No fim dos anos 80, o ator estava a caminho para o estrelato. Aqui, ele explica sua origem e sua metodologia de trabalho
Redação Publicado em 17/08/2010, às 08h29 - Atualizado em 27/10/2012, às 16h31
Tom Cruise está telefonando por causa de uma palavra. Ele começa a conversa sem nem dar "oi" e vai direto ao assunto: "Será que você pode mudar a palavra surreal para real?" Acabamos de encerrar uma entrevista de três horas, e, embora eu tenha dificuldades em lembrar exatamente onde Cruise usou a palavra surreal, ele não parece ter dificuldade nenhuma. "Quando estava falando sobre Top Gun", ele diz. "Eu quis dizer real. Mas em vez disso disse surreal. Quero mudar."
É algo típico de Cruise. Ele está bastante interessado em controlar a situação. Pediu que a entrevista, feita em Oklahoma City, onde está filmando Rain Man, fosse conduzida no meu quarto de hotel, não em sua suíte. A razão aparente é que seu quarto seria muito confuso, com distrações demais. Mesmo que seja verdade, também é verdade que meu quarto não carregaria traço algum de sua personalidade, pista alguma de sua natureza.
Cruise, 26 anos, cultivou seus instintos de sobrevivência desde cedo. Seu pai, um engenheiro elétrico, se mudava com a família - Tom, sua mãe e três irmãs - aonde quer que seu trabalho o levasse. Quando Cruise tinha 12 anos, seus pais se divorciaram e ele se tornou "o homem da casa". Não foram tempos felizes. Cruise, que nasceu Thomas Cruise Mapother IV, descreve sua infância como "muito difícil, com muita pressão". "Olho para trás, para os meus anos escolares e desejo jamais voltar", ele diz. Depois de faltar às cerimônias de graduação do ensino médio, Cruise se livrou do último nome e mudou-se para Nova York à procura de uma carreira no show business. Sua mãe, uma ex-aspirante a atriz, lhe deu sua bênção e depois de cinco meses Cruise já havia conseguido seu primeiro papel: uma pequena participação no filme Amor sem Fim. Depois veio Toque de Recolher, em que interpretou um cadete militar rebelde, e então, logo na sequência, Porky 3 ("Meu favorito entre os filmes que fiz", diz Cruise sarcasticamente sobre a bomba adolescente), Vidas sem Rumo e, em 1983, Negócio Arriscado. "As coisas ficaram meio loucas depois disso", diz ele, em tom tipicamente subestimador, "mas enlouqueceram de vez depois de Top Gun". Top Gun - Ases Indomáveis foi o filme número 1 em 1986, arrecadando US$ 171,6 milhões. Em seguida, Cruise fez A Cor do Dinheiro, contracenando com Paul Newman, e foi escalado para estrelar Rain Man, com Dustin Hoffman. Mas Rain Man enfrentou uma série de dificuldades. Enquanto os problemas eram resolvidos - o roteiro era reescrito, diretores entravam e saíam -, Cruise filmou Cocktail, dirigido por Roger Donaldson, a história de um "bartender profissional", em Manhattan. O tema de Cocktail é semelhante ao de quase todos os filmes de Tom Cruise: Brian Flanagan, personagem dele, precisa escolher entre o bem (o amor verdadeiro) e o mal (o sucesso em uma vida de excessos).
Cruise fez um curso de bartender para o papel - chegou até a trabalhar algumas noites em um bar badalado de Manhattan - do mesmo modo como aperfeiçoou sua técnica de sinuca para A Cor do Dinheiro e voou em jatos para Top Gun. Extremamente disciplinado, ele molda seu corpo para se adequar a cada personagem. "Em Negócio Arriscado, eu estava menos em forma, mais pesado", diz ele, citando exemplos. "Em Top Gun eu estava bem malhado. Cada vez é diferente."
Você parece alternar entre filmes tipicamente comerciais, como Top Gun, e menos comerciais, como A Cor do Dinheiro ou Cocktail. É intencional?
Veja, realmente não sei o que é comercial e o que não é. Se você der uma olhada em Top Gun, mesmo a partir do roteiro ruim, verá que há um bom potencial comercial. Mas Top Gun poderia ter seguido uma rota diferente. Tinha de ser como uma montanha-russa, e podia ter sido como um carrossel. Com Cocktail, eles estavam com medo de fazer o filme, porque é baseado mais no personagem e não é tão extravagante. É como uma visão dura e séria do que é o sonho americano hoje. E o personagem nunca se torna esse sucesso tão grande. No fim, o que o filme diz é: "Você tem de ser feliz onde você está e com quem você é". E não sei se essa é realmente uma ideia comercial. Mas mesmo assim é uma ideia que rendeu milhões de dólares. É difícil definir.
Andam dizendo que Cocktail e Rain Man são seus primeiros papéis de "gente grande".
Por que dar importância a isso? Deixe que a audiência constate por si. Sempre fiquei espantado quando eu tinha 19 anos e eles diziam, "Mas ele só faz papel de adolescente". E eu pensava, "Olhe para mim. É isso o que posso interpretar no momento". Em Rain Man, minha idade não é o principal. Interpreto um personagem que se fechou emocionalmente para o resto do mundo. Ele não consegue assumir a responsabilidade d e cuidar de uma pessoa. E duranteo filme - não sei o quanto disso posso contar - meus negócios começam a ir mal. Meu personagem importa Lamborghinis, eu cometo um erro e me passam a perna. Esse personagem está sempre cinco passos à frente e nunca pensa sobre o que está acontecendo. Quero dizer, é sempre, sempre, sempre andando para a frente.
É uma comédia?
Certamente. Mas também acho que muitas pessoas passarão a enxergar seu próprio autismo por meio desses personagens. Além de as pessoas se divertirem e saírem do cinema satisfeitas com o filme, elas vão dizer: "M eu Deus, sou assim também". Ou: "Eu faço essas coisas".
Em Rain Man, Dustin Hoffman faz o seu irmão. Você provavelmente viu A Primeira Noite de um Homem quando tinha...
Dez. Vi quando tinha dez anos de idade.
E você entendeu?
Ah, acho que não entendi muito.Mas vi de novo quando tinha 14 ou 15, e entendi bem melhor.
E aí você vai e faz um filme com Hoffman.
É. É fantástico. Quero dizer , é como com os pintores. Você quer estudar com os mestres e ser capaz de trabalhar com Hoffman e Newman e Martin Scorsese (que dirigiu Cruise em A Cor do Dinheiro) - é exatamente isso. Quando encontrei Hoffman - bem, sempre fico nervoso quando encontro alguém famoso, especialmente se admiro o trabalho e se teve um impacto na minha vida em termos de música, cinema ou teatro. Sempre penso: "Como eles vão ser?" Hoffman e Newman só te fazem se sentir bem e confiante em seu trabalho.
Rain Man teve uma série de problemas. Vários diretores - Martin Brest, Sydney Pollack, Steven Spielberg - foram considerados antes de se chegar a Barry Levinson. Você achava mesmo que o filme seria feito um dia?
Cara, só em alguns momentos. Foram dois anos difíceis. Mas, toda vez que o filme passava por alguma mudança, eu falava com Dustin e ele dizia: "Escuta. Se quisermos fazer este filme, faremos. Você quer fazer este filme, Cruise?" E eu dizia: "Como quero respirar, quero fazer este filme". E ele respondia: "Bem, vamos aguentar e ficar firmes e vamos fazê-lo".
Quando começou nesse ramo, você tinha muita fé, no sentido de saber que daria certo como ator?
Eu não tinha ideia. Para começar, eu não tinha a menor noção a respeito de empresários. Mas sentia que não tinha muita escolha na vida. Atuar foi a única coisa em que fui capaz de me direcionar.
Tinha quantos anos?
Dezessete.
Pediu conselhos a alguém?
Na verdade uma colega de classe tinha uma empresária em Nova York. Ela era a triz, tinha feito alguns comerciais e coisas assim. Então peguei minha mãe - vivíamos em Nova Jersey na época - e fomos par a lá. Me lembro que fomos em um carro pelo qual eu tinha pago uns US$ 50. Era a hora do rush e minha mãe e eu tínhamos discutido por causa de alguma coisa. Acho que não estávamos nos falando e, por ter 1 7 anos, eu não podia ter empresário sem que a minha mãe assinasse o contrato comigo. Então ela entra no carro, estamos indo para Nova York. Disse a minha mãe: "P are o carro em qualquer lugar". E fui encontrar com a mulher.
Como ela era?
Ela me fez ler um comercial da Hershey's, e, você sabe, era uma daquelas situações tipo: "É, é, é, gatinho, você é lindo, vou te transformar em uma estrela". E comecei com essa pessoa. M e lembro que ela me chamava para Nova York - isso foi até antes de eu me formar - dizendo que íamos a uma reunião importante. E eu chegava na cidade e ela me pedia para fazer serviços ou ir até o mercado. Por isso, depois de um mês, disse que queria demiti-la. E ela disse: "Bom, você não pode". Eu tinha assinado um contrato de cinco anos. Graças a Deus eu tinha 17. Só tive que chamar meu advogado e consegui outro empresário. Logo depois disso, resolvi que não queria mais empresário algum. Tinha apenas um agente. Empresários podem ser uma armadilha em Hollywood.
Você chegou a traçar um prazo em termos de se tornar um sucesso?
Para diminuir a ansiedade dos meus pais, dis- se que me daria dez anos. Se não desse certo em dez anos,eu disse a eles, me mudaria para LosAngeles e viraria mendigo na praia ou algo assim. Mas ainda não se passaram dez, então resolvo quando chegar lá.
Você é conhecido como um ator muito autos suficiente, no sentido de estar envolvido em todos os aspectos de sua carreira.
Acho perigoso não estar. Muitos atores não querem saber de negócios, não querem saber de suas finanças, não querem saber de roteiros. Não tenho alguém par a ler os roteiros que me mandam. Sou eu mesmo quem lê tudo.
A primeira versão do roteiro de Top Gun era terrível, por isso você trabalhou nele com os produtores Don Simpson e Jerry Bruckheimer antes de concordar em estrelar o filme.
Top Gun tinha apenas uma ideia par a o personagem e, sim, o primeiro roteiro não era bom. Mas é só você procurar essa ideia par a o personagem, e é a partir daí que começa. Você se envolve e faz funcionar. Mas estava nervoso por causa de TopGun. Me ofereceram o filme depois de eu fazer A Lenda, que foi enorme e cansativo. Depois disso, quis ser muito cuidadoso no que diz respeito a me envolver de novo em qualquer tipo de produção épica. Embora eu tenha aprendido muito - algumas daquelas cenas te deixam sem fôlego - não acho que Ridley Scott precisava de mim necessariamente para fazer o filme. Podia ter sido qualquer um naquele papel.
A que se deve o enorme sucesso de Top Gun? Jatos. Esse é o truque do filme. Foi o artifício que fez com que funcionasse.
A natureza militarista de Top Gun o preocupou? Sim. Percebi que participando desse filme seria a tacado por pessoas achando que se tratava de um filme militarista de direita. Mas o que me empolgou - e acho que você tem que vê-lo pela ótica de como foi filmado - foram os j atos. Adoro aviões. Via o filme como um Star Wars com aeronaves de verdade. O que estávamos tentando alcançar era mais o senso de competitividade, a velha rivalidade militar . E aí a marinha colocou quiosques de recrutamento do lado de for a dos cinemas. Não tenho controle sobre isso e não entendo como as pessoas podem dizer: "Bem, você está matando pessoas em Top Gun". Mas não fiz o filme como ferramenta de propaganda.
Gosta de se assistir nos filmes?
Nem sempre gosto de me ver . Às vezes é assustador. Mas assisto às filmagens no fim do dia e isso acaba me ajudando a ver se o personagem está no tom certo ou não. Porque às vezes fazer um filme é como dar um tiro no escuro. Se consigo ter uma ideia do quadro geral, eu rendo mais.
Você "se torna" o personagem que está interpretando? Li que durante Toque de Recolher você foi bastante influenciado por seu personagem.
Sim, fui. Sabe, eu tinha meu grupo dentro do filme e fora. Pegávamos um barril de cerveja e pirávamos. Foi muito intenso. M as leva tempo par a desenvolver uma habilidade, e aí você percebe que não precisa viver assim 100% do tempo. O melhor modo que tenho paz compor o personagem é ter certeza de que estou em boa forma. Não consigo me concentrar a menos que me sinta bem e limpo. Não consigo atuar quando estou cansado.
Quando era mais novo, você tinha alguma idéia do que era ser famoso?
Sempre pensava: "Meu Deus, quando crescer não vou ter problema algum". Ou: "Quando eu for rico e famoso ou bem-sucedido como ator, não terei problema algum". Pensei que não haveria o mesmo tipo de política. Quando eu era criança, nos mudávamos uma vez por ano e a política de ser sempre o garoto novo dentro do sis tema era muito intensa. Os grupinhos, sabe? Você tem os democratas aqui, os republicanos ali, os garotos do country club lá, os atletas, os escritores espalhados. E aí havia eu. Não me encaixava em nenhum grupo. Estudava história americana em uma escola e então me mudava para outra onde estavam estudando o homem de Cro-Magnon. E, no dia que eu começava na nova escola, havia prova. Era muita pressão, muito difícil. Não tinha muitos amigos, quero dizer, eu tinha amigos, mas ninguém que realmente me conhecesse. Acho que isso me tornou auto- destrutivo. Eu era autodestrutivo quando era jovem.
Em que sentido?
Eu era inconsequente. Ainda sou assim, mas de um modo mais específico. Minha inconsequência vai par a o meu trabalho. Mas, por outro lado, estava sempre em busca de a tenção. Entrava em brigas, era suspenso da escola. Acho que vinha da necessidade de ser criativo. Se você não consegue criar, começa a se destruir.
Você tinha algum mecanismo de sobrevivência?
Claro. Em cada lugar diferente, eu me tornava outra pessoa. Você tem que criar seu próprio mundo quando está sempre de mudança desse jeito. Era apenas meu modo de lidar com as coisas. Quando você precisa lidar com um monte de problemas, pode afundar ou aprender a nadar. Ou você encara e supera ou aquilo pode te devorar. Você apenas escolhe. Vou sobreviver? Estava tentando sobreviver da melhor maneira possível.
Você parece mais feliz quando está trabalhando.
É verdade. Entre A Cor do Dinheiro e Cocktail, não trabalhei por quase dois anos e já estava ficando louco. Aconteceram os problemas com Rain Man, e não havia nada que eu quisesse mesmo fazer, então decidi tirar seis ou sete meses de férias. Nunca mais vou fazer isso. Também não gosto de ficar em um lugar só. Vivo em N ova York, mas depois de ficar lá por , digamos, três meses, estou pronto para viajar para algum outro lugar ou fazer alguma coisa. Gosto de muitas mudanças.
Você é famoso por dublar e dançar, como fez em Negócio Arriscado. Você dança em Cocktail?
Não. Mas Bryan Brown e eu fazemos malabarismos com garrafas em dupla. É o tipo de coisa que esses bartenders profissionais fazem. A s pessoas correm para ver esses caras. E eles têm suas técnicas. Por exemplo, dão drinques de graça para as garotas mais bonitas, porque elas fazem os caras irem até o balcão. Falam com todo mundo, mas se o cliente não dá gorjetas, não é a tendido. O cinzeiro dele não é limpo e eles não gastam tempo extra. Esses caras nem se chamam de bartenders. Se chamam de extratores. Eles extraem o seu dinheiro do seu bolso par a o deles. O que interessa é o dinheiro.
Cocktail é, supostamente, um filme para maiores de 18 anos, o que quer dizer que suas cenas com atrizes como Lisa Banes e Elizabeth Shue devem ser bem ousadas. Você é um símbolo sexual desde Negócio Arriscado, m as a inda assim ouvi falar que existe uma cláusula no seu contrato dizendo que nenhuma imagem das cenas dos seus filmes pode ser liberada sem sua aprovação - sendo que a ideia por trás disso é que nenhuma pose exageradamente sexy sua seja usada para promovê-lo. É verdade?
Sim. Você sabe, há um elemento de negócios nessa indústria, e esse é o meio mais fácil de fazer algo a respeito. Cenas de sexo não são tão excitantes quanto parecem. Precisam ser espontâneas, mas você discute antes o que v ai fazer. O diretor em geral fica constrangido. Embora hoje não seja tão difícil quanto antes.
É só parte do trabalho.
Mais um dia no escritório.
Em entrevistas passadas, você se definiu como sortudo. Em A Cor do Dinheiro, o personagem de Paul Newman diz: "Há certa arte em ter sorte". O que acha que ele quis dizer?
Acho que ele falava sobre talento. Se você não tem ta- lento quando a porta se abre, se você não consegue fazer a oportunidade funcionar em seu favor, então não está usando sua sorte. E precisa ser esperto o bastante para confiar em seu talento. T em que saber quando é a hora certa. Porque a coisa toda do sucesso é que você fica com medo de arriscar. Olho para trás agora e fico imaginando: "Será que eu faria algo como Negócio Arriscado?"
Acha que teria feito?
Ah, sim. Acho que teria, mas aí você dá uma olhada no filme e vê que era a estreia de um diretor, e quem iria imaginar? Por isso cada filme tem que ser como se fosse o primeiro. Não dá para excluir nada. Seria fácil aceitar um filme comercial, mas quero fazer algo que me faça levantar da cama de manhã. E, se você errar, bem, você sabe... Mas até agora tenho tido sorte. Acho que, se você resolve arriscar, tudo é possível.
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