Vítimas da guerra, refugiados sírios têm entrada facilitada no Brasil
Lucas Borges
Publicado em 22/10/2015, às 10h05 - Atualizado às 10h24Anas obeid, ali alkadam, Tarik Balbke e Nour Koeder são mais quatro imigrantes na América do Sul. Diferentemente de estrangeiros que entregam tudo o que têm a intermediários para entrar de maneira irregular em território brasileiro, esses quatro jovens na faixa dos 20 anos são convidados do país. Anas, Ali, Tarik e Nour – que chegaram ao Brasil em diferentes datas, entre três meses e dois anos atrás – fazem parte de um grupo de mais de 4 milhões de refugiados sírios espalhados pelo mundo, uma diáspora iniciada em 2011. Inspirados pela Primavera Árabe, em 2010, manifestantes saíram às ruas das cidades de Damasco e Aleppo protestando contra o presidente da Síria, Bashar Al-Assad, por melhores condições sociais e liberdade. A revolta foi duramente reprimida pelo líder em batalhas que se estendem até hoje, levando o território a uma situação catastrófica. Agora, além da guerra civil, grupos extremistas como o Estado Islâmico duelam entre si e contra o poder oficial, tornando o ambiente ainda mais apocalíptico. Fora os deslocados internacionalmente, outros 7,6 milhões fogem do caos dentro da própria Síria. Para se ter uma ideia, até 2011, a população total do país era de pouco mais de 20 milhões de habitantes. O governo brasileiro facilitou, a partir de uma resolução de 2013, a obtenção de vistos especiais para cidadãos sírios, em particular nas embaixadas de países vizinhos como Turquia, Jordânia e Líbano. A resolução teria chegado ao fi m em setembro, mas foi prorrogada até 2017. “Há dois tipos principais de migração: a socioeconômica e a forçada, que chamamos de refúgio”, diferencia Beto Vasconcelos, presidente do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), órgão vinculado ao Ministério da Justiça. “A migração forçada tem regimes legais próprios. Ela é caracterizada quando há perseguição por raça, religião, nacionalidade, grupo social ou orientação política e quando há grave violação dos direitos, o que normalmente ocorre quando há confl ito armado ou guerra.” Mais de 2 mil sírios atravessaram os 10 mil quilômetros até a nossa fronteira nos últimos anos, repetindo o caminho feito na primeira metade do século 20 pela hoje estabelecida colônia sírio-libanesa no Brasil. O número ainda é bem menor que o dos 39 mil haitianos que entraram no país entre 2010 e 2014. Principal ponto de fuga das vítimas da terra de Bashar Al-Assad, a Turquia recebeu quase 2 milhões de pessoas vindas do país vizinho. No total, cerca de 8 mil refugiados de guerra de diversos países estão abrigados no Brasil atualmente e mais 12 mil já solicitaram a entrada legal no país. No mundo inteiro, segundo a ONU, 60 milhões de pessoas estão deslocadas devido a conflitos armados. Anas, Ali, Tarik e Nour passaram todos por nações árabes vizinhas antes de chegarem ao Brasil, incentivados pela facilidade da obtenção do visto. Reunidos em 12 de setembro para um evento organizado pelo Movimento Terra Livre em uma ocupação que abriga 51 imigrantes do Oriente Médio na Liberdade, tradicional bairro de descendentes de japoneses em São Paulo, eles não se cansam de agradecer à receptividade brasileira. Nenhum deles se conhecia antes de chegar ao país. O encontro foi facilitado pelas redes sociais, por meio das quais promovem atividades conjuntas. Diferentemente de Anas, jornalista na Síria e hoje cozinheiro em um restaurante de comida árabe, Tarik, antes estudante e hoje confeiteiro em uma doceria típica, e Ali, que continua sendo vendedor de roupas, Nour é o único desempregado. Formado em moda em seu país de origem, ele é menos otimista que os três amigos. “O Brasil está passando por uma situação muito difícil, muito ruim”, diz. “Estou sem trabalho há um mês. Vou continuar aqui porque onde minha família mora, na Jordânia, não dão nem documento.” Além do aumento da estrutura do Conare, afirma o presidente da entidade, o governo tem atuado com estados, municípios e ONGs por meio de ações de acolhimento e concessão de documentação geral e carteira de trabalho. “Algumas associações garantem assistência social, psicológica e jurídica e promovem cursos de português. E o refugiado tem acesso ao sistema público de saúde e de educação”, explica Vasconcelos.