O adeus a Jair Rodrigues, o eterno rei da alegria.
Mauro Ferreira Publicado em 11/06/2014, às 16h49 - Atualizado em 13/06/2014, às 12h14
Largo e farto, assim como a voz projetada nacionalmente nos anos 1960, o sorriso onipresente de Jair Rodrigues esteve estampado nas capas da maior parte dos 42 álbuns do cantor paulista. Não
raro, títulos de discos como O Sorriso do Jair (1966) vendiam diretamente a alegria que caracterizou a obra e a vida do artista de canto e temperamento esfuziantes. Calada aos 75 anos por um infarto do miocárdio, sofrido em 8 de maio na sauna da casa dele em Cotia, no interior de São Paulo, a voz do cantor ainda ecoa pelo Brasil.
Jair Rodrigues sai de cena, mas deixa pelo menos três gravações históricas. A primeira foi feita logo em 1964, no início da carreira musical. Trata-se de um samba, “Deixa Isso pra Lá” (Edson Menezes e Alberto Paz), que por embutir um refrão falado é tido exageradamente como “o primeiro rap brasileiro”. Nascido em Igarapava (SP), o próprio cantor se gabava do pioneirismo com o orgulho de um sambista que também sabia ser seresteiro. O sucesso foi tanto que, em 1965, Rodrigues já era o fino da bossa da MPB surgida na era dos festivais, dividindo palcos, discos e programa de TV com ninguém menos do que Elis Regina. Naquele momento, ele também já era um dos maiores cantores do Brasil, embora fosse seguido de perto (e mais tarde suplantado) por um carioca cheio de charme, marra e suingue de nome Wilson Simonal.
No rastro das vendagens milionárias dos álbuns assinados com Elis Regina, em parceria que durou até 1967, Jair Rodrigues pôs seu nome definitivamente na história da música brasileira em 1966 com a interpretação emblemática de “Disparada” (Geraldo Vandré e Theo de Barros), politizada moda de viola que desvendou para os olhos urbanos um Brasil sertanejo, habitado por povo marcado e guiado como gado. De início, Vandré não queria que o performático cantor defendesse sua música no II Festival da Música Popular Brasileira. Mas se curvou quando a interpretação de Rodrigues disparou na preferência do público. “Disparada” acabou empatada no primeiro lugar da competição com “A Banda”, marcha do então emergente Chico Buarque de Hollanda, cantada por Nara Leão.
Minimizada pela mídia refratária aos fenômenos do Brasil rural, a terceira gravação recordista de Jair Rodrigues viria a surgir somente em 1985, década de vacas mais magras, na qual o cantor já alternava discos de repertório seresteiro (vertente iniciada com Antologia da Seresta, álbum de 1979) com registros dirigidos ao mercado sertanejo. Pois foi com “A Majestade, o Sabiá”, gravada ao lado da dupla paranaense Chitãozinho & Xororó, que Rodrigues abriu a porteira do mercado caipira, vendendo milhares de discos e revelando, de carona, a compositora paraibana Roberta Miranda.
Jair rodrigues começou a cantar ainda adolescente, tendo que dividir a música com outros ofícios de menor glamour, como o de engraxate, até se firmar na carreira. A extensa discografia foi iniciada em 1962, com a gravação de um disco de 78 rotações com duas músicas gravadas para embalar os jogos da Copa do Mundo do Chile, e se encerrou involuntariamente em fevereiro último, mês em que a gravadora Som Livre lançou no iTunes os dois volumes do álbum Samba Mesmo. Gravado em 2013, o trabalho foi produzido pelo filho Jair Oliveira, que desde criança trilha o caminho musical seguido pelo pai desde os anos 1950.
Mais do que o sorriso, o samba foi o gênero que dominou a obra fonográfica de Jair Rodrigues, estando presente nos títulos de nove de seus álbuns. Mas muitos discos também cravaram a palavra “bossa” no título, em alusão ao suingue que parecia espontâneo no canto do intérprete que quebrou barreiras entre palco e plateia e interagia com o público exalando alegria de viver e cantar. Assim era Jair em ação: um verdadeiro rei negro em êxtase permanente, dançando e festejando como um eterno menino.
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