Paulo Cavalcanti
Publicado em 13/05/2015, às 16h25 - Atualizado às 16h56A próspera cidade do Cabo é o segundo município mais populoso da África do Sul. Muitas vezes, o local é tristemente lembrado por ter Robben Island em seu território: foi nessa ilha, em uma prisão federal, que Nelson Mandela ficou trancafi ado por 18 dos 27 anos em que permaneceu preso. Depois de libertado, Mandela, sem apelar para o ódio, lutou contra o racismo e contra o ranço colonialista que era imposto à população negra. Esse passado já seria sufi ciente para tornar a Cidade do Cabo um possível campo de ressentimentos e confrontos. Mas é justamente o contrário – além de Mandela ser venerado como um santo, lá ocorrem eventos musicais de grande porte que, se antigamente eram privilégio apenas de uma elite branca, hoje são acessíveis a toda a população.
Os músicos locais, que sempre foram uma presença poderosa contra o apartheid, brilharam na 16º edição do Cape Town International Jazz Festival, realizado nos dias 27 e 28 de março. Apesar da presença de astros internacionais como a polonesa Basia Trzetrzelewska e o norte- -americano Al Jarreau, o festival serviu mesmo para celebrar ritmos, cores e sabores do país. Essa junção da sofi sticação do jazz com a efervescência e exotismo da música africana aconteceu em cinco palcos distribuídos pelo espaçoso Cape Town International Convention Center. Cerca de 30 mil pessoas presenciaram a festividade. Dentro dessa atmosfera, nada foi mais emblemático que a apresentação do trio vocal The Mahotella Queens, que aproveitou a ocasião para celebrar os 50 anos de sua existência no palco Kippies, o principal do festival. Autêntico patrimônio da música sul -africana, o Queens ainda conta em sua atual formação com duas das integrantes originais. Para consagrar a longevidade das artistas, Jacob Zuma, presidente da África do Sul, subiu ao palco para ajudá-las a cortar um bolo enquanto o grande público cantava os parabéns, em inglês.
O veterano cantor e trompetista Hugh Masekela, que também tocou no Kippies, nem precisou se esforçar para escancarar seu status de lenda-mor da música local. Enquanto ele executava canções de sua longa carreira, o público se acabava em coreografias elaboradas. Sipho “Hotstix” Mabuse, outro mega-astro por lá, desfilou hits como “Burn Out”, que emendou a uma versão de “Redemption Song”, de Bob Marley, lembrando o público de
que a luta por justiça e liberdade deve ser eterna.
Para quem procurava jazz tradicional, a grande pedida foi a apresentação da cantora Dee Dee Bridgewater com o trompetista Irvin Mayfi eld. Acompanhados da New Orleans Jazz Orchestra, os dois interpretaram standards do gênero em um clima nostálgico de cabaré. Al Jarreau também se destacou enquanto exibia a impressionante técnica vocal pela qual é conhecido O lado mais pop do festival ficou com Basia, que voltou aos anos 1980 no Kippies ao relembrar hits como “Half a Minute”, que a consagrou quando ainda fazia parte do grupo Matt Bianco. Basia também fez uma conexão com o Brasil ao cantar um repertório pop calcado na bossa nova e no que pode ser definido como “samba para gringo”, de gingado mais suave.
Enquanto os maiores nomes passavam pelo Kippies, os outros palcos montados no International Convention Center – chamados Rosies, Molelekwa,
Manenberg e Bassline – também traziam excelentes atrações, entre elas Victor Masondo, Madala Kunene e Gerald Clayton Trio, em um evento organizado e autocelebrativo de fazer inveja aos grandes festivais realizados atualmente no Brasil.