Stallone: homem de ferro

Ressurgido pós-nocaute, Sylvester Stallone reencontra a felicidade em Rocky Balboa

Pablo Miyazawa

Publicado em 14/08/2007, às 10h50 - Atualizado em 02/09/2007, às 22h14
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O sessentão Stallone: "Teve uma época em que eu só queria saber de carrões, limusines, mansões, jóias. E eu era muito infeliz" - Divulgação

Eu queria ser mais parecido com Rocky". Em uma simples frase, Sylvester Stallone explica e justifica o que o levou a resgatar da aposentadoria o personagem que o conduziu ao topo (em Rocky, Oscar de Melhor Filme de 1976) e ao abismo (Rocky V, de 1990, é considerado um dos piores filmes de todos os tempos).

Como toda relação entre criador e criatura, as vidas de ambos se confundem. Assim como Rocky, Stallone, 60 anos, também enfrentava o ostracismo em silêncio. Há anos não fazia um papel de relevância nem conseguia grandes êxitos em bilheterias. Vivia de um passado distante. Em Rocky Balboa, sexto exemplar da série, Rocky é um ex-lutador viúvo e solitário que vive de contar sobre suas proezas passadas. Sua insistência em lutar é motivo de piada e descrença. Sob um contexto atual, a relevância de ambos - Stallone e Rocky - é pequena, quase nula.

Stallone sabia que o retorno de sua maior criação geraria inevitáveis comparações: da mesma forma que Rocky, ele busca a redenção das multidões e o respeito e a aceitação das novas gerações. No filme, não por coincidência, o retorno de Rocky aos ringues é consolidado por seu êxito em um combate virtual semelhante a um videogame, transmitido em cadeia nacional. Mais antenado, impossível.

Desnecessário dizer que Stallone não existiria sem Rocky, tanto quanto o inverso é verdadeiro - apesar do ator admitir mais as diferenças do que as semelhanças. Ambos são homens de família: Sly é casado há quase 10 anos com Jennifer Flavin, com quem tem três filhos. Levam vidas regradas: a forma é mantida à base de exercícios físicos pesados e dietas. São fiéis às tradições: seus trabalhos favoritos fazem parte dos primórdios de sua carreira. "Nesta ordem: o primeiro Rocky, F.I.S.T., Rambo: Programado para Matar, Falcões da Noite", diz, citando só os clássicos, mas sem esquecer de seu principal filme sério: "e Cop Land", pelo qual ganhou elogios pela atuação e recebeu um dos menores cachês de sua carreira (US$ 60 mil). "Nunca estive tão feliz", admite com calma e sem constrangimento. Assim mesmo, não se dá por satisfeito. Já de cabelos compridos, prepara-se para as filmagens do quarto exemplar do também incansável Rambo, previsto para 2008. Aos 60 anos, Stallone está apenas começando.

Você voltou a lidar com o boxe no reality show The Contender. Agora, lançou Rocky Balboa. Por que esse esporte atrai tanto você?

Gosto do simbolismo que o boxe representa. É como a nossa vida, ou seja, uma luta constante: um dia você está muito bem, tudo dá certo. Daí, em um segundo, a vida lhe dá um soco e você é nocauteado. Você levanta, você cai, a vida é assim. A relação é bastante simbólica.

Se você tivesse que escolher outro esporte que não o boxe, qual seria?

Gosto de esportes em que um enfrenta sozinho o outro. Tênis, golfe, bilhar& meu negócio é com disputas "um contra um".

Imagino que quando você escreveu o roteiro do primeiro Rocky, há mais de 30 anos, não esperava participar de mais cinco filmes estrelados pelo mesmo personagem, não?

[Risos] Para mim, é um maravilhoso privilégio ter vivido a maior parte de minha vida interpretando o mesmo personagem.

É impossível assistir a Rocky Balboa e não torcer muito pela recuperação do Rocky. De onde veio a inspiração para criar as emoções que envolvem o personagem?

Acho que todos nós temos uma "criança madura" dentro de nós, em nosso coração. Quando nos tornamos adultos, as pessoas nos dizem para agirmos e pensarmos como homens, mas ainda há um lado infantil nosso que precisa se revelar. O Rocky nada mais é que uma criança grande e inocente, que fala tudo o que vem à cabeça. É por isso que ele não é uma ameaça a ninguém e ninguém se sente ameaçado por ele. Ele é bonzinho feito uma criança. Pensei nisso quando o escrevi, uma espécie de contradição ambulante. Por fora, ele é esse lutador violento. Por dentro, é mole como manteiga.

As cenas em que você pratica exercícios são bem realistas. Você realmente fez tudo aquilo?

[Risos] Sim. Sabia que aqueles exercícios um dia serviriam para alguma coisa...

E tem aquela cena horrível na qual você até bebe um copo cheio de gemas de ovo...

Eu queria fazer uma homenagem ao primeiro filme com aquela cena. Quer dizer, se ele está bebendo aquilo, é porque está levando a sério os treinamentos. [Risos]

Só espero que você não beba gemas de ovos também na vida real.

Bem, não é algo que eu recomende.

Voltando, você está com 60, e parece mais forte e preparado que o próprio Antonio Tarver [que interpreta o oponente de Rocky, Mason Dixon], que na vida real é um campeão de boxe. Quanto tempo do seu dia você passa puxando ferro e se exercitando?

Faço musculação três vezes por semana, mas procuro me preocupar com minha alimentação cinco dias por semana. Daí, aos sábados e domingos posso comer o que quiser. Então, é assim: de segunda à sexta você se cuida um pouquinho, toma cuidado... Aí, no final de semana, sobram dois dias livres para enlouquecer. [Risos]

E o que você come nesses dias?

A minha dieta "boa", você quer dizer? Eu como muito bife, muita carne de vaca. Normalmente uns vegetais verdes, brócolis, espinafre ou só uma saladinha. Não como muita batata frita ou coisas gordurosas desse tipo. Também como porco, presunto, filé. Não sou lá um grande fã de peixe, mas gosto de uma receita de filé de linguado excelente. Adoro peixe agridoce também. Daí, no sábado à noite é dia de sorvete, cheesecake, pizza...

E bebidas alcoólicas, são permitidas?

Cerveja? É claro! Às vezes chego a engordar uns 5, 6 quilos só no fim de semana. Aí, chega a segunda-feira, eu volto a tomar cuidado. Durante a semana, o peso extra foi todo embora. É como um ciclo, sabe?

Quanto da personalidade de Rocky você, Stallone, tem em si próprio?

Bem... não o suficiente. Eu queria ter muito mais. Eu acho que não tenho a enorme paciência dele, nem essa habilidade de jamais se irritar. Rocky nunca tem nada de ruim para falar sobre ninguém. É um cara simples, honesto e honrado. Não se irrita se perde uma luta. Se vence, seu ego não fica inchado. Quisera eu ser mais parecido com ele. Sabe, Rocky não precisa de muito para ser feliz. Você nunca vai escutar ele falando sobre dinheiro. Ele não está nem aí para carrões de luxo ou riquezas. A única coisa que ele realmente quer é ser amado.

Carros, dinheiro, riquezas... essas coisas já foram importantes para você?

Sim, antigamente, eram muito. Mas, à medida que fui ficando mais velho, percebi que nada disso tem muita importância. É por isso que gostei de você ter tocado nesse assunto. Eu já passei por tudo isso, sabe? Teve uma época em que eu só queria saber de carrões, limusines, mansões, jóias. E eu era muito infeliz. E percebi que não se pode comprar a felicidade, e que o homem só é feliz se estiver bem com seu coração. É a única coisa que importa. A coisa mais preciosa do mundo é sentir amor, que alguém se importa com você, que não se está sozinho nesse mundo.

Hoje, então, você diria que é feliz?

Muito feliz. Nunca estive mais feliz.

Você acha que o público que assistir a Rocky Balboa irá ao cinema movido por uma curiosidade mórbida ou por uma expectativa verdadeira em rever a série no cinema?

Uau, que bela pergunta. Curiosidade ou expectativa? Uau. [Risos] Deus, essa é difícil de responder. Acho que o público mais jovem irá ao cinema por curiosidade. A expectativa fica por conta dos adultos.

Já é hora de Rocky ser levado a sério?

Eu acho que sim, afinal os filmes estão aí há anos e possuem relevância e servem como inspiração para muita gente... Pode não ser o favorito dos críticos, mas o que posso fazer? Rocky é uma história maluca da qual tive a sorte de participar, e tudo indica que ela toca o coração das pessoas de uma maneira especial. Acho que já está mais do que na hora de ser levado a sério.

Rocky Balboa me parece um retorno ao seu "antigo eu", após papéis sérios como em Cop Land e D-Tox. O que houve? Você se cansou de ficar parado, sentiu falta da ação?

[Risos] Não... Eu não me importo em interpretar personagens pacatos. Mas sei que existe expectativa do meu público - eles querem mais de mim do que apenas isso. É por isso que, se Rocky Balboa vingar, vou fazer mais trabalhos como esse. Quero dirigir mais, como faz o Clint Eastwood. Vou procurar projetos divertidos, mas principalmente significativos.

Você foi um ídolo adolescente durante os anos 80 e 90. Todo moleque tinha um pôster seu na parede. Sente falta desse tempo?

Nem um pouco. Acho que isso é algo que acontece só uma vez na vida. Querer passar por isso novamente não é algo lá muito saudável. Esse tipo de sucesso deve acontecer quando se é jovem. Sou muito mais feliz agora, com a auto-estima, a confiança e a paz de espírito que adquiri trabalhando e passando por bons e maus momentos. Já é hora de deixar a nova geração ter seus momentos de fama.

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