Ele já passou pelas drogas, pelo álcool e pela prisão, mas continua sendo o ator mais talentoso de sua geração.
Rodrigo Salem Publicado em 22/09/2008, às 18h32
Estrelas de Hollywood são crianças mimadas. Suas entrevistas são controladas por cronômetros implacáveis. Suas respostas são, na grande maioria, palavras pré-fabricadas. Até mesmo as perguntas dos jornalistas passam por uma bateria de assinaturas, embargos e, em casos extremos - como Brad Pitt e Angelina Jolie no auge do escândalo "Brangelina" -, censura prévia.
Nunca havia conversado com Robert Downey Junior. Seria o astro de Chaplin (1992) uma missão insuportável como a de (tentar) entrevistar Tommy Lee Jones, homem que fala sobre o assunto que desejar, ao ponto de se recusar a divulgar um certo filme apenas para bater um papo sobre a Bíblia? Ou estaria diante de uma Julia Roberts, cuja tarefa de sentar com a imprensa é encarada como se estivesse caminhando descalça sobre giletes molhadas com álcool? Afinal, Downey teria todas as razões do mundo para encerrar uma entrevista abruptamente. Foi internado três vezes em clínicas de desintoxicação, antes de Britney Spears transformá-las em hotéis de luxo alternativos para estrelas decadentes; ficou preso por um ano; e cheirou, bebeu e fumou todas as drogas, do gênero não injetável, possíveis.
"É bom que isso valha a pena", diz ele ao entrar na suíte do W Hotel, em Los Angeles (Califórnia). O ator solta um sorriso sarcástico depois da brincadeira e senta-se com uma caneca (de chá) ao som de gargalhadas. Gelo quebrado e humor acionado para Robert Downey Jr. falar sobre a carreira - e os inevitáveis desvios polêmicos, quase todos abordados sem ranço ou vergonha -, sua nova personalidade careta e o novo longa, Zodíaco, a volta do diretor David Fincher (Seven, 1995) ao mundo dos assassinos em série. O nosso encontro, claro, é marcado com a intenção de "promover" o filme. As aspas, por sua vez, significam que Downey não divulga filmes como planejam os ternos arbitrários de Hollywood. "Não estou aqui para promover porra nenhuma", diz. "Mas sei como as coisas mudaram e prometo que vou deixar você orgulhoso."
Na verdade, Robert, você já deixou. Filho de um produtor de cinema, Robert Downey Sr., "Little Bobby" aprendeu seu ofício em noitadas de pôquer de seu pai com atores da Broadway, em Nova York. Nunca teve uma formação dramática acadêmica, mas os contatos do pai o levaram a ganhar papéis como coadjuvante fixo no programa cômico Saturday Night Live e em clássicos oitentistas como Mulher Nota 1000 (1985) e Tuff Turf - O Rebelde (1985). Ironicamente, ganhou respeito por interpretar um jovem viciado em Abaixo de Zero (1987), adaptação do livro de Bret Easton Ellis, mas também começou a testar novas drogas "além da costumeira maconha dos fins de semana e de aparecer de ressaca nas filmagens". Como o próprio Downey Jr. recorda, ele virou "um reflexo exagerado de seu personagem no drama". Isso não o impediu de ser indicado ao Oscar por Chaplin (1992), talvez até hoje seu grande papel. No entanto, a bajulação e o título de "maior ator de sua geração" ajudaram o novo astro a caminhar para nove anos de inferno pessoal. "Tudo isso de 'maior ator' é uma grande baboseira", rebate. "Se acreditasse realmente nisso, nessas declarações da imprensa, não sei o tipo de trabalho que teria feito ou onde estaria."
Quando pergunto que manchete ele escreveria para definir esse período, aproveitando a deixa de viver o repórter Paul Avery, do San Francisco Chronicle, em Zodíaco, Robert não pensa duas vezes: "Pinel. Sexy. Lindo. Bêbado!". Nem a empresária do sujeito de 41 anos resiste e gargalha, com o cuidado necessário para não derrubar o indefectível Blackberry. A manchete pode ser um pouco sensacionalista. Mas o que não era quando os jornais investigavam a vida de Downey Jr.? O sujeito namorou seriamente Sarah Jessica Parker (Sex and the City), casou com a atriz/cantora/modelo Deborah Falconer - com quem teve um filho, Indio -, foi preso e internado para tratamento de desintoxicação e foi preso e, finalmente, mandado para a cadeia por porte ilegal de arma. "Olha, era difícil arrumar algum filme melhor agindo tão loucamente", confessa. "Mas agora minha expectativa na vida é ser uma pessoa legal, mesmo que não consiga fazer mais nada daqui para a frente, esse é meu objetivo."
Talvez por querer domar esse lado selvagem, Bobby Jr. só não gosta de falar sobre um assunto: o ano na prisão na Califórnia. O que segue é um papo quase surreal, nunca tenso, porém nunca relaxado o bastante. Você diria que sua prisão...? "Eu diria, mas o assunto já foi coberto pela imprensa à exaustão." Nós nunca perguntamos isso, então você não poderia...? "Poderia, sim, mas não desejo fazer isso." Você não deseja fazer isso, mas não gostaria de ir contra seus desejos? "Gostaria, mas não vou." Mesmo sem nenhum constrangimento no duelo, Downey Jr. manda outra para amenizar seu silêncio. "Posso escrever um livro. Vou entregar o jogo para você? Vai se foder", solta, sem nenhum pingo de raiva ou insulto. Mas eu não me rendo. Isso significa que você vai escrever um livro? "Pode ser que sim". Ok, Robert. Você venceu.
Se os segredos da prisão estão guardados para uma biografia imperdível (descobrimos depois que ele ficou em uma cela vizinha à de um maníaco perneta que xingava até a mãe 24 horas por dia), a redenção do ator é um livro aberto. Depois de sair da prisão, em 2000, foi ajudado pelos amigos Mel Gibson e Joel Silver (produtor de Matrix, 1999) a arranjar emprego. Ganhou o Globo de Ouro como melhor ator coadjuvante em série cômica por Ally McBeal, trabalhou em 15 filmes desde seu primeiro dia como homem livre, casou com uma produtora de cinema que conheceu no set de Na Companhia do Medo (2003) e se dedicou com uma obsessão doentia ao kung fu. "Não estou interessado nos socos e pontapés", responde. "Preciso me comprometer inteiramente com algo que me humilhe. Se você estudar qualquer forma de arte, seja shaolin do século 18, seja pintura renascentista, os segredos do universo se abrirão com dedicação."
Ao mesmo tempo em que se segura à sobriedade com naturalidade, Downey Jr. usa toda a experiência que teve para entender seu próprio passado, em uma reciclagem mental e profissional cinematográfica. Foi assim em O Homem Duplo (2006), fazendo um junkie que não fecha a matraca. Foi assim em Beijos e Tiros (2005), incorporando um vigarista que entra em Hollywood pela porta de trás e nota que seus habitantes não devem em nada aos párias sociais. E é assim em Zodíaco, no qual lida com a frustração de um obcecado por resolver os crimes que assustaram San Francisco no final dos anos 60. Sem o menor medo de uma recaída, Downey Jr. brilha ao definhar seu personagem passo a passo, inclusive tomando um porre com Jake Gyllenhaal - dono do papel de Robert Graysmith, principal investigador do caso do "Assassino do Zodíaco" e ilustrador do Chronicle, jornal que recebeu diversas cartas do matador. "Para começo de conversa, se precisasse beber para ficar ligado, não seriam essas merdas enfeitadas", dispara, ao lembrar dos coquetéis com miniaturas de guarda-sol que enfeitavam a cena. "Mas tudo bem, sou um ator, faço o que me pedirem. Imagine se estivesse interpretando o matador do longa, os jornalistas iriam me perguntar se já tinha matado antes para fazer o papel."
Bem, considerando que Downey Jr. está em uma obra de David Fincher, diretor conhecido pelo detalhismo "kubrickiano", não seria uma pergunta tão óbvia. Porém, se houve uma morte perto de acontecer foi a do próprio cineasta. Para poder finalizar as seqüências em diversos ângulos de câmera e escolher posteriormente como editá-las (em uma comparação mundana seria mais ou menos como a Globo faz com a casa do BBB), Fincher exigia que os atores repetissem cada cena à exaustão. "Algumas vezes, você precisa engolir o orgulho e colocar o pão de cada dia na mesa", explica. "Adoraria fazer dois takes por dia e usar o resto do tempo para tirar umas músicas, ler o jornal relaxadamente e dar uma transadi-nha. Mas, quando ia olhar no monitor o que os outros estavam fazendo, pensava: 'Foda-se. Preciso fazer me-lhor'." Apesar do trabalho duro, os dois gênios não chegaram em nenhum momento às vias de fato. Pelo contrário. "Quando ficava puto, depois de 65 tomadas, chegava para David e dizia: 'Quero que você me mostre meus três melhores takes'. E o cara me mostrava exatamente meus preferidos. Então, para esse filme, o esforço foi necessário."
Mas não precisa ter pena do coitado do Bobby. Se ele sofreu nas mãos do responsável por Seven e Clube da Luta (1999), seu tempo para pesquisar sobre os fatos narrados pela produção foi mais aproveitado com ioga, pinturas e kung fu. "Não vou falar para você que não me importei em ler o livro [Zodíaco, de Graysmith]", revela o astro.
"Mas digamos que tinha outras preocupações. Sou muito bom no que faço e não quero desmerecer uma pequena estudada no personagem. Existem atores que são ótimos em pesquisas, mas são uma merda em cena." Não é preciso uma declaração neste nível para notar que Downey Jr. é um pouco louco. Contudo, essa porra-louquice é o que torna o cara disputado por todos os grandes diretores. Ele mesmo admite sua parcela de insanidade: "Minha mulher é produtora e, de vez em quando, chega histérica em casa gritando: 'Vocês, atores, são loucos!'. Entendo completamente. Alguns de nós agem e falam certas coisas que chegam a ser maluquice".
A nova maluquice de Downey Jr. é bem mais ambiciosa. Em uma reviravolta surpreendente, o (outrora) ator mais temido por Hollywood foi confirmado no papel de Tony Stark, identidade secreta do herói Homem de Ferro na milionária adaptação dos quadrinhos da Marvel. "Não queria trabalhar com uma escolha óbvia", conta o diretor Jon Favreau (Um Duende em Nova York, 2003) ao jornal USA Today. "Os melhores e os piores momentos da vida de Robert foram vistos por todos. Ele precisou encontrar um equilíbrio interior para superar obstáculos que foram além de sua carreira. Isso é Tony Stark." Nessa atualização do clássico de Stan Lee e Jack Kirby, Stark é um bilionário fabricante de armas que é capturado por terroristas, se liberta ao usar uma armadura feita com restos de tecnologia roubada e passa a combater o crime - com um novo uniforme - para compensar a origem dos lucros de sua empresa. "Corri atrás desse papel feito um cachorro", brinca o ator, que já está há dois meses treinando para adquirir o corpo necessário para interpretar o combatente dourado. "Sou um fã do Homem de Ferro porque ele não é um herói comum. Tem problemas com a bebida, é mulherengo, carismático e agradável. É um personagem rico e repleto de defeitos." Engraçado, podemos usar a mesma frase para definir Robert Downey Jr. Essas histórias em quadrinhos estão cada vez mais realistas.
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