Sangue Indígena

Contemporâneo de OSGEMEOS e Vitché, Nunca estudou história da Arte para criar alguns dos personagens mais reconhecíveis do Grafite Brasileiro

Luciana Rabassallo

Publicado em 17/04/2015, às 16h06 - Atualizado em 21/04/2015, às 15h56
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Sangue Indígena -

Canibalizar a publicidade e transformá-la em protesto. Esse é o mote do trabalho de Francisco Rodrigues da Silva, artista que atende pelo pseudônimo de Nunca e é um dos proeminentes representantes do grafite paulista. Aos 32 anos, o brasileiro assina obras ao redor do mundo, como o famoso mural do castelo medieval de Kelburn, na Escócia, e a pintura temporária da fachada do museu Tate Modern, em Londres.

Nascido e criado na periferia de São Paulo,o grafiteiro teve o primeiro contato com a arte de rua aos 10 anos. “Eu me mudei com a minha família para o bairro de Itaquera e, à época, fiz as minhas primeiras intervenções na rua”, conta. “Desde criança, aprendi a me expressar por meio do desenho. Minha mãe sempre me incentivou e comprava os materiais para eu desenhar.”

A veia artística de Nunca é inata, contudo, o grafite tornou-se uma paixão para ele durante a adolescência, quando conheceu Vitché e a dupla Gustavo e Otávio Pandolfo, que forma OSGEMEOS. “Todos nós éramos novos, mas eles já tinham história no meio da arte urbana. Esse encontro foi fundamental para o meu desenvolvimento, tanto intelectual quanto artístico. Com eles, eu aprendi o que é o grafite tradicional”, relembra.

Pensando em se aprofundar na técnica e desenvolver um estilo próprio, Nunca decidiu estudar os movimentos artísticos tradicionais. “Mergulhei na história da arte no Brasil. Analisei os expoentes, os movimentos e a situação socioeconômica em que esses artistas trabalharam.” O excesso de publicidade, que dominava as ruas de São Paulo antes da Lei Cidade Limpa, em vigor desde janeiro de 2007, também tem um papel fundamental na trajetória do artista.

“A minha arte é uma forma de dizer não ao consumismo e aos efeitos da publicidade”, ele explica. “É um protesto contra a indústria que tenta impor um estilo de vida e uma forma de pensar apenas para vender mais. A propaganda, através de panfletos, placas e outdoors, está exposta nas ruas, mas um artista não pode usar o mesmo espaço para fazer um trabalho. Essa proibição me fez adotar o pseudônimo Nunca.”

A ideia da marginalidade, inerente ao trabalho dos grafiteiros, é representada na extensa obra do artista por meio da figura do índio, personagem que é a marca registrada dele. “Eu percebi que a cultura do grafite tem semelhanças com a cultura indígena. As tribos têm tradições, um código de regras e algumas características próprias. A pintura corporal, por exemplo, é uma delas. No grafite, é a mesma coisa. Cada grupo tem uma tipografia específica e essa tradição é mantida.”

Para Nunca, a obra dele está à margem das representações artísticas convencionais, assim como as tribos indígenas. “O meu trabalho, basicamente, é fazer uma conexão entre coisas que parecem não ter ligação”, afirma. “Um índio usando um celular, por exemplo, é algo que não tem muito sentido. Mas isso é uma consequência da publicidade. Para mim, mostrar isso nas ruas é uma forma de protesto.”

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