Contando com a teimosia, os lemas do escotismo e um visual que contraria estereótipos, Adriana Birolli conquista novamente um destaque no horário nobre da TV – e não está nem aí para o que pensam sobre ela
André Rodrigues Publicado em 14/10/2011, às 12h51 - Atualizado em 25/11/2011, às 12h32
A dois dias da primavera, um vento constante refresca os 27 0C do começo de tarde em um dos jardins da mansão da família Velmont. Patrícia, a filha mais velha dos ricaços René e Tereza Cristina, está saindo para mais uma de suas aulas do curso de psicologia. Ela passa por imensos gramados bem cortados e encontra o pai em uma das pequenas pontes que atravessam as diversas piscinas. Os dois trocam algumas frases e suaves carinhos e se despedem. Patrícia, que naquela altura estava de coração partido depois de romper um promissor namoro com Antenor, vem em minha direção. Vestindo calça, colares e camisa, ela tira os sapatos e os óculos escuros. Seus olhos azuis estalam ao entrar em contato com a luz do sol. “Onde foi que a gente parou mesmo?”, ela se senta na beirada de um pequeno mirante. Aos nossos pés, todo o poder dos Velmont e o de estrelar uma novela das 9. Patrícia, a riquinha de Fina Estampa, é a atriz curitibana Adriana Birolli. Aos 23 anos e em seu segundo papel de destaque no principal horário de folhetim da maior emissora do país, ela é uma das grandes apostas da Rede Globo. “Então, a gente estava falando se eu prefiro comédia ou drama”, Adriana continua, sem esperar a minha deixa, relembrando uma pergunta-clichê que eu tinha feito antes de a gente entrar na casa onde mora sua mais nova criação.
A trajetória até aquele jardim hollywoodiano tinha começado às 8h30 na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. Lá eu encontraria Adriana para passarmos o dia juntos, acompanhando a rotina de fotos, entrevistas e gravações dela. Morando na cidade (em Ipanema) desde 2007, quando passou nos testes para frequentar os quatro meses do curso de formação de atores da Globo, ela já consegue controlar o sotaque de Curitiba e a saudade dos amigos e familiares que deixou para trás. “No começo a vida no Rio não era nem um pouco fácil. Fiz peça para seis, sete pessoas, entendeu?”, ela diz, referindo-se ao período em que ficou na cidade esperando a sua “grande chance”, que veio em 2009-2010, ao interpretar a malvadinha Isabel em Viver a Vida, de Manoel Carlos. “Vim para o Rio e, enquanto fazia a Oficina [curso de atores da Globo], agilizei um teatro para entrar em cartaz. Não ia ficar aqui olhando o céu, andando de bicicleta.” Se antes o seu lado empreendedor (ela produziu todas as peças em que atuou) impedia qualquer atitude flâneur, hoje é a sua rotina atribulada que deixa os pneus de sua bicicleta murchos. Seu primeiro compromisso do dia (tirar fotos para uma reportagem andando sobre duas rodas) atrasou um pouco porque antes foi necessário achar um posto e encher os pneus da bike. Quem realizou a tarefa foi Ruiz Bellenda, empresário, assessor, diretor, coach, amigo e confidente de Adriana desde que ela tinha 13 anos. “Quando ela apareceu no meu curso, na hora eu me perguntei quem era aquela Jodie Foster”, Bellenda conta, enquanto a atriz ajeita seus 49 quilos no selim e começa a desfilar pela ciclovia da Lagoa. É ele quem discute previamente cada cena com Adriana. Os dois vieram juntos para a capital carioca.
A preocupação de Adriana naquele dia ensolarado era ver alguns longas com a norte-americana Faye Dunaway para buscar referências. Segundo Bellenda, seria uma boa aula para ela fazer uma cena em que ela tinha de ficar “mais fria que uma nevasca na Sibéria” ao encontrar o ex, Antenor (interpretado por Caio Castro). O desafio de ser mais gelada que uma tempestade de neve vinha de Aguinaldo Silva, o autor de Fina Estampa. Tudo começou já no primeiro episódio, com uma cena de sexo e beijos calientes no galã Antenor, estudante de medicina e filho de Griselda, a Pereirão (Lilia Cabral, que fez a mãe de Adriana em Viver a Vida). Os beijos mais demorados e intensos incomodaram o público – principalmente o feminino. Em pouco tempo, virou mania dizer que “esses dois não fazem nada, só beijam!” Para Adriana isso não foi problema. “Não tenho a menor dificuldade em fazer cena de beijo, de sexo. A coreografia é mais difícil do que o todo.” As artimanhas de Aguinaldo Silva têm funcionado. Fina Estampa atingiu, em seu primeiro mês, índices de audiência acima da média e se tornou o maior sucesso do horário nos últimos três anos. A ação incessante já fez Patrícia deixar seu lado reservado e “romântico-saliva” para trás e desfazer o romance ao descobrir que Antenor havia mentido para ela – ele apresentou uma mãe fake para a família dela, já que tinha vergonha da Pereirão. “Ainda estou aprendendo com a Patrícia. Ela vai mudar muito. Avisaram que não tenho noção do que ela vai passar”, Adriana conta, fazendo publicidade da personagem que, se ficar até o fim da novela, estará na tela ainda em março ou abril de 2012.
Clique aqui para ver o making of do ensaio de fotos.
Depois das fotos na lagoa, atravessamos o Rio no carro dela (um Fiat Punto emprestado). Ela dirige e vamos em direção à casa dos Velmont, uma locação alugada pela Globo e que fica na Barra da Tijuca, onde ela passará o resto do dia gravando duas cenas. A longa distância permite que Adriana troque de marcha uma centena de vezes, escape de alguns motoristas incautos e conte em detalhes sua trajetória. Ela começou no teatro aos 8 anos, quando fez o primeiro curso de interpretação. A estreia nos palcos foi fazendo o narrador de O Teimosinho e o Mandão, peça de Ruth Rocha. Aos poucos, foi percebendo a força do tablado. “Há muitos atores que rejeitam o teatro, e outros são viciados. O teatro tem isso: ele te pica ou não te pica. Eu fui picada pelo bichinho do teatro”, ela diz, transparecendo paixão. Com 1,63 m e vestindo tênis, short jeans e camiseta, no geral ela passa como uma garota carioca ordinária – bem longe do tamanho e da força que expressa na tela. Mas Adriana Birolli é construída sobre três detalhes que causam um estranho fascínio e colaboram para diferenciá-la de suas companheiras de geração: os olhos azuis camaleônicos, que às vezes se apresentam esverdeados, ou, para criar um neologismo, “verzuis”, que mudam de tom e transparência conforme a luz, o ambiente ou a cor da roupa; os traços incomuns de seu rosto, de forma geométrica bem distinta das faces redondas e simétricas de algumas modelos – uma face pronta para virar caricatura e que sempre nos remete para a pergunta “com quem ela se parece mesmo?”; e o vozeirão riscado, rouco, que gruda nos ouvidos.
“Eu fiz a vida das pessoas um inferno. Obrigava a ter ensaios na hora do almoço e nos intervalos. Aconteceu um motim e não teve peça”, ela comenta da experiência como diretora de teatro no colégio, aos 13 anos. Foi após esse pequeno trauma com o elenco que ela resolveu procurar um curso mais sério para desobstruir a veia teatral. “Então fui para as aulas do Ruiz e ali começou uma parceria de vida.” Segundo as contas de Adriana, a dupla encenou quase 20 peças nestes dez anos de comunhão. Os textos variaram entre clássicos do irlandês Oscar Wilde, ideias originais escritas por Ruiz e uma adaptação de contos da escritora norte-americana Dorothy Parker – que levou o título de Manual Prático da Mulher Desesperada e se tornou o maior sucesso da dupla (montado regularmente desde 2006). Figura assídua nos palcos de Curitiba, Adriana chamou a atenção e foi convocada para fazer um teste para cursar a Oficina de Atores da Rede Globo em 2007. Passou e se mudou para o Rio.
Fazemos uma parada para tomar café em um shopping. Ela gosta de falar – mas diz que sua voz sempre foi rouca e não se desgastou com o tempo e o uso – e demonstra uma ansiedade nata (“Sou ansiosa e muito elétrica. Sempre foi assim, desde criança”). Filha de empresários – o pai é do ramo de construção e a mãe tem uma confecção –, Adriana é prática e soube desde cedo lidar com sua faceta empreendedora. Na hora de fazer um curso superior, cogitou direito, mas, ao fazer testes vocacionais, escolheu psicologia na Federal do Paraná e publicidade na PUC de Curitiba. Rodou nos dois vestibulares. “Quando vi que não passei na Federal, escrevi MED [Medicina] na testa e fui para o banho de lama”, conta, rindo. Na época, ela já tinha o registro profissional de atriz. A surpresa veio dias depois, quando descobriu que tinha passado, na segunda chamada, em publicidade. “Fiz três anos e meio, mas não consegui completar porque me mudei para o Rio e não rolou a transferência. Tentei de tudo para fechar. Faltou um semestre.”
Adriana pede um café com leite e sanduíche de pão de miga. Ela joga toda a responsabilidade de sua boa forma na genética. Não malha nem cuida do corpo. “Não tenho neurose nenhuma. Estou megassatisfeita com meu corpo. Como o que eu quero. Se um dia não estiver satisfeita, vou fazer alguma coisa.” Na noite anterior, jantou Goiabinha (“Adoro comer porcaria”).
Por ter feito tanto teatro – só depois do sucesso na TV que fez campanhas publicitárias como modelo –, ela demonstra propriedade ao falar da profissão: “Para fazer um personagem, teoricamente você tem que se conhecer muito para ser capaz de se abandonar e poder colocar as características dele”. Toda essa consciência passa muita segurança para quem conversa com Adriana. “Sou segura. E acho que isso incomoda um pouco as pessoas”. Ela para e completa: “Acho, não. Sei”. Mesmo com toda a confiança, interpretar a capeta Isabel deu muito trabalho no início. “Eu lia e falava: ‘Meu Deus, sério que ela vai falar isso?’ Pegava no meu senso de justiça, ia totalmente contra mim”, cita. E ir contra Adriana é enfrentar toda uma nação de escoteiros. Ela pratica o escotismo desde os 6 anos de idade.
De volta ao carro para chegarmos no horário na gravação, ela passa a falar dos tempos em que acampava, fazia fogo e usava um facão. “É aventura. Tive uma puta formação no escotismo.” Adriana defende a causa, cita os lemas (“melhor possível”, “sempre alerta”), revela as divisões por idade (“lobinho, escoteiro, sênior e pioneiro”) e dá uma rápida aula sobre os valores e as vantagens de seguir o movimento criado pelo barão Baden-Powell, em 1907. Adriana estava em um acampamento escoteiro em 2007, na Inglaterra, quando recebeu a notícia de que tinha passado na Oficina da Globo. Mas o escotismo deu alguma dor de cabeça para ela no ano passado, quando a atriz apareceu no Programa do Jô. No YouTube é possível verificar sua desenvolta descrição de como matou uma galinha e dois coelhos em um acampamento. Durante algum tempo, a imprensa noticiou que uma sociedade protetora de animais estaria pensando em tomar providências sobre a fala de Adriana e a suposta crueldade. Como sempre, história entrou para o anedotário das bizarrices do politicamente correto e não deu em nada.
“Bom-dia, filha”, diz Dalton Vigh, o ator que interpreta René Velmont, pai de Patrícia em Fina Estampa. Estamos em uma improvisada sala de maquiagem montada na mansão Velmont – em uma gigantesca área cheia de aparelhos de ginástica – minutos antes da cena em que Patrícia encontra o pai no jardim. O clima é de calmaria. Aguinaldo Silva trabalha com uma boa frente de capítulos, permitindo uma agenda intensa, mas organizada.
Patrícia chegou por convite. Nada de teste ou provações como em Viver a Vida. “Estava no teatro fazendo Anita Garibaldi. Um dia, tocou o telefone e era o Wolf Maya [diretor-geral de Fina Estampa] me convidando para fazer a novela”, ela conta para emendar com seu processo criativo. Adriana lembra que para fazer esse papel assistiu a muitos filmes com Elizabeth Taylor e também a Laços de Ternura para ver a atuação de Debra Winger (“Debra tem uma relação de amor, mas ao mesmo tempo insuportável, com a mãe”). Cheia de talentos escondidos (fez curso de tango, judô, balé, jazz, natação, ginástica olímpica, jogou futebol, deu aulas de forró), Adriana compreende que, assim como Patrícia, deve se resguardar um pouco. Hoje, ela transita na ponte pênsil do sucesso. “Sou muito aberta, mas, na hora de ter meu canto, eu quero ter meu momento, meu espaço. Tem um momento em que me fecho.” Teve um longo relacionamento amoroso de seis anos com alguém que ficou em Curitiba. Solteira, namora em casa (“Nunca ninguém me viu com alguém. Mas porque eu não saio de casa com ninguém”). Também diz conseguir passar ao largo das fofocas sobre um suposto relacionamento com o parceiro de cena Caio Castro (“Se falam isso é porque os personagens estão funcionando”) e de algumas críticas de colunistas de TV. “Já é meu trabalho dar entrevistas, tirar foto... Se eu chegar em casa, num momento em que seria para falar de menino... Falar de filme, fazer nada, momento de relaxamento... Vou colocar meu nome no Google?”
Para o futuro, quer voltar ao teatro assim que acabar Fina Estampa e fazer seu primeiro filme. “Sou muito nova para sonhar. Por enquanto tenho planos.” E são vários: casar, ter três filhos, tocar violão, estudar canto, continuar as aulas de tango e cursar a faculdade de filosofia (“Muita coisa”). Seus olhos apenas murcham um pouco quando fala da saudade que sente da família que deixou no Paraná – ela tem um irmão músico e uma irmã estilista. “Nem lembro a última vez que fui para Curitiba”, lamenta.
Naquele dia ela ainda faria uma cena noturna; no seguinte, viajaria para São Paulo. No fim de semana, estaria na Chapada dos Veadeiros para uma campanha de jeans. Algumas pessoas sinalizam que meu horário no templo dos Velmont acabou. Antes de nos despedirmos, ela quer me contar uma história que define a carreira dela até aqui: “Quando eu era pequena, tinha uma horta num clube lá de Curitiba. Meu pai tava colhendo cenourinha e morango. Eu falei: ‘Por que a gente não planta um pé de bife?’ Quando passei na Oficina, meu pai me mandou um e-mail falando: ‘Pronto, filha, você vai colher agora seu pé de bife. Você nunca quis plantar cenoura’. Eu quis plantar bife, por isso vou colher bife”’.
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