No auge do sucesso, o Black Keys encontrou uma nova maneira de chegar ao fundo do poço. Agora, a dupla espera retornar aos eixos com o disco.
Patrick Doyle | Tradução: Ligia Fonseca Publicado em 13/06/2014, às 12h40 - Atualizado às 14h36
Em uma manhã clara de abril, Dan Auerbach deixa a filha de 6 anos na escola e volta para casa para uma sessão de boxe com o primo, que está morando em cima da garagem dele. A tarde chega, e ele dá a partida no sedã BMW preto em frente à sua modesta casa, em estilo bangalô, em Nashville, para ir a um de seus lugares preferidos de macarrão vietnamita, que ele come quase diariamente. Bronzeado e usando uma jaqueta militar surrada, o guitarrista e vocalista do Black Keys entra no restaurante quase vazio e imediatamente pede um café gelado coado; a filha dele, Sadie, está deixando-o acordado mais do que o normal ultimamente. “Ela me acorda à 1h, às 3h e às 5h da manhã”, conta. “Levanto, volto com ela para o quarto e a coloco na cama. Não me importo com isso, mas estou tentando fazer com que ela fique na própria cama.”
Auerbach ainda está se adaptando à vida de pai solteiro, com tarefas que incluem comprar o primeiro par de sapatos Doc Martens para Sadie e ler para a classe da menina. Em agosto último, o músico finalizou o divórcio de Stephanie Gonis, após quatro anos de casamento – e o processo foi brutal. De acordo com documentos do tribunal obtidos por sites de fofoca, o músico alegou que Stephanie tentou se matar na frente de Sadie e botou fogo na casa deles (no mesmo relato, a ex-esposa argumentou que a tentativa de suicídio foi uma reação a “anos de abuso” do marido e que o incêndio foi um acidente). Stephanie se internou em uma clínica de tratamento e, depois, recebeu US$ 5 milhões no acordo de divórcio; Auerbach agora tem a guarda temporária da fi lha. “Foi o ano mais difícil da minha vida, com certeza”, ele afirma. “Sadie é a única coisa que importa – deixá- la confortável e estável.”
Auerbach mina o estrago emocional do relacionamento em Turn Blue, o álbum mais sombrio do Black Keys até hoje, gravado simultaneamente ao processo de divórcio e à turnê de 130 shows da banda para o álbum El Camino (2011). Ele soa como um homem sendo empurrado até o limite – perguntando se sua amante tem medo do inferno na faixa-título, e descrevendo os pesadelos da filha com a mãe ausente em “10 Lovers”. Em uma das sessões de gravação, o baterista Patrick Carney e o produtor Brian Burton, mais conhecido como Danger Mouse, começaram a se questionar se Auerbach estava pronto para trabalhar. “Dan estava ficando frustrado”, conta Carney. “Nunca o tinha visto daquele jeito. Normalmente, ele é quase prolífi co demais. Jamais vi as coisas simplesmente pararem.”
O próprio Carney passou por um divórcio difícil em 2009. “Eu não tinha filhos e o meu já foi difícil, então dá para imaginar”, diz. Mas o baterista enxerga uma conexão entre os problemas matrimoniais dele e os de Auerbach: “Somos caras de Ohio. Fomos criados para ter um emprego, uma família. Ninguém te prepara para o que é querer manter esses ideais e equilibrar isso com seu trabalho. Durante anos, você não consegue nada e é tratado como um zero à esquerda, e então a coisa muda. Ninguém te prepara para essa transição, e isso causa problemas reais”.
Todo dia, a caminho de seu estúdio, o Easy Eye Sound, Auerbach passa pelo lendário Studio B da RCA, onde Elvis Presley e os Everly Brothers gravaram; ele também passa em frente ao Quonset Hut Studio, fundado em 1954 pelo produtor Owen Bradley, onde Johnny Cash, Patsy Cline e Bob Dylan fi zeram música. “Esses são [os locais do] nascimento do rock e do country e de alguns dos melhores discos sonicamente já gravados – amo isso”, ele afirma, sentado sob um velho pôster de um show do The Rascals no lounge do Easy Eye, um edifício cinza sem sinalização, discreto exceto por uma cerca de arame farpado nos fundos. No lounge também há duas motos antigas perto de uma parede com jaquetas de gangues de motoqueiros, um sofá confortável, bichos de pelúcia, prateleiras com livros sobre rock e vários prêmios Grammy.
Auerbach ganhou, no ano passado, o Grammy de Produtor do Ano por seu trabalho com o Black Keys, o Hacienda e Dr. John. Recentemente, compôs músicas com seu herói John Prine para um possível futuro álbum. “Foi inacreditável”, conta. “Tudo o que ele escreve é engraçado e verdadeiro, mas não é para qualquer um.” Auerbach considera a parceria o seu projeto mais satisfatório. “Tocar para 50 mil pessoas é legal, mas quando tenho uma relação com meus ídolos, como quando RZA fala meu nome ou John Prine diz ‘Ei, Dan!’ – isso é o melhor.”
No estúdio, Auerbach pega a guitarra preferida dele – uma Kent japonesa branca que comprou por US$ 100. “Comprei uma Les Paul Gold Top 1952 no mesmo dia – a mais cara e a mais barata de uma vez só. Nunca uso a Les Paul, mas sempre toco esta. Esse é basicamente o nosso negócio.” Ele aponta para um microfone condensador caro “grande e besta” que só usou uma vez – em vez disso, prefere usar microfones dinâmicos de US$ 75. “Pat e eu líamos fóruns sobre gravação quando estávamos começando, sobre como você precisava dos equipamentos mais caros – eram só idiotas que faziam discos que soavam péssimos.”
O guitarrista sorri ao descrever a prática que chama de “sangria controlada”: colocar estrategicamente um microfone em um instrumento para gravar outro. Para demonstrar, vai até a sala de controle para tocar sua mais recente produção: a cantora Lana Del Rey. Ele conheceu a cantora através de um amigo em comum em Nova York e ela acabou gravando todo o segundo álbum dela com Auerbach. “Foi incrível”, afirma. “Lana é realmente excêntrica, sabe? Extremamente talentosa. Tem uma visão definida do que quer ser, musical e visualmente. Ela enxerga
isso como um grande projeto de arte que pode fazer, o que é ótimo.”
Turn blue foi um disco quase completamente diferente. A dupla do Black Keys estava esgotada da turnê quando se encontrou em Benton Harbor (Michigan), em janeiro de 2013. Inicialmente, os dois gravaram alguns rocks com riff s em alta velocidade ao estilo de El Camino, um álbum que Auerbach agora considera “produzido demais”. “Em El Ca-mino, dissemos: ‘Vamos compor um disco que soe como se fosse inteiro composto por singles’”, conta Carney. “[Em Michigan] ainda estávamos naquela coisa de singles. Queria que ele deixasse o disco simplesmente respirar, e acho que Dan queria que as músicas andassem, sabe? Houve alguns momentos tensos.”
Depois de uma turnê pela América do Sul – incluindo uma passagem por São Paulo no festival Lollapalooza, em 2013 –, o Keys se reuniu com Danger Mouse para duas semanas de gravações em Nashville. Elas duraram um dia, depois que Auerbach ficou desestimulado ao gravar um vocal e desistiu. “O Dan estava nervoso”, afirma Carney. “Entrei e pensei: ‘Não posso fazer isto agora. Não quero desperdiçar nosso tempo. É difícil demais eu me concentrar neste momento’”, Auerbach acrescenta. Danger Mouse voltou para casa no dia seguinte. Auerbach tirou
raras férias, pilotando uma Harley-Davidson 1937 até a Carolina do Norte para acampar com alguns amigos.
Um momento de revelação veio quatro meses depois disso, nos estúdios Sunset Sound, em Los Angeles, quando a banda gravou “Weight of Love”, uma faixa áspera de sete minutos sobre separação. “Estávamos simplesmente tocando e foi tipo: ‘Foda-se, sabemos o que é um single e isto não é um single, então por que colocar restrições quanto ao que é?’”, conta Carney. Ela deu origem ao que Auerbach chama de um “som denso, líquido” e expansivo (“Este é basicamente nosso The Dark Side of the Moon”, brinca Carney). “Foi a primeira vez em que usei a música terapeuticamente”, revela Auerbach. “Tive muita sorte na vida, mas este ano definitivamente me estou. Ele me fez perceber quão sortudo sou por ter música na minha vida e poder entrar em estúdio, ter todos esses músicos como amigos que podem vir e tocar comigo. É incrível, sabe?”
Carney fuma um cigarro na frente de casa enquanto as duas cadelas wolf hound irlandesas dele, Darla e Charlotte, uivam. “Elas gostam de colocar a cabeça na sua virilha – as duas fazem isso e brigam por ela”, explica Carney. Ele está irritado porque acabou de descobrir que o novo álbum póstumo de Michael Jackson, Xscape, seria lançado no mesmo dia que Turn Blue, o que, para ele, poderia atrapalhá-los. “[É] uma porcaria que fede tanto que levaram três anos depois da morte dele para deixá-la audível”, alfi neta, entrando em casa. A preocupação dele acabou sendo em vão: Turn Blue estreou direto no primeiro lugar na parada norte-americana.
Diferentemente da casa modesta de Auerbach, a de Carney é imensa, uma estrutura quase como a de um castelo, moldada como uma casa de fazenda francesa. Foi aqui, no quintal, no outono de 2012, que Carney se casou com Emily Ward, uma linda e inteligente ex-aluna da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Emily trabalhava como assistente pessoal de uma atriz quando eles se conheceram no bar preferido de Carney, o Cabin Down Below, no East Village nova-iorquino. Ele usou um smoking branco na cerimônia, oficiada pelo ator Will Forte, e com 350 convidados.
Na maioria das noites, depois que Emily dorme, Carney fica inquieto. Ele procura na Wikipédia sobre discografias de bandas e atualiza sua conta no Instagram com fotos de tudo. Ultimamente, está tentando se afastar da mídia social (“basicamente, superei”, ele diz), mas admite
que está atento às reações dos fãs ao single dançante do Keys, “Fever”. “As pessoas ficam falando: ‘O que diabos aconteceu com o Black Keys? Há sintetizadores na música toda!’ E eu penso: ‘Os nossos últimos três singles tinham sintetizadores!’.” Ele mira em pessoas que acusam o
Black Keys de se vender, tanto musicalmente quanto por permitir que as faixas da banda apareçam em diversos comerciais, como da Nissan, Victoria’s Secret e Zales. “Adoto a ideia punk de 1978 – o The Great Rock ’n’ Roll Swindle do Sex Pistols”, dispara. “Ser pago para fazer o que se ama? É o máximo. Não há nada de errado com isso.” Mesmo assim, os shows fechados que eles costumam fazer para grandes empresas – de Coca-Cola a Citibank – são realmente necessários? “Sinceramente, que se dane”, ele rebate. “Não estamos fazendo shows para o [ditador
líbio Muammar al-] Gaddafi.”
Com a dupla reunida, a conversa muda para o começo do Black Keys, quando eles gravaram jams soltas de blues para o primeiro álbum, The Big Come Up, em uma mesa de quatro faixas no porão de Carney, em 2002. “Dan sempre foi o melhor guitarrista que conheço, sempre aberto
a novas ideias”, diz o baterista. “A maioria dos meus amigos estava interessada em fazer barulho com a guitarra e escrever letras bestas, fazer pose, mas Dan realmente estava cantando.” pose, mas Dan realmente estava cantando.” “Nunca fomos amigos – só conhecidos do bairro”, conta Auerbach, “mas tínhamos essa coisa quando nos juntávamos e ela sempre soou como música. E assim, ficamos unidos”. Auerbach ainda fica impressionado por a mesma banda estar prestes a encabeçar sua segunda grande turnê por estádios nos Estados Unidos. “Nunca achamos que chegaríamos a este nível”, ele reflete. “Passamos anos vendo tantas outras bandas chegarem ao topo, passar por nós em um carro esportivo enquanto estávamos em uma minivan. Um ano depois, o carro esportivo delas quebrou no acostamento da estrada. E nós continuamos indo em frente.”
Entre intrigas
Em 2013, a rixa entre o Black Keys e Jack White ficou ainda mais intensa
Para aumentar o drama do ano passado, a briga de longa data do Black Keys com Jack White piorou. Dizem que White, que também mora e tem um estúdio em Nashville, impediu Dan Auerbach de entrar em um evento em seu estúdio. Em agosto, um e-mail particular com palavras fortes vazou, no qual White implorava para a ex-mulher, Karen Elson, tirar os filhos da classe da filha de Auerbach. White também acusou Auerbach de imitá-lo.
“Ahn, bom, é inesperado, estranho, sabe?”, diz o guitarrista quando questionado sobre isso, com um sorriso enigmático. “Não o conheço, então é extrainesperado, entende?” “Ele obviamente parece ser um babaca”, afirma Patrick Carney. “Fico com vergonha alheia, mas não guardo mágoas, cara. Realmente não. Todo mundo fala coisas horríveis na vida privada.
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