A morte de Teori Zavascki não apenas inflamou teorias de conspiração como também reforçou o cenário de descrença da sociedade com a classe política
Aline Oliveira Publicado em 23/02/2017, às 12h03 - Atualizado às 12h49
Certezas não há, mas sobram teorias sobre as causas da queda de um avião no mar de Paraty (RJ), em 19 de janeiro. A aeronave modelo Beechcraft C90GT, que saiu do aeroporto do Campo de Marte, em São Paulo, e caiu por volta de 13h30, levou para a morte o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki e outras quatro pessoas, incluindo o dono do hotel Emiliano (e do avião), Carlos Alberto Fernandes Filgueiras. As primeiras suposições acerca do ocorrido surgiram nas redes sociais minutos após o anúncio da morte do ministro. Um post publicado no Facebook pelo filho dele, o advogado Francisco Prehn Zavascki, em 26 de maio de 2016, voltou à tona. No texto, Francisco afirmava existirem “movimentos dos mais variados tipos para frear a Lava Jato (...). Se algo acontecer com alguém da minha família, vocês já sabem onde procurar...!” A publicação foi apagada na mesma época, após ser publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo. Em entrevista concedida à imprensa na semana após o desastre, Francisco disse torcer para “que tenha sido um acidente. Acho que seria muito ruim para o país saber que meu pai foi assassinado”.
Teori Zavascki era relator da Operação Lava Jato no STF. Sob sua responsabilidade estavam 77 delações para serem homologadas em fevereiro. As informações fornecidas por Marcelo Odebrecht e inúmeros funcionários da empresa vêm tirando o sono da classe política, já que mostram que as doações da empreiteira beneficiaram uma série de políticos. Com esse pacote nas mãos, Zavascki estava em evidência. E isso é um dos combustíveis que alimentam as teorias conspiratórias.
“Para mim, parece esperado que uma sociedade permanentemente ligada à TV abrace essa ideia de sabotagem. Esse tipo de reação conquista as pessoas, e não só aqui mas no mundo todo”, avalia a professora dra. Roseli Martins Coelho, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). “Se você perguntar para um norte-americano se a morte do [ex-presidente John] Kennedy (1917-1963) ocorreu como mostram os livros de história, ele dirá que não.”
No Brasil, outras mortes trágicas também povoaram o imaginário da população. A última a provocar debates conspiratórios foi a do ex-governador de Pernambuco e candidato à Presidência Eduardo Campos, em agosto de 2014. As mortes do presidente da Assembleia Nacional Constituinte Ulysses Guimarães, em 1992, e do ex-presidente Juscelino Juscelino Kubitschek, em 1976, também renderam inúmeras hipóteses. Segundo os especialistas entrevistados, o atual cenário político brasileiro contribui ainda mais para a criação de teorias, na maioria das vezes infundadas.
“A morte do Teori aconteceu em um momento superdelicado do país, que vive a Lava Jato, passou por conturbados processos de eleições e de impeachment e está numa crise política desde 2014”, enumera Rafael Araújo, professor de ciência política da PUC-SP e da FESPSP.
“Essa fantasia é explicada por meio da nossa experiência [na atual sociedade]. Não é tão absurdo imaginar essas coisas, porque o nosso cotidiano é ver que a política brasileira é feita por meio de conchavos, de falcatruas, e que sempre há um interesse privado se sobrepondo ao interesse público”, completa José Nabuco, professor de direito penal da Universidade São Judas Tadeu. Daniel Vargas, professor da FGV Direito Rio, partilha da mesma opinião. “Não é sem motivo que esse tipo de dúvida aparece no noticiário. A história da América Latina e do Brasil, em particular, é repleta de eventos misteriosos e nunca esclarecidos de forma completamente convincente.”
As investigações sobre o acidente seguem em sigilo, uma determinação prevista na lei 12.970 de 2014. Espera-se que ao final do processo todas as histórias divulgadas – se o piloto tentou ou não pousar antes da queda, os depoimentos conflitantes das testemunhas e até as pesquisas na internet sobre o modelo do avião antes do ocorrido – sejam esclarecidas. “Não acredito na hipótese [de atentado]. Seria uma ação muito arriscada. E, além disso, você acha que uma pessoa interessada em derrubar um avião vai entrar mais de mil vezes em um site? É surreal”, opina Rafael Araújo, em referência ao fato de que, antes do acidente, uma página na internet com informações sobre o modelo da aeronave foi acessada mais de 1.900 vezes em um único dia, dado revelado pelo jornalista Cláudio Tognolli.
Para além das teorias de conspiração, as especulações em torno da morte de Zavascki mostram um descrédito do povo com a classe política. “A população está desamparada”, avalia o professor Gerson Moraes, da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Há esse descrédito com os políticos porque a Lava Jato mostra o que o eleitor já sabia: que uma organização tomou conta do poder e, portanto, a corrupção faz parte do jogo político.”
Na visão de Daniel Vargas, da FGV, “o processo de impeachment – que ainda hoje é questionado por uma parcela da população e por alguns intelectuais – gerou ressentimentos que não passaram. E um dos frutos desses ressentimentos foi uma onda crescente de desconfiança e questionamentos sobre a política, suas decisões, economia, direitos e até sobre o STF”. Além da Lava Jato e da queda de Dilma Rousseff, em agosto de 2016, Rafael Araújo, da PUC, acredita que a falta de credibilidade das instituições perante a população se deve, também, ao fato de essas instituições terem tomado “decisões completamente arbitrárias e rumos completamente esdrúxulos. E toda a população vem acompanhando isso, seja ela de esquerda, seja de direita”.
Outro fator contribuiu para as especulações geradas em torno da morte de Zavascki. “Quem são os heróis da nação hoje? O judiciário passou a representar a última tábua de salvação para o povo. Isso alimenta o ego do judiciário, mas, ao mesmo tempo, representa uma forma de combate [para a população]”, relata Gerson Moraes.
A busca por heróis e supostas “soluções mágicas” são os indícios de uma despolitização não só no Brasil mas no mundo. Aliado a isso, está o fato de, muitas vezes, o cidadão não se aprofundar em determinadas questões políticas ou não entender o papel de certos cargos e instituições. No caso de Zavascki, o papel dele no STF – após sua morte – pareceu superestimado. “Nessas teorias de conspiração, você vê as pessoas preocupadas como se o relator fosse o único julgador. E não é. Ele é importante, mas não o único”, explica José Nabuco. “O processo vai ser julgado pelo colegiado. Vimos isso no mensalão: quem era contra o julgamento demonizava o [relator do processo] Joaquim Barbosa.”
Ao relator cabe a função de conhecer o processo. Ele estuda e vota. Seu voto é o primeiro. O revisor é outro que conhece detalhadamente todos os papéis do caso. E os demais ministros votam sem ter tido o mesmo contato minucioso com a papelada, algo que cabe ao relator e ao revisor. “É claro que os processos são eletrônicos e em casos de notoriedade os ministros os estudam. Mas, a rigor, os ministros não conhecem o processo. Eles votam com base nos votos do relator e do revisor”, explica Nabuco. Ainda que relator e revisor estejam na “ponta” do processo, a decisão final não está nas mãos deles. Diante disso, a ideia de que todo o processo da Lava Jato estaria comprometido com a morte de Zavascki é, segundo Roseli Martins Coelho, “um exagero”.
“O STF é uma instituição e não um sujeito. As coisas vão continuar como estavam indo. Inclusive porque o que o relator faz é dar uma indicação ao plenário. Em minha opinião, nada muda. Vai atrasar um pouco, porque, é claro, haverá a substituição e quem entrar deverá entender todo o processo, mas tirando esse atraso não há riscos”, avalia Andréa Freitas, professora do Departamento de Ciência Política da Unicamp.
A presidente do supremo tribunal Federal, Cármen Lúcia, autorizou, em 24 de janeiro, que os juízes auxiliares de Teori Zavascki retomassem os procedimentos formais para que as delações de executivos da empreiteira Odebrecht fossem homologadas, o que ocorreu, graças à agilidade da ministra, no dia 30 de janeiro. A definição do novo relator da Lava Jato foi divulgada em 2 de fevereiro, após sorteio eletrônico. A escolha aleatória foi feita entre os ministros da Segunda Turma, à qual pertencia Zavascki. Entre os nomes estavam o revisor do processo, o ministro Celso de Mello, Gilmar Mendes, José Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e o sorteado, Edson Fachin.
O ministro Fachin é considerado novato no Supremo, tendo assumido o cargo em junho de 2015, indicado por Dilma Rousseff. Transferido para a Segunda Turma em 1º de fevereiro de 2017, Fachin apresenta comportamento discreto, traço semelhante ao de Zavascki. “Ele tem um perfil de um juiz que se porta como um magistrado, cumprindo o que se chama de liturgia do cargo. Não faz declarações precipitadas, não faz declarações à imprensa”, avalia José Nabuco.
O professor de direito penal também destaca a imparcialidade de Fachin, característica positiva e esperada em quem assume o posto de relator. “Quando se trata das decisões, ele não tem gerado – como é o caso de alguns de seus colegas – uma desconfiança, muito pelo contrário. É claro que não podemos ser levianos e afirmar que esse ou aquele ministro agiria de forma parcial, mas não podemos negar que alguns ministros, pela postura, acabaram gerando na sociedade a impressão de que estavam pendendo para determinado lado.”
Até o fechamento desta edição, a 11ª cadeira do Supremo Tribunal Federal seguia vazia. O presidente da República, Michel Temer, informou a jornalistas, na semana da morte de Zavascki, que só iria escolher um novo nome para o posto deixado pelo ministro após a definição do relator. “Ele fez o óbvio”, diz Roseli Martins Coelho, da FESPSP. Não há prazo estabelecido para o presidente fazer a nomeação. “Se ele não escolher, o STF pode seguir normalmente”, completa José Nabuco.
Vida Quase Anônima
Até assumir a relatoria da Lava Jato, o trabalho do ministro Teori Zavascki era feito sem alarde
O magistrado Teori Zavascki tornou-se ministro do Supremo Tribunal Federal em novembro de 2012, indicado pela então presidente da República Dilma Rousseff. À época, praticamente não houve nenhuma oposição ao seu nome no meio jurídico. Considerado um ministro discreto e técnico, Zavascki virou um nome conhecido pela população após assumir a relatoria da Operação Lava Jato.
No Supremo Tribunal Federal, ele autorizou, em 2015, a abertura do inquérito para investigar 47 políticos suspeitos de terem ligação com a corrupção na Petrobras.Também foi Zavascki que negou, em maio de 2016, um recurso da Advocacia-Geral da Uniãopara anular o processo de impeachment da petista Dilma Rousseff. Naquele momento, ele declarou que o pedido de impeachment representava “a vontade conjugada de quase 370 parlamentares”.
Nascido em Santa Catarina, o ministro morreu aos 68 anos. Antes do STF, também atuou como ministrodoSuperior Tribunal de Justiça. Formou-se em direito em 1971, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde concluiu os cursos de mestrado e doutorado. Iniciou a carreira como advogado no Banco do Brasil, permanecendo lá até 1989. Naquele ano, foi desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, onde seguiu até 2003, quando assumiu o cargo de ministro no STJ.
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