Kid Vinil foi um dos mais importantes comunicadores da música em território nacional
Paulo Cavalcanti Publicado em 21/06/2017, às 17h55 - Atualizado às 17h58
Conheci o Kid lá por 1980, 1981, não sei ao certo. Também não tenho certeza do local, mas acho que foi na Wop Bop, do mestre Rene Ferri, em uma galeria na rua Barão de Itapetininga, no centro de São Paulo. A Wop Bop foi a melhor loja de vinil do Brasil e ponto de encontro certeiro para esbarrar com um cara cujo apelido era justamente “Vinil” – ele batia cartão por lá (na época, até pensei que fosse um dos proprietários). Era simples fazer amizade com o Kid. Bastava você mostrar que gostava de verdade de música.
Sempre foi difícil definir a exata ocupação dele: Kid era cantor, músico, radialista, DJ, VJ, produtor, jornalista, colecionador de discos, executivo de gravadora... Com um rosto que lembrava uma daquelas máscaras de Groucho Marx, alto, meio desengonçado, ele também podia remeter a um desenho do Angeli. E Kid era mesmo um personagem – deixou para trás o passado de Antônio Carlos Senefonte, seu nome de registro, e se transformou no Kid Vinil, um herói do Brasil.
Na década de 1980, Kid virou celebridade nacional à frente da banda Magazine com hits como “Sou Boy”, “Tic Tic Nervoso”, “Comeu” e “Glub Glub no Clube”. Mas muita gente que o via vestido de astro da new wave e bancando o canastrão saltitante em programas de auditório mal sabia que ele tinha um passado musical bastante sólido. O artista foi um dos primeiros a tocar e a divulgar o punk no Brasil com a banda Verminose.
Como homem da indústria, ele passou por várias gravadoras, sendo responsável pelo lançamento de muito material precioso no mercado nacional. Mas, acima de tudo, era um grande comunicador. Falava com desenvoltura e escrevia com fluidez. Para toda uma geração, Kid Vinil foi um visionário quando apresentou o Som Pop, na TV Cultura, desfilando vídeos raros e novidades. Nada mais justo do que a MTV tê-lo chamado para ficar à frente do programa Lado B. Ele sempre se mostrava generoso e disposto a compartilhar sua vivência, algo que se manteve na era das redes sociais, quando dividia seu conhecimento enciclopédico sem jamais soar arrogante.
Encontrei-me com Kid incontáveis vezes em eventos, shows e lançamentos. Lembro quando fui ao apartamento dele no bairro do Bixiga, em meados dos anos 1980. Sua coleção de discos já era fabulosa e seguiu crescendo ao longo das décadas. Kid não alimentava preconceitos musicais e tinha um pouco de tudo em seus armários. Guardava discografias completas, edições especiais e inúmeras raridades. Sempre o via por aí garimpando preciosidades em locais como a extinta Nuvem Nove, memorável loja de CDs localizada no bairro do Itaim. Kid costumava aparecer lá com seu cão, Kosmo, que emocionou os amigos do artista ao participar do velório, em São Paulo. Por causa da profissão, também nos encontrávamos em ocasiões curiosas, como em 2009, quando fomos juntos participar do programa Todo Seu, do Ronnie Von, na Rede TV, para falar sobre os 40 anos do Festival de Woodstock.
Quando foi noticiado que Kid havia passado mal em um show na cidade de Conselheiro Lafaiete, em Minas Gerais, fiquei apreensivo. No mesmo dia soube que Jerry Adriani, outro amigo, teria poucos dias de vida. Jerry foi antes, no dia 23 de abril; Kid partiu em 19 de maio, aos 62 anos, em São Paulo, onde ficou internado cerca de um mês (a causa foi parada cardiorrespiratória agravada pelo diabetes e pela hipertensão).
Kid Vinil era um daqueles caras que faziam os amigos comentarem que, quando morresse, iria direto para o céu, o que quer que isso significasse. Ele deve estar lá, certamente em busca de um local para montar prateleiras para LPs.
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