Ronaldo Fraga - Divulgação

Ronaldo Fraga lança o livro Caderno de Roupas, Memórias e Croquis, no qual relembra 36 coleções

“O melhor que a moda me trouxe foi me levar por lugares e caminhos aonde não iria sem ela”, diz o estilista, que também comenta a polêmica envolvendo seu desfile na última edição da SPFW

Stella Rodrigues Publicado em 14/04/2013, às 15h32 - Atualizado às 15h32

“Gente, é só colocar o pé para fora de casa que ela já pula em você.” O estilista mineiro Ronaldo Fraga diz que não entende quando as pessoas dizem que estão sem inspiração, já que ele mesmo a enxerga e a busca em absolutamente tudo. Os temas de seus desfiles temáticos, entra temporada, sai temporada, trazem um mergulho profundo em biografias ricas, questões culturais e análises estéticas de regiões do Brasil afastadas dos centros. Como forma de olhar novamente para tudo isso, ele lança agora Caderno de Roupas, Memórias e Croquis, no qual relembra 36 dessas coleções. “Tem as coleções biográficas, literárias, as que olham para os confins do Brasil˜, conforme ele define. “Quando penso em fazer uma coleção, sempre procuro um objeto pesquisado que traga algum elemento caro ao nosso tempo: um valor perdido, ou um desconhecimento sobre determinada face da cultura, ou um saber fazer tradicional em vias de extinção. Algo que me desconcerte, emocione. E levar isso para a moda, que hoje é um dos vetores de comunicação mais eficientes que existem, porque ela fala direto com a primeira mídia que existe, que é o corpo”, diz.

Um entusiasta do registro minucioso de cada peça de cada desfile, com seus traços e repertório, Ronaldo conta que a princípio era contra a ideia do livro. “Fui muito resistente, não via valor nisso. As pessoas falavam para lançar porque existem pouquíssimos registros de processos criativos de estilistas brasileiros. A moda brasileira chegou a um ponto agora que, embora o país não seja conhecido como um que exporta moda, ele é conhecido por ter um povo que se veste de uma forma muito peculiar e que carrega as características de suas regiões na forma de se vestir”, reflete, acrescentando que ainda é resistente à ideia de um livro mais biográfico, com mais texto e menos imagens. “Me cobram isso muito, mas acho isso ainda pretensioso. Não vivi nada ainda!”, afirma, rindo.

Fazem parte dessa memória gráfica do livro, de visual impecável e acabamento caprichado, tudo acompanhado mais do que de perto pelo autor, não somente temas, mas ainda um registro de cartelas de cores usadas, detalhes do tecido, estampas etc. Tudo representado primariamente pelo desenho, mas reforçado por um pequeno texto que serve de complemento e lembrança de como Ronaldo pensa nos bastidores das coleções, que levaram para as passarelas temas como Zuzu Angel, Nara Leão, Lupicínio Rodrigues, Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Pina Bausch e o rio São Francisco.

“Eu digo que o melhor que a moda me trouxe foi me levar por lugares e caminhos aonde não iria sem ela. A do Jequitinhonha me deu uma ótima desculpa para ir para lá, sempre quis ir. Sempre tive uma relação de afeto com o rio São Francisco também e foi com uma coleção que fui ao rio e o vi de cabo a rabo. Passei dois meses na China, estive na Amazônia paraense, viajei a América Latina... dessas coleções que me levam a viagens eu gosto muito, porque as viagens me trazem pessoas”, define. “Gosto muito também das literárias. Você mergulhar em um livro e tirar dele a forma, cor, desenho e volume, para mim isso é libertário. Você se desprende totalmente da referência da revista de moda, que eu acho que é uma referência nociva.”

O livro conta ainda com textos sobre o estilista de autoria da jornalista Regina Guerreiro, da consultora de moda Costanza Pascolato e da pesquisadora Cristiane Mesquita.

Polêmica na última edição da SPFW

Tendo como inspiração o futebol de várzea, o desfile de Ronaldo Fraga na última semana de moda paulistana gerou polêmica por causa do uso de palha de aço no lugar do cabelo das modelos. Algum tempo depois do ocorrido, o estilista explica suas intenções e avalia as razões por trás de ter sido mal interpretado.

“A partir do momento que você põe o pé para fora de casa, já corre o risco de não ser entendido, isso acho tranquilo. Mas acho que vivemos uma certa vigília que vejo como algo complicado. Tem uma onda moralista sobre o mundo, mas no Brasil há um patrulhamento em que coloca-se muito em risco o espaço para sutileza, a ironia, a crítica, a poesia. O que eu fiz ali naquele contexto era justamente o inverso do que me acusaram. Estava falando exatamente do preconceito nos primeiros anos do futebol e o futebol como a primeira vitória da mestiçagem brasileira”, defende.

“Mas tem outra questão extremamente válida de se discutir que é suscitada aí, que é se as pessoas conseguem ver a moda como um vetor cultural. Será que se esse Bombril estivesse em uma escultura de um artista plástico em uma galeria, em uma exposição ou peça de teatro, teria causado o mesmo furor? Eu acredito que não. Será que se eu tivesse colocado, como a maioria, as modelos de cabelo alisado, mesmo sendo negras, isso teria sido visto como preconceito? Também não. Acho que no frigir dos ovos, é a moda cumprindo seu papel de gerar a discussão em torno de determinado assunto.”

“O que me dá prazer, como estilista, é pesquisa”, continua. “É trazer o contexto histórico para a passarela. Quem conhece a minha história sabe que eu levo a pesquisa até as últimas consequências, colocando em risco até o ato comercial da roupa. Eu podia ter colocado todas as modelos ali com o penteado da moda. Mas eu estava contextualizando a história, que era a primeira ideia, do Bombril usado nas antenas para a melhor captação do sinal. Para não ficar parecido com o cabelo de um outro desfile, decidimos colocar o cabelo em ondas, porque eu também estava falando do preconceito no futebol. O meu pai tinha cabelo em ondas, era mulato, e eu estava falando sobre isso. Me senti muito à vontade para colocar isso”, finaliza.

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