e atracou no estaleiro da Marinha, no Brooklyn, então um local em ruínas povoado por cães ferozes. Lanier ficou em um carro alugado estacionado perto da entrada, interceptando o rádio de trânsito com um scanner da polícia. Ao olhar para cima, viu uma viatura de patrulha da NYPD pelo retrovisor. “Espere – temos visita”, sussurrou no rádio. A viatura passou por ele e deu meia-volta. Aproximou-se de novo – e seguiu rua abaixo. “Tudo certo”, avisou.

Sua equipe na barcaça abriu os tanques de lastro com tochas de acetileno, revelando uma visão marcante: 59.000 kg de Colombian Gold empilhados a uma altura equivalente a dois andares. O esquema era simples mas engenhoso. Em Guajira, soldadores tinham vedado os fardos sob placas de aço; os compartimentos secretos foram, então, preenchidos com água do mar para que um oficial curioso só visse salmoura. Depois que os soldadores terminaram de abrir os tanques, outra equipe removeu os fardos e os carregou nos caminhões à espera. Logo, o último caminhão cruzou o portão do estaleiro e desapareceu em uma rua escura do Brooklyn, a caminho dos distribuidores de Lanier.

Ele ficou empolgadíssimo. Na época, havia poucos traficantes suficientemente ousados para contrabandear cargas daquele porte para os Estados Unidos. Lanier tinha movido a barcaça como uma peça de xadrez, levando-a da Colômbia até diversos portos além-mar para disfarçar seu ponto de partida e, então, para um dos portos mais movimentados do país. A rota, o timing – era como uma corrida de automobilismo. “Você atinge suas trajetórias, atinge seus ápices – está no momento”, compara. Naquela noite, ele e Kramer alugaram uma sala privada de um restaurante em Manhattan para comemorar. Para celebrar o novo status de supercontrabandistas de 45 mil kg, comprou chapéus personalizados para toda a equipe: o clube dos 100.

Lanier voltou para a Flórida e, doido para deixar sua marca, começou a injetar dinheiro da droga em uma equipe de corrida profissional. Comprou dois carros de corrida March e um armazém para guardá-los. Contratou um ex-chefe de equipe da Fórmula 1 e um grupo de mecânicos e ousadamente batizou a empreitada como Blue Thunder. Mesmo assim, amadores com mais dinheiro do que talento eram conhecidos por desaparecer rapidamente das pistas. No começo da temporada de 1984, um observador comentou: “Ninguém deu muita chance ao piloto da Whittington Bros. e a Randy Lanier conduzindo um March 84C”.

A equipe estreou como Blue Thunder nas 12 Horas de Sebring. Lanier e o copiloto Bill Whittington terminaram duas voltas atrás do vencedor. Então, entraram no Grande Prêmio de Riverside, em Los Angeles, encarando lendas como Fittipaldi e Al Holbert. Perto do fim da corrida, Lanier assumiu a liderança, mas estourou um pneu e entrou no pit stop só na roda. Depois da troca, lutou para retomar a posição e alcançou Holbert, que era o líder – e o ultrapassou, vencendo por cinco segundos de diferença. “Duas semanas depois”, conta, “fui para Laguna Seca e venci. Depois, corri em Charlotte e ganhei”. Lanier continuou vencendo. No Grande Prêmio de Portland, no Oregon, ganhou em uma final dramática depois que o carro do piloto líder da prova ficou sem combustível na última volta. Então, ganhou nas 500 Milhas de Michigan e nas 500 Milhas de Nova York. Quando a temporada terminou, foi coroado como Campeão Camel GT e como Piloto Que Mais Se Aprimorou. “O desconhecido Randy Lanier chocou o mundo do automobilismo”, um jornalista esportivo declarou. No banquete de premiação, um piloto espantado se aproximou de um funcionário da equipe de Lanier e comentou: “Não sei de onde vieram esses caras da Blue Thunder, mas são a única equipe de corrida em que todos os mecânicos usam Rolex”. Entre provas, Lanier e seus sócios tinham contrabandeado outra carga na barcaça, desta vez transportando cerca de 75 toneladas de Colombian Gold.

“Foi um ano dourado para mim – corridas, contrabando”, conta. “Tinha acabado de ganhar dezenas de milhões de dólares. O dinheiro estava entrando. Sentia que estava no topo do mundo.”

Lanier começou a gastar como corria. Comprou uma frota de carros exóticos e três casas de férias nas montanhas, envolvendo-se em um casulo cada vez mais opulento. Ele e Pam voavam de jatinho particular até as corridas e davam festas espetaculares, enchendo os ofurôs das casas com champanhe Dom Pérignon. “Uma época maluca – Learjets, fardos de maconha, gavetas cheias de dinheiro”, Pam lembra. “Eu cheirava cocaína no banheiro e desaparecia com nosso decorador de interiores.” Para o aniversário da filha, pagou para trazer um elefante de circo. O dinheiro da droga chegava em volumes tão grandes que ele e Kramer tinham de lavar boa parte dele. Usando uma rede de contas no exterior, enviaram milhões para uma empresa de fachada que iniciou a construção de um cassino de 9.300 metros quadrados chamado Bell Gardens Bicycle Club, na Califórnia. “Estávamos gastando dinheiro aos milhões”, afirma Lanier. “Quando o construímos, era o maior cassino de cartas nos Estados Unidos.”

Depois de seu desempenho impressionante em 1984, decidiu fazer uma aposta nas 500 Milhas de Indianápolis – um reino mítico ao qual aspirantes a piloto devem ascender para atingir a imortalidade. Lanier não tinha experiência em carros da Indy e a velocidade média da prova era maior do que qualquer coisa que ele já havia pilotado, mas, em 1985, Frank Arciero – uma figura lendária conhecida por escolher iniciantes talentosos – o contratou como piloto. Logo, Lanier estava injetando centenas de milhares de dólares em treinamento, testes de equipamentos e tempo de pista. O dinheiro era um equalizador, colocando-o no patamar – pelo menos parcialmente – de pilotos mais experientes. “Eu queria correr a maior prova dos Estados Unidos”, diz. “Não via nenhum limite.”

A Companhia também começou a planejar o contrabando da embarcação para dentro dos Estados Unidos, ele lembra, desta vez transportando sua maior remessa até então – impressionantes 83 toneladas, no valor de cerca de US$ 55 milhões. Ao mesmo tempo, no entanto, Lanier estava ficando cada vez mais preocupado com a polícia. Viu dois homens estacionados em frente à sua casa e outros pareciam seguir Pam e ele nos restaurantes locais. “Via pessoas e achava que estavam me observando”, conta. “Nunca usava os mesmos telefones duas vezes.” Então, uma semana antes da Indy 500, a campainha tocou. Era o irmão de seu distribuidor na Louisiana – trazendo um recado nefasto. “Meu irmão foi preso e está cooperando”, contou a Lanier. “Você está sob vigilância do FBI.” Naquele momento, a barcaça da Companhia estava a dez dias do litoral de Nova Orleans.

Apesar do risco, Lanier e seus sócios decidiram seguir em frente. “Estávamos muito comprometidos – tanto dinheiro, tanta gente envolvida”, diz. “Muito havia sido gasto nas corridas e no cassino e nas casas. Precisava traficar para manter tudo.” Ele mandou o capitão do reboque mudar a trajetória a partir da Louisiana. A embarcação, agora, passaria pelo Canal do Panamá e rumaria ao norte pelo Pacífico em direção a um porto que já tinham usado na Califórnia. Seria, Lanier esperava, sua última carga. “Meu plano era sair do jogo e ter uma vida boa. Queria continuar a correr”, afirma, acrescentando, “provavelmente só estava ficando ganancioso”.

Uma semana depois, no autódromo de Indianápolis, estava tentando clarear as ideias. Era a corrida mais importante da carreira dele. Na pista, a equipe fazia os ajustes finais em um esbelto March 86C cor tomate-cereja. Pam assistia nervosa de uma suíte vip, enquanto cerca de 300 mil torcedores viam das arquibancadas. A Indy 500 era empolgante mas perigosa. Dezenas de pilotos e mecânicos tinham morrido desde que a prova começou a ser realizada.

Lanier posicionou o carro atrás do veículo do piloto de Fórmula 1 Fittipaldi. O astro da série A Super Máquina, David Hasselhoff, com o cabelo todo armado e brilhante, cantou o hino nacional. No sinal verde, Lanier disparou pela reta. Passou com o carro a milímetros do muro de colisão. Na reta oposta, chegou perto dos 320 km/h. Uma chuva de saquinhos de cachorro-quente flutuou na arquibancada. Os torcedores eram um borrão multicolorido. O March sacudia violentamente com a turbulência dos carros líderes. Só que a velocidade limpou sua mente. Ele se esqueceu do FBI, dos milhões em jogo. Havia apenas aquele momento, o presente sem passado ou futuro. A consciência livre do indivíduo e do tempo em meio ao rugido ruidoso da pista oval.

Ele passou para a quinta posição, com os pilotos Mears e Bobby Rahal batalhando pela dianteira. O carro de Mears apareceu no retrovisor de Lanier. Ele tentou ultrapassar, mas Lanier o bloqueou. Aproveitando a oportunidade, Rahal passou pelos dois e, 20 voltas depois, recebeu a bandeira quadriculada. Lanier chegou apenas nove carros atrás – um desempenho impressionante. Foi o único iniciante a terminar a prova e também marcou a velocidade mais rápida da história durante as voltas de pré-classificação, quebrando o recorde anterior, de Michael Andretti. No banquete de premiação naquela noite, Lanier – um menino do interior da Virgínia, praticamente anônimo até alguns anos antes, agora sentado entre gigantes – aceitou o prêmio de Iniciante do Ano da Indy 500.

A mais de 1.600 km de distância, o navio da Companhia lentamente navegava para o sul em direção ao Canal do Panamá. Este é o último, Lanier pensou com seus botões. Se me safar, acabou. Só vou correr.

Vários meses depois da Indy 500, Lanier estava sentado em um carro alugado, no pátio coberto por pedregulhos ao lado de um porto perto de São Francisco, quando uma mensagem frenética ecoou pelos rádios. Durante a longa viagem no mar, água salgada havia vazado para dentro de um dos compartimentos da barcaça, fazendo os fardos de maconha se decomporem e emitirem metano. Uma tocha de acetileno havia causado um incêndio e dois dos soldadores estavam mortos, provavelmente devido a asfixia por metano. A embarcação estava em risco de explodir. Quase 10 mil kg de Colombian Gold tinham de ser abandonados. Em um armazém nas proximidades, Lanier e a equipe trabalharam a noite inteira contando e pesando os fardos restantes e carregando-os nos caminhões. Mais tarde, ele e os sócios fariam a barcaça incendiada, carregando os dois mortos envoltos em lona, inundar e afundar no oceano.

Ele voltou para a Flórida, prestes a ficar fabulosamente rico, mas tomado pela paranoia. Escondeu-se em um apartamento alugado sob nome falso. Usava telefones pagos e saía pela porta de trás de lojas. Acreditava que agentes federais o seguiam por toda parte. Em janeiro de 1986, Pam foi para o hospital dar à luz o segundo filho do casal, um menino – Lanier teve de entrar escondido para segurar o bebê recém-nascido. Flores e bexigas preenchiam o quarto, presentes mandados por pilotos e traficantes. Ele saiu do hospital, pretendendo buscar os dois assim que Pam tivesse alta.

Alguns dias depois, estava diante do bagel e viu a notícia na tela da TV: o piloto da Indy Randy Lanier foi indiciado sob acusações de tráfico de drogas. “Juntei minhas coisas e fugi”, conta.

Com milhões ainda guardados em contas no exterior, ele pagou por estadas em hotéis de luxo e viagens para jogar em Monte Carlo. Ponderou suas opções: talvez começar de novo na Espanha ou até correr novamente com um novo nome na Nova Zelândia. O dinheiro das drogas, acreditava, poderia construir uma vida totalmente nova. Mas o acaso havia revelado sua operação. Em 1983, seis ladrões armados tinham roubado 3 toneladas de ouro no valor de US$ 40 milhões de um armazém da Brink’s-Mat. Foi o maior roubo da história da Grã Bretanha. O caso havia ficado sem solução durante anos, mas detetives da Scotland Yard acabaram descobrindo um contador nas Ilhas Virgens Britânicas que, suspeitaram, lavava dinheiro para os ladrões. Esperando leniência, ele havia confessado que também lidava com dinheiro de drogas para “dez ou mais operações de grande escala sediadas nos Estados Unidos” – uma das quais incluía o respaldo financeiro secreto ao Bell Gardens Bicycle Club, de Lanier. Na Flórida, enquanto isso, agentes federais tinham tomado a casa de Lanier e Pam havia arranjado um emprego cortando frutas em um supermercado local para sustentar os dois filhos do casal.

Saindo da Europa, Lanier voou para Antígua, onde ele tinha um barco de pesca Hatteras de 60 pés à espera. Planejava relaxar por algumas semanas e, depois, navegar até a Espanha. Uma manhã, o capitão do barco – Wisser, antigo companheiro de contrabando de Lanier – conduziu o Hatteras até um pequeno porto. Um navio cinza grande parou atrás deles. “Provavelmente vão checar nossa papelada”, advertiu. De repente, a embarcação despachou um barco pequeno cheio de homens armados. Lanier o viu se aproximar. “Coloque o Zodiac na água”, ordenou. Ele entrou no barco e fugiu, deixando todo mundo para trás.

Na doca, Lanier correu. Estava descalço, vestido apenas com um short de natação e, enquanto tentava subir um morro coberto por plantas espinhosas, seus pés começaram a sangrar. Atrás dele, um comboio de jipes vinha pela estrada. Lanier subiu o morro. Abaixo, soldados saíram do jipe e miraram seus rifles nele. Lanier olhou para cima. Estava perto do topo – muito perto. “Parado!”, gritaram. “Senão atiramos.” Ele parou. Lentamente, mancou morro abaixo.

“Do que se trata?”, perguntou enquanto a polícia o algemava.

Em seu julgamento, duas dezenas de membros da Companhia testemunharam contra ele. Segundo a acusação, Lanier e seus sócios tinham traficado mais de 300 toneladas de maconha e supervisionado um império de contrabando que cobria quase uma dezena de estados e empregava centenas de pessoas. Lanier sozinho tinha faturado estimados US$ 68 milhões. Ao final do julgamento, o júri condenou Lanier, Kramer e Fischer por tráfico de drogas, fraude e operação de uma organização criminosa. O juiz James Foreman ordenou que o governo se apropriasse de US$ 180 milhões de seus ativos, a maior apreensão federal da história do país, e sentenciou os três a prisão perpétua. “Você causou muita dor e arruinou muitas vidas neste país”, disse a Lanier.

Ele ficou detido em diversas prisões de segurança média e, depois, foi transferido para a penitenciária federal Leavenworth – e tramou a própria fuga de cada uma. “Não podem me segurar nestes lugares, porra”, pensava. “Vou sair.” Usando um telefone contrabandeado, conspirou com um piloto de helicóptero para resgatá-lo. Um funcionário da cadeia, avisado sobre o plano, chamou Lanier em seu escritório. “Se você acha que vai fazer um helicóptero pousar nesta prisão”, avisou, “atiro em você e derrubo seu helicóptero”. Enfrentando uma prisão perpétua sem liberdade condicional, uma sentença frequentemente chamada de “morte natural”, tinha pouco a perder.

Depois das tentativas de fuga, foi transferido para a prisão de segurança supermáxima em Florence, no Colorado, onde ficou detido na unidade de confinamento solitário. Sua cela tinha uma pia minúscula de metal e uma cama também de metal. Lanier podia sair uma vez por dia, por uma hora, para andar em uma gaiola pequena. Só tinha contato com os guardas. Uma raiva venenosa desabrochou naquele espaço vazio. Os amigos rapidamente tinham trocado a lealdade por sentenças mais brandas. A carreira como piloto estava encerrada. O governo havia apreendido todas as posses e sentenciado o pai dele por enterrar dinheiro no gramado.

No vácuo solitário da pequena cela, a passagem de semanas e meses ficou fluida. Não havia relógio, nem luz do sol, nem um jeito de distinguir dia e noite. Em 2005, Lanier passou para uma prisão de menor segurança perto de Orlando. Estava ficando grisalho, resignado, não era mais alguém que apresentava risco de fuga. Tentava não pensar na própria condenação. Aprendeu a jogar xadrez e a pintar. Tentou meditação. Cobria a janela da porta da cela com papel e sentava de pernas cruzadas na cama. No começo, a prática era uma luta. Ao longo do tempo, parte de sua amargura parecia ter desaparecido. Uma compreensão lentamente surgiu: “Estou preso ao ódio. Tenho de perdoar”.

No fim de 2014, o advogado de Lanier e o advogado do governo abriram uma sucessão de moções, todas confidenciais, no tribunal federal. Então, um dia em setembro, ele foi chamado ao escritório do conselheiro para uma teleconferência. Sentado, ouviu o juiz que presidia o caso explicar que seria solto em 30 dias (o Departamento de Justiça se recusa a comentar o acordo). “Saí do escritório do conselheiro e foi como se eu estivesse sonhando e, de repente, acordado”, conta. “Vou fazer parte da vida ali fora.” Em 15 de outubro, depois de 27 anos na cadeia, o prisioneiro número 04961-069 passou por uma série de detectores de metal rumo ao edifício de soltura. Por volta das 8h30, Lanier cruzou a porta da penitenciária e caminhou pela calçada até o estacionamento, onde Pam e seus dois filhos adultos o aguardavam.

Em uma noite deliciosamente quente de inverno em Fort Lauderdale, Lanier segura um hambúrguer com bacon e queijo. Pam está sentada ao seu lado na mesa do restaurante, junto aos netos gêmeos, filhos pequenos de seu filho. Ele vai até a máquina de refrigerante. Lanier fica olhando, perplexo. Quase três anos depois de ser solto, ainda se espanta com a velocidade da vida moderna.

“É como uma criança”, diz Pam. “Ele ficou trancado em uma gaiola. Confinamento solitário. Não sei como não enlouqueceu.” À mesa, Lanier mastigava o hambúrguer e olhava para os netos. “Será que vão gostar de correr de kart?”, pergunta depois de um tempo.

Depois de ser solto, Lanier foi motorista de Uber. No banco de trás, os passageiros digitavam no celular, ignorando a procedência do condutor. Acabou se mudando para um apartamento próprio, de um quarto, simples e mobiliado com itens de segunda mão. A porta da frente abria para uma noite estrelada. Os troféus de corrida ficavam sobre uma mesa lateral. Ele continuou pintando e meditando. A prisão federal havia cultivado uma espécie de atenção plena com uma eficiência mais impiedosa do que qualquer mestre zen. “Depois de algumas décadas, simplesmente ver a casca de uma árvore vira ‘olha para este desenho’. Fico encantado com tudo o que vejo”, afirma. Em seu rastro, no entanto, há ruínas, como uma pista de corrida repleta de detritos de acidentes. Os anos de auge na corrida, quando poderia ter refinado seu talento o suficiente para se tornar um dos pilotos mais celebrados daquela época, foram desperdiçados na prisão federal. “Eu implorava para ele sair”, lembra Pam. “Ele era viciado em correr, não conseguia parar. Disse que era como usar heroína. Era exibido demais. A forma como corria e gastava dinheiro custou milhões.”

“Não tenho arrependimentos, mas sim remorso”, afirma Lanier. “Deixei Pam com um bebê de 7 dias. Deixei minha filha de 7 anos. Sinto remorso por ter envolvido meu pai. Tenho muito remorso por ter percorrido o caminho que percorri.” E os dois mortos? “Acidentes acontecem”, diz, ficando quieto, tentando escolher as palavras. Depois de uma longa pausa, acrescenta: “Vivi e aprendi com meus erros e só quero fazer o bem”.

Alguns dias depois, Lanier chega ao autódromo Homestead-Miami para seu trabalho como instrutor. Nas garagens do pit stop, Tim Read, o ex-militar, espreme o corpanzil dentro de um Corvette prateado, ajustando a prótese sob o volante. Depois de voltar do Afeganistão, sofreu com pesadelos terríveis, e pilotar parecia oferecer um consolo. Read acelera até entrar na pista com uma dezena de outros pilotos em um ruído ensurdecedor. O Corvette desaparece em uma curva e reaparece na reta oposta. Read ultrapassa um carro, depois mais outro, com Lanier guiando-o no banco do passageiro. “Mude de pista. Freie. Entre”, diz, como se recitasse um mantra. Na reta oposta, a arquibancada vazia passa rápido como um borrão. O motor começa a chegar ao limite máximo. Não há cronômetro. Em uma curva, Read pisa no acelerador e o Corvette derrapa perigosamente rumo ao gramado no meio do circuito – mas Lanier agarra o volante e retoma o controle. “Seja suave”, adverte. “Depois que o carro se desequilibra, você perde tempo.”

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