Em entrevista exclusiva, o juiz da Lava-Jato esquiva-se de questões pessoais, mas oferece uma ampla visão sobre suas ideias e trabalho na Justiça
Jorge Fontevecchia* Publicado em 02/06/2017, às 18h06
Mesmo conhecendo as inúmeras consequências políticas e econômicas da operação Lava-Jato em toda a América Latina, é difícil para um estrangeiro compreender o que representa o juiz Sergio Moro no Brasil. No prédio da 13ª Vara Federal de Curitiba, em Curitiba, sou recebido por uma encarregada, que enquanto caminhamos ao andar do juiz pergunta: “Você está ciente do privilégio que tem? Todo o jornalismo brasileiro e as pessoas mais importantes do país querem falar com o juiz Moro, e ele não vai atender ninguém”.
No dia seguinte pude comprovar isso, em São Paulo, quando recebi pedidos de diversos veículos brasileiros querendo publicar a entrevista a seguir. Moro explica que não fala com os jornalistas do país para evitar perguntas específicas relacionadas a casos que ainda está julgando. Ficou acertado que nossa conversa [publicada originalmente no jornal argentino Perfil, em 26 de março] iria além de questões pontuais. Duraria uma hora, mas falamos por quase o dobro do tempo.
O Brasil agora ocupa posição de vanguarda na América Latina em julgar a corrupção de políticos e empresários? Isso cria uma jurisprudência mais imediata em todos os países vizinhos, já que a Odebrecht atuou na maioria deles?
O problema que temos na região, e no fundo são problemas universais, é que é difícil lutar contra certos tipos de crimes praticados por políticos ou pessoas de poder econômico. Entretanto, quando os países reagem institucionalmente a esses delitos, há um avanço do que chamamos de “rule of law”: o governo das leis, não dos homens. O Brasil tem motivos para se orgulhar, considerando os casos que já se julgaram nesse enfrentamento atual com os delitos de corrupção, e quem sabe isso também possa provocar avanços institucionais mais amplos para o nosso país e, possivelmente, para a região.
As empreiteiras cresceram exponencialmente durante o governo militar brasileiro, de 1964 a 1985. Podemos dizer que a corrupção prospera em sistemas de menor institucionalidade democrática?
É muito difícil dimensionar o tamanho da corrupção, porque não há estatísticas disponíveis. Os indicadores falam mais de percepções que de um dimensionamento tangível. Inclusive nos países onde se comprova a corrupção só se pode avaliar o tamanho dos casos judiciais, e isso não significa que outros países que não tiveram esses casos na Justiça tenham um grau mais baixo de corrupção. Às vezes, é o contrário: o fato de não ter casos judiciais relevantes implica uma disseminação maior da corrupção. No Brasil, existe uma percepção histórica de que a corrupção sempre foi um problema grave e de que as respostas institucionais sempre foram fracas – escândalos criminais recorrentes que muitas vezes não eram punidos na Justiça. A partir da democratização, esses escândalos passaram a ocupar mais espaço nos jornais, embora durante a ditadura, eventualmente, também aparecessem notícias a respeito. A corrupção está relacionada à impunidade. Elas andam de mãos dadas. É o que chamamos de corrupção sistêmica. Quando as instituições reagem, é gerada uma perspectiva de um futuro com menos corrupção. Mas a corrupção também tem outras causas. Não existe uma relação tão direta entre o fim da impunidade e o fim da corrupção.
O julgamento dos crimes da ditadura militar na Argentina se realizou quando esta já não estava em vigor, durante a presidência de Raúl Alfonsín (1983-1989). Alberto Fujimori também foi condenado no Peru quando estava fora do poder. Mas no caso da Lava-Jato foram e são julgados representantes que estão em atividade no governo, o que requer uma fortaleza institucional até então desconhecida na América Latina. Que diferença há na Justiça do Brasil que permite que o país seja vanguarda jurídica regional em comparação aos demais países latino-americanos?
É uma pergunta muito interessante, porque no passado o Brasil não tinha condições de lutar adequadamente contra esse tipo de crime. Há alguns anos, as instituições judiciais, da Justiça Penal, a polícia e o Ministério Público vêm modificando esse quadro. Não foi só a operação Lava-Jato. Aqui, podemos mencionar o Supremo Tribunal Federal brasileiro, que em 2012 julgou o Mensalão e nessa oportunidade condenou pessoas muito poderosas e também seus corruptores. A operação Lava-Jato não veio do nada, vem sendo construída em uma linha de precedentes nos quais a Justiça e as instituições da Justiça Penal vão atuando de maneira mais independente. É muito difícil dizer por que [ocorreu] neste momento e não em outro. Tínhamos uma série de casos que se juntaram circunstancialmente e terminaram propiciando o início da operação. Uma das questões fundamentais é a independência do próprio Poder Judiciário. No Brasil, os juízes têm uma série de garantias e a possibilidade, pelo menos formal, de serem independentes. Claro que às vezes é questão de exercer essa independência.
O que percebemos no Brasil é que se está democratizando o país a partir do Poder Judiciário e, como você apontou, isso não começou agora com a Lava-Jato. E isso deve elevar a qualidade da política no Brasil.
Também é preciso frisar que existia uma tradição de impunidade em relação a esse tipo de delinquência, e essa mudança é algo relativamente novo. Eu colocaria a Lava-Jato e precedentes [como um começo], mas é cedo para afirmar que já saímos de um regime de impunidade rumo a outro de culpabilidade efetiva no caso de crimes praticados pelos poderosos. É apropriado ter certa cautela.
[É preciso] uma mudança cultural.
Exatamente. Algumas coisas dependem do comportamento da Justiça. Por exemplo, isso tudo está produzindo uma mudança no mundo dos negócios, nas empresas privadas. Porque as empresas também podem combater a corrupção e é do interesse delas, independentemente da ação de autoridades públicas. Atualmente há muito mais empresas preocupadas com sistemas efetivos de “compliance”, e surgiram alguns casos relevantes nestes últimos dois anos de grandes empresas brasileiras que, procuradas por agentes públicos com pedidos de propina, em vez de assumir a conduta que antes era comum e efetuar o pagamento, foram às autoridades para denunciar esses delitos.
Agora que a digitalização permite acessar virtualmente todo tipo de dados, a colaboração internacional dos sistemas judiciais de muitos países irá deixar cada vez mais difícil a corrupção em grande escala? Podemos ser otimistas nesse quesito?
Às vezes, é preciso ser otimista com certa dose de ceticismo. O fenômeno da globalização faz com que os negócios sejam cada vez mais transnacionais, e isso também traz oportunidades transnacionais para a prática de diversos crimes, não só de corrupção. Diante desse caráter transnacional, é necessária uma cooperação entre os países, uma atuação conjunta em processos que podem afetar um ou mais países. Essa facilidade da comunicação digital impulsiona a cooperação internacional, mas ainda é em parte burocrática, e a qualidade da cooperação depende muito dos países envolvidos. Algumas nações cooperam mais, outras menos, mas é inegável que nos últimos 10 ou 15 anos os avanços foram muito expressivos.
No Brasil, os membros do Executivo e do Legislativo têm foro privilegiado, e assim só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Essa limitação pode fazer que os julgamentos da corrupção na política sejam comprometidos?
Vem sendo muito discutido no Brasil por que nosso Supremo Tribunal Federal tem competência originária para julgar casos penais contra altas autoridades públicas. Imagino que quando se criou esse privilégio se pensava que haveria poucas acusações penais nesse nível de autoridade. Mas os fatos terminaram revelando algo diferente, e hoje é um verdadeiro desafio para o Supremo cuidar de todos esses casos. É uma corte com um número limitado de juízes, como deve ser qualquer suprema corte, e além de julgar casos em que há foro privilegiado há outras competências que cabem ao Supremo. O foro privilegiado não é sinônimo de impunidade, mas tem sido muito questionado, inclusive por ministros do Supremo Tribunal Federal, porque, de certa forma, contradiz a ideia básica de uma democracia, em que todas as pessoas devem ser tratadas como iguais.
Qual seria o principal erro a ser evitado por juízes que investigam corrupção em grande escala?
O erro que deveriam evitar? Tento evitar qualquer tipo de comportamento de celebridade. Os juízes devem atuar com discrição. Raras vezes dou entrevistas. Aqui no Brasil, em três anos dei só uma entrevista a um jornal. Fico mais confortável para falar, por exemplo, com veículos da Argentina, porque sei que aí o propósito é diferente – é transmitir uma mensagem para países que vivem os mesmos problemas, e às vezes acredito que tenho o dever de transmitir essa mensagem. Tentei o máximo possível evitar todo tipo de auto-celebração pessoal, como se fosse o único responsável pela Lava-Jato, porque não sou. A atenção se concentra na figura do juiz, mas é todo um trabalho institucional do Ministério Público, da polícia, de outros órgãos que estão auxiliando. E dentro do Poder Judiciário há várias instâncias.
A delação premiada foi o principal recurso que permitiu avançar de forma mais veloz o processo da Lava-Jato?
Não diria que foi o principal, mas foi importante. No primeiro ano das investigações, em 2014, praticamente não houve nenhuma colaboração, e mesmo assim conseguimos chegar às contas que eram usadas para lavar o dinheiro desses esquemas de corrupção, e também às contas de alguns dos diretores da Petrobras que estavam ocultas no exterior. Mas é inegável que com a colaboração de alguns desses indivíduos houve certo salto na magnitude da investigação. Esse método sempre deve ser acompanhado de outros métodos, porque a palavra de um criminoso só é confiável se houver provas. A revelação do crime por parte de um colaborador não elimina o resto do trabalho investigativo.
A experiência judicial argentina mostra uma tendência a acentuar a investigação dos protagonistas estatais, colocando em segundo plano a participação do empresariado. Essa circunstância, o anonimato e a consequente impunidade de uma das partes podem ter favorecido a perpetuação desse tipo de crime em diferentes governos?
É possível. O corruptor e o corrompido se encontram no mesmo nível de culpa e quando se prova a responsabilidade ambos devem ser castigados. Quando estudava direito comparado, encontrei um discurso pronunciado em 1903 por Theodore Roosevelt [presidente dos Estados Unidos de 1901 a 1909] no Congresso norte-americano, e um dos aspectos que ele ressalta é este: o corrupto e o corruptor se encontram no mesmo grau de infâmia. Ele chega a afirmar que eram piores que ladrões e assassinos.
O caso Lava-Jato apresentaria a hipótese de que uma boa estratégia para desmantelar esquemas de corrupção seria começar pelo setor privado?
Um aspecto interessante desse caso foi que também se constatou que vários desses empresários se reuniam previamente e definiam quem ia ganhar determinado contrato da Petrobras. Como participava das licitações, a empresa definida como ganhadora tinha a chance de apresentar uma proposta de preços sem que houvesse concorrência real, e tinha a cobertura das demais. Isso também ilustra como esses esquemas impactam a eficiência econômica, afetam não só a integridade do processo de licitação mas também o orçamento público.
O foco tem que ser amplo e abranger sempre quem pagou e quem recebeu. Temos o costume, pelo menos no Brasil, de concentrar a culpa no poder público, como se as entidades privadas não fossem também participantes desses delitos. As empresas privadas, que têm todo esse apreço pelo mercado, têm de se preocupar em ter um mercado limpo.
Fatos como os que você investiga destacam ações que envolvem diferentes países. Não existe uma organização judiciária transnacional para enfrentar casos assim; cada país e cada sistema judiciário enfrenta o tema com sua própria organização e seus próprios recursos. Você não acha que respostas judiciais nacionais isoladas estão, frente à assimetria organizacional desse tipo de crime, em inferioridade de condições? É possível avançar em um desenho judiciário plurinacional, que some esforços e compartilhe experiências para atacar de maneira mais eficaz esse tipo de corrupção?
Seria apropriado que voltássemos a discutir mais intensamente a integração econômica da América Latina, acompanhada de uma integração institucional. Esse debate está um pouco paralisado na região. Talvez possa ser revitalizado, mas não vejo como poderíamos aprofundar a integração institucional sem aprofundar a integração econômica.
Há um preço a se pagar na economia quando o país enfrenta um problema como a corrupção? Na Argentina, enquanto se julgava a ditadura militar, ocorreu uma profunda crise econômica porque a instabilidade política foi produto desse julgamento. A Argentina se orgulha desse processo, mas naquele tempo o país pagou um preço do ponto de vista econômico. A economia brasileira também está passando por isso por causa da luta contra a corrupção?
É muito difícil estabelecer que esse processo tenha trazido custos maiores à economia do Brasil, porque quando ele foi iniciado a economia já vinha em um cenário de queda. Os analistas econômicos brasileiros se referem mais a perdas de produtividade e problemas relacionados à dívida pública e à desconfiança da capacidade do governo que a uma consequência do trabalho dessas investigações. Mas, sem dúvida, em um caso com essas dimensões, envolvendo tantas figuras públicas, acaba ocorrendo uma instabilidade política, e isso afeta a economia no curto prazo. O mais importante é vislumbrar os lucros que se pode obter mais adiante com o enfrentamento da corrupção sistêmica. Muitas vezes existe um quadro enganoso de um governo fazendo investimentos amplos, mas esses investimentos não são efetivamente produtivos. Isso ocorreu muito na Petrobras, com gastos gigantescos em determinadas obras, que não resultavam na construção e finalização dessas obras. Além disso, a corrupção afeta a integridade do mercado e afugenta investidores. Então, por mais que haja um preço momentâneo a se pagar, minha percepção é de que os lucros serão extremamente significativos. E nem se pode pensar nessa questão só pelo aspecto econômico. Como no caso da Argentina: sem dúvida os custos do enfrentamento da ditadura foram recompensados, e isso permanece como um legado.
Faz 10 anos que, na operação Farol da Colina (desmembramento do caso Banestado), você decretou 103 prisões, embora em sua maioria provisórias, por evasão de impostos e outros crimes. Na Lava-Jato, foram decretadas 175 prisões até o fim de 2016. Por que outros juízes não decretam tantas prisões como você?
Não acredito ser um campeão nessa estatística. Essas 175 prisões foram decretadas em um período de três anos. Se tomarmos qualquer jurisdição que trate de crimes como, por exemplo, o narcotráfico, em um período de três anos sem dúvida o número será muito superior a 175. Possivelmente a novidade não esteja no número de prisões, e sim no número de detentos ilustres, o que provocou toda essa atenção da sociedade brasileira ao caso.
No caso Banestado, você decretou pela primeira vez a prisão do doleiro Alberto Youssef. Pela primeira vez, fez um acordo de delação premiada com ele e também o condenou pela primeira vez. Sem ele haveria Lava-Jato? Ele foi o ponto principal para começar a desfazer essa trama?
Não. Ele já foi condenado, então posso falar disso mais claramente. Era um lavador de dinheiro profissional e um instrumento em mãos de gente muito mais poderosa. Era uma peça substituível, tanto que não era o único lavador de dinheiro profissional nesse caso.
O Tribunal Regional Federal da IV Região já reduziu a pena e absolveu quase um terço dos condenados por você. Isso está dentro da média ou é muito?
O sistema judiciário é um sistema de apelações e existem erros e acertos em várias das instâncias. Quem toma a palavra depois da primeira palavra é que prevalece. Foi o que entendeu o tribunal sobre esses casos. É um tribunal respeitável, de magistrados admiráveis. Houve ajustes de penas, mas em muitos casos elas aumentaram. É um pouco como o velho ditado: “Uma cabeça, uma sentença”. Acredito que são divergências razoáveis em um ramo do conhecimento que não se define por uma exatidão matemática.
Qual é a verdade sobre a suposta colaboração ilegal dos Estados Unidos nos acordos de delação premiada de alguns condenados da Lava-Jato? Pergunto em relação às tentativas de acordo realizadas pelos denunciados e testemunhas que não quiseram responder sobre o fato de que os advogados do ex-presidente Lula suspeitavam publicamente de que a Lava-Jato estaria ligada, pelo menos de maneira informal, ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
Como isso se refere a um caso pendente, inclusive são perguntas formuladas em um caso pendente, não estou em condições de responder. Às vezes, as pessoas fantasiam. Por exemplo, pessoas que se opõem às investigações chegaram a afirmar que eu seria um agente da CIA ou um agente do FBI. São coisas difíceis de responder de maneira séria.
Houve alguma participação do FBI na Lava-Jato?
Do FBI? Não. Só para esclarecer: nesse caso alguns dos crimes foram cometidos nos Estados Unidos. A Petrobras tinha ações na Bolsa, mas esses julgamentos ocorrem lá, e assim como nós não temos nenhuma ingerência nos julgamentos deles eles não têm nenhuma ingerência nos nossos. Podemos compartilhar informações, só isso.
Hoje, você voltaria a divulgar os áudios do ex-presidente Lula e da falecida ex-primeira-dama, dona Marisa, que foram considerados ilegais por não respeitar o sigilo e criticados por alguns integrantes do Supremo, como Marco Aurélio Mello?
Esse tema também se refere a um caso pendente, porque ainda vou emitir a sentença, então não posso dar uma resposta específica. Entretanto, quando ocorreu esse episódio, mandei minhas razões ao Supremo Tribunal Federal, e me manifestei em público. Está tudo explicado.
A morte do ministro Teori Zavascki afetou de alguma maneira o futuro do caso ou o seu trabalho?
O ministro Teori Zavascki foi um herói porque atuou nesses casos com uma notável independência e valentia institucional. Foi uma perda significativa, mas não se pode atribuir o caso ao trabalho de uma só pessoa. Há instituições atuando e os trabalhos continuam, assim como ocorreria se houvesse alguma situação comigo. O ministro Edson Fachin, agora responsável por esses casos no Supremo, é um jurista qualificado e deu sinais de uma atuação muito independente.
Quantos anos mais de Lava-Jato você imagina que haverá pela frente? Um? Dois?
É impossível realizar afirmações nesse sentido, e já me equivoquei anteriormente. O juiz, o fiscal e o policial não podem dar as costas quando aparece uma nova prova.
Você já disse que o Poder Judiciário precisa ser capaz de atuar mais rapidamente. Qual seria o tempo ideal para evitar esse mal latino-americano dos julgamentos intermináveis?
Eu não daria um prazo específico. O que acontecia no Brasil é que nesses processos com figuras poderosas muitas vezes o sistema era manipulado por meio de vácuos legais para que nunca se chegasse ao final do julgamento. E nosso Supremo Tribunal Federal entendia que só podia executar uma pena da prisão quando houvesse uma sentença final. Não sei como é exatamente a regra na Argentina, mas na França e nos Estados Unidos, dois países vistos como berços do conceito de se presumir a inocência até que se prove o contrário, normalmente depois de uma condenação penal para um julgamento de primeira instância já começa a prisão.
Você concorda que empresas como a Odebrecht sigam participando de licitações de obras públicas mesmo após terem admitido o pagamento de propina?
É uma pergunta difícil. Aqui tivemos esses julgamentos com um grande número de empresas, as maiores da construção civil, entre elas Odebrecht, e a conclusão foi que o melhor seria sua preservação com a punição dos responsáveis. Agora, como é possível preservar empresas envoltas em práticas de corrupção? Somente quando a empresa admite sua culpa, compromete-se a reparar os danos provocados e a adotar novas políticas para que os crimes não se repitam. Essas empresas dão o primeiro passo para se redimir e restabelecer sua reputação. O crime é terrível, mas deve se dar valor quando uma corporação dá passos para se redimir.
Gostaria de aposentar-se como juiz?
Sim.
Por que há cerca de um ano você trocou de automóvel e passou a usar segurança 24 horas por dia, às vezes com até 12 policiais? Em anos anteriores, você declinou ofertas de proteção pessoal, inclusive seguia fazendo trajetos de bicicleta, voltava caminhando sozinho do restaurante japonês Azuki, no qual almoçava. O que aconteceu?
Esta é uma amostra de jornalismo investigativo [risos]. Embora eu sinta saudades da minha bicicleta, não respondo perguntas sobre isso, inclusive por uma questão da segurança pessoal mesmo.
Sua esposa, Rosângela Wolff, também advogada, hoje é fiscal jurídica. Ela se preocupa com a segurança da família?
Segue a mesma linha da questão anterior.
Seu pai, Dalton, professor de geografia, falecido em 2005, era seu ídolo, como lemos na imprensa brasileira?
Embora eu não tenha nenhum problema com essa pergunta – e a resposta seria afirmativa –, acredito que o que importa é meu trabalho como juiz. Normalmente não respondo a essas perguntas muito pessoais.
Muito bem. Então, elimino todas as perguntas que tinha sobre Breaking Bad, música sertaneja, charutos...
[Risos] Estive em uma conferência recente e me perguntaram sobre meu gosto em relação a roupas. Dei essa mesma resposta. Não sou um artista de Hollywood para responder a esse tipo de pergunta.
Há uma pergunta do tipo que importa em termos de perspectiva. É verdade que você passou a infância em um bairro fechado e que pegou ônibus pela primeira vez aos 18 anos?
[Risos] Essas são notícias de blogs que não fazem jornalismo investigativo apropriado. Sou filho de professores, meu pai era professor universitário. Vida de classe média.
Seus estudos em Harvard, em 1998, foram importantes para o trabalho que realiza hoje?
O estudo do direito comparado sempre é importante. Foi uma experiência que resultou em um grande crescimento profissional, mas não diria que tem uma relação específica com esses casos.
Há dois olhares no Brasil: alguns o veem como herói, outros o acusam de incendiário. Como se relaciona com essas qualificações?
Ambas afirmações são incorretas. Existe um holofote sobre o meu trabalho, mas não me considero de maneira alguma herói nem vilão. Sou apenas um juiz fazendo seu trabalho.
Sinto que a fama o incomoda. Você entrou na lista da revista Time das 100 pessoas mais influentes do mundo e na lista da Bloomberg das 50 mais influentes. Hoje você tem uma responsabilidade superior à de um juiz.
O antigo ditado latino diz “Sic transit glorifica mundi”. Tudo isso é passageiro. Se houver alguma admiração de parte da sociedade brasileira em relação ao meu trabalho, isso me impulsiona a seguir com ele, sem necessidade de me deslumbrar. Se houver, o grande triunfo da operação Lava-Jato será o fortalecimento das instituições democráticas brasileiras e não uma vitória pessoal de um agente público.
Você já negou que seu pai fora fundador do PSDB em Maringá, sua cidade natal. Mas viveu na vizinha Ponta Grossa, onde foi educado dos 6 aos 16 anos por freiras Carmelitas espanholas. Você poderia revelar qual a inclinação política da sua família?
Devido à notoriedade, pululam algumas notícias sobre minha vida e meu passado, nem todas corretas, e às vezes com a intenção de qualificar meu trabalho como partidário. Por exemplo: eu nunca vivi em Ponta Grossa. E a orientação política é irrelevante, porque o juiz deve dar a sentença segundo a lei e as provas. Não tenho nada que esconder em relação a isso, mas não me parece pertinente aos temas da Justiça.
*Jorge Fontevecchia é jornalista e diretor-presidente do grupo argentino Editorial Perfil S.A.
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