Bob Dylan disseca o apocalíptico (e às vezes supreendentemente doce) novo álbum, Tempest
Mikal Gilmore | Tradução: J.M. Trevisan Publicado em 17/09/2012, às 15h06 - Atualizado às 15h07
Bob Dylan descreve Tempest, seu 35º álbum de estúdio, como um trabalho em que “vale tudo e você precisa acreditar que vai fazer algum sentido”. Mas não é o disco que ele havia se proposto a realizar. “Eu queria fazer algo mais religioso”, ele diz. “Mas eu não tinha [canções religiosas] o bastante. O que eu queria eram faixas intencionalmente, especificamente religiosas. Requer muito mais concentração – fazer isso dez vezes, com o mesmo tema – do que para compor o álbum que acabei fazendo.”
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O álbum “vale-tudo” que acabou saindo está cheio de grandes histórias, finais e momentos impressionantes. Foi gravado no estúdio de Jackson Browne, em Los Angeles, com a banda que acompanha Dylan nas turnês – Tony Garnier (baixo), George G. Receli (bateria), Donnie Herron (steel guitar), Charlie Sexton e Stu Kimball (guitarras), além de David Hidalgo (guitarra, violino e acordeão). “Tin Angel” é a história devastadora de um homem em busca de seu amor perdido; a dolorosa “Soon After Midnight” parece ser sobre amor (mas talvez seja sobre vingança); a vingativa “Pay in Blood” mostra Dylan repetindo sombriamente a frase “I pay in blood, but not my own” (“Eu pago em sangue, mas não com o meu”). A delicadeza e a sensibilidade fecham Tempest, em “Roll on, John”, o tributo sincero de Dylan ao amigo John Lennon.
A faixa-título é uma descrição – de quase 14 minutos – do desastre do Titanic. Várias canções folk e gospel já falaram do evento, incluindo “The Titanic”, da Carter Family, em que Dylan se inspirou. “Eu estava tocando, brincando com aquela música uma noite”, diz. “Gostei da melodia – gostei muito. Pensei: ‘Acho que vou me apropriar dela’. Mas para onde eu iria a partir dali?” Elementos da versão de Dylan para o Titanic são familiares – figuras históricas, o fim inescapável. Mas nem tudo é calcado em fatos. Os deques do navio são lugares onde a loucura reina (“Brother rose up against brother. They fought and slaughtered each other” – “Irmão se voltou contra irmão. Eles lutaram e mataram uns aos outros”), e até Leonardo DiCaprio aparece. (“É, o Leo”, diz Dylan. “Acho que a música não seria a mesma sem ele. Ou o filme”). “As pessoas vão dizer: ‘Bem, não é muito verídico’”, explica o músico. “Mas compositores não se importam com veracidade. Importam-se com o que aconteceu, com o que poderia ter acontecido. Esse é seu tipo de verdade. É como as pessoas que leem as peças de Shakespeare, mas nunca assistem às peças de Shakespeare. Acho que elas apenas usam o nome dele.”
A menção de Dylan a Shakespeare levanta uma questão. O último trabalho do dramaturgo se chama The Tempest (A Tempestade, no Brasil), e alguns já perguntaram: seria Tempest o último trabalho do músico de 71 anos? Bob Dylan nega a ligação. “A última peça de Shakespeare se chamava The Tempest. Não Tempest. O nome do meu disco é só Tempest. São dois títulos diferentes.”
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