O mundo do skate não seria o mesmo sem uma trilha sonora adequada
Paulo Cavalcanti Publicado em 12/11/2012, às 14h09 - Atualizado às 14h10
O skate é uma atividade relativamente recente. O certo é que, a partir do começo da década de 50, o esporte começou a se tornar popular na Califórnia, centro da cultura do surfe. Não era mera coincidência: a ideia do skate era “surfar” no asfalto. Outro termo usado para o skate na época era “sidewalk surfing”, literalmente, surfando na calçada.
No começo dos anos 60, a surf music surgiu no sul da Califórnia e ganhou o mundo. Abaixo dos Beach Boys, que eram os deuses do estilo, estava a dupla Jan and Dean. Jan Berry e Dean Torrance eram loiros, altos, atléticos e surfistas. Mas eram skatistas também. Em 1964, Jan and Dean pegaram a melodia de “Catch a Wave”, uma conhecida canção dos Beach Boys, e mudaram a letra. O resultado foi o hit “Sidewalk Surfing”. Em seus shows e em programas de TV, Jan and Dean faziam demonstrações de skate e explicavam os jargões do esporte.
Até a metade dessa década, o skate seguiu com força. Na época da contracultura, saiu de moda. O esporte voltou poderoso em meados dos anos 70, popularizado por equipamentos mais atraentes e menos custosos. Aos poucos, a subcultura se consolidava novamente não só em Los Angeles, onde surgiu, mas também em outros centros urbanos dos Estados Unidos. As mudanças na música e na cultura pop ajudaram no crescimento. A explosão do punk, a expansão da cena do heavy metal e o surgimento de novas vertentes de música negra agradavam à cultura do skate. Eram estilos musicais que valorizavam a liberdade, a rebeldia, o desafio e acima de tudo a libertação da adrenalina.
Os skatistas já tinham uma grande simpatia pelo punk original dos anos 70. Os garotos que cresceram ouvindo as bandas clássicas compraram instrumentos e criaram seus próprios grupos. Juntaram o interesse pelo skate com o som cru e urgente do punk. Nascia o skate punk. Naturalmente, a nova onda floresceu na Califórnia. Mas os pioneiros nem eram de lá. The Big Boys (Texas) e JFA (Arizona) são consideradas as primeiras bandas de skate punk. Todos os seus integrantes, inclusive, praticavam o esporte. Logo, nomes como Agent Orange, Minor Threat, Black Flag, NOFX e Bad Religion se tornaram referência em Los Angeles e arredores. O skate punk era mais elaborado que o punk original, trazendo acordes mais intrincados e se apoiando em discretas harmonias vocais. O estilo foi decisivo para ajudar na identidade sonora e estética de bandas de hardcore e de pop punk de Los Angeles dos anos 90. Assim, superstars como Green Day, Offspring e Blink-182 também passaram a ser identificados como autores de música de skatista.
Mesmo com os méritos das bandas citadas, nenhuma estreitou tanto a relação do punk e do rock pesado com o skate quanto o Suicidal Tendencies. A banda já seria lendária por influir decisivamente na evolução do thrash metal e do funk metal. Mas o Suicidal, que despontou para o sucesso com “Institutionalized”, tem um lugar especial na cultura dos skatistas, já que além de tocar em vários eventos do gênero foi responsável por criar hinos como “Possessed to Skate” e “Go Skate!”. Mike Muir, o líder, cantor e compositor do Suicidal, teve uma fonte de inspiração bem próxima: o irmão mais velho, Jim. O renascimento do skate em Los Angeles deve muito a Jim Muir. Ele foi um dos fundadores do Dogtown Skateboards, um time de skatistas radicais que surgiu na região de Santa Monica e na praia de Venice e era formado por adolescentes pobres e filhos de imigrantes. Um dos grandes fãs do pioneirismo do Dogtown é Ben Harper. O músico, que ainda pratica nos arredores de Los Angeles, ganhou sua primeira prancha quando tinha 9 anos e nunca esqueceu esses primeiros tempos. Harper chegou a declarar: “Esses caras definiram minha infância por meio do skate. Então, eu ainda tenho o maior respeito por eles”.
Ainda na década de 80, Los Angeles, com seus calçadões ornando suas praias enfeitadas por frondosas palmeiras, começou a ser invadida por skatistas, muitos usando walkman pré-histórico sintonizado em seu som favorito. Lojas de equipamentos e vestimentas de skatistas já começavam a aparecer em todos os cantos. Vários garotos entraram de cabeça na vida sobre duas rodinhas. Um deles se tornaria o vocalista do Red Hot Chili Peppers. Anthony Kiedis saiu de Michigan e teve a vida transformada quando se mudou para Los Angeles. Lá, tornou-se um surfista e skatista amador. Indagado sobre com o que ele mais gastou dinheiro na vida, o vocalista contou que: “nos anos 80, foi com droga. Antes disso, na década de 70, foi com o skate. Andar de skate era uma maneira legal de ir aos lugares”.
Outro roqueiro e skatista domingueiro era James Hetfield, do Metallica. Ele nunca teve talento ou intenção para competir; gostava mesmo de brincar com sua prancha em São Francisco. O problema é que Hetfield vivia tomando tombos e frequentemente quebrava os braços e as pernas. Há uma lenda de que, no começo da carreira do Metallica, existia uma cláusula que proibia o guitarrista e vocalista de andar de skate enquanto estivessem acontecendo as turnês.
Os skatistas também caíram de cabeça no metal, especialmente no thrash metal. O thrash é um estilo bem norte-americano e muitas bandas surgiram nas cercanias de Los Angeles, interagindo não com surfistas mas com skatistas. A agressividade e a velocidade proporcionavam o mesmo barato de uma manobra radical. Metallica, Slayer e Anthrax foram alguns dos megastars cujas canções foram adotadas pelas tribos skatistas. Nomes como Exodus, Kreator e Morbid Saint também eram apreciados. Ao longo dos anos, várias bandas de metal e hardcore também tiveram shapes personalizados com logos e imagens. Muitas dessas pranchas hoje valem uma generosa soma se estiverem em bom estado.
Os anos 80 também testemunharam a explosão do rap e do hip-hop. Esses estilos se tornaram identificados com a ocupação urbana e com as artes de rua como o grafite. Foi natural que os skatistas de todas as etnias, especialmente os habitantes de Nova York, se identificassem e adotassem o rap. Os Beastie Boys sempre foram queridos entre as equipes de skate. Suas canções foram usadas por vários vídeos produzidos por companhias como Birdhouse, BMX e Plan B. O ampeão Tony Hawk pode ser visto no vídeo The End, lançado pela Birdhouse, fazendo manobras ao som de “The Move”, dos Beasties.
São vários os rappers que gostam de se arriscar em cima de uma prancha. Dentre eles, Tyler, the Creator, Redman, Lupe Fiasco e Souljaboy. E agora o sempre polêmico Lil Wayne disse que por enquanto está aposentado do rap e vai dedicar seu tempo ao skate. “O skate é meu estilo de vida”, falou. “Se quiserem me encontrar, estarei em minha prancha.” No Brasil, a relação entre o hip-hop e o skate também é forte. Quem trafega pelos dois universos é chamado de gangueiro”. Os paulistas Marcus Vinicius Silva, o Kamau, e Fabio Luiz, o Parteum, desde os tempos de adolescente são conhecidos como hábeis praticantes do skate.
O encontro do metal com o hip-hop nos anos 90 também uniu muitos interesses. O nu metal trouxe System of a Down, Limp Bizkit, Slipknot, Linkin Park, Korn, que renovaram os laços entre várias tribos urbanas. Todas essas bandas também criaram verdadeiros hinos, que passaram a ser apreciados pelos skatistas.
A relação do skate com a música é tão intensa, que alguns campeões e competidores até se lançaram no mundo musical. Dentre eles, Duane Peters, Steve Caballero, Tommy Guerrero e Ray Barbee. Cada um tem seu estilo. O veterano Peters, criador de manobras inovadoras na década de 70, foi um dos primeiros skatistas a adotar o estilo de vida punk e, como cantor e compositor, fez parte de várias bandas do gênero. Ray Barbee prefere temas instrumentais de jazz rock. Tommy Guerrero tem um lado musical eclético e suas canções trafegam pelo soul, rock, rap e funk. Ele participou de varias bandas e lançou alguns CDs solo. Já Steve Caballero, que fez fama nas pistas nos anos 80, prefere o velho punk e além de seu trabalho solo, já tocou com muita gente do circuito hardcore.
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