Cage desabafa: "Como os executivos do cinema só querem ganhar dinheiro, preferem que você continue fazendo o que está dando certo" - Divulgação

Veloz e furioso

Nicolas Cage encarna o Motoqueiro Fantasma e fala sobre fama, cachês milionários e o bode de Hollywood

Elaine Guerini Publicado em 01/03/2007, às 00h00 - Atualizado em 01/09/2007, às 19h55

Sentado em uma poltrona vermelha de veludo nos estúdios de Culver City, em Los Angeles, Nicolas Cage recebe a reportagem da Rolling Stone sem dizer uma palavra. Tímido e distante, passa os primeiros minutos da entrevista olhando fixamente para o chão. Só depois que o assessor entra na sala, trazendo café e água, é que o ator levanta o olhar e começa finalmente a prestar atenção. A estranheza é quebrada aos poucos, ainda que ele nunca pareça à vontade falando de si mesmo. "O fato de não falar muito talvez seja uma bênção", ironiza o ator de 43 anos.

Cage veste camisa branca, terno preto e tem o cabelo desalinhado, que aparentemente deixa crescer e chama a atenção pelo tom artificialmente preto. O motivo que leva o ator a receber a imprensa é o lançamento de Motoqueiro Fantasma, a versão cinematográfica do quadrinho homônino da Marvel, dirigido por Mark Steven Johnson. O papel do herói tomado pelo espírito de vingança, o que o transforma em uma caveira flamejante sobre duas rodas, só confirma a queda do ator pelos tipos intensos, desajustados e muitas vezes desequilibrados. "Não saberia como interpretar um sujeito muito normal", confessa.

Em Motoqueiro Fantasma, seu personagem vende a alma ao diabo para salvar a vida do pai. Você já se sentiu pressionado no sentido de vender a alma à Hollywood, aceitando repetir sempre o mesmo papel?

Sim. Como os executivos do cinema só querem ganhar dinheiro, preferem que você continue fazendo o que está dando certo. Mas nunca colaborei muito nesse sentido, pois me sentiria totalmente desmotivado. Minha intenção sempre foi fugir da mesmice, buscando diversidade e trazendo algum aspecto menos convencional aos tipos que interpreto.

Você chegou a comer uma barata viva em Um Estranho Vampiro (1989) e teve um dente extraído sem anestesia durante a preparação para Asas da Liberdade (1984). Até que ponto toda essa mitologia excêntrica que sempre esteve ao seu redor ajudou a sua carreira?

Ajudou, e isso foi parcialmente intencional, à medida que eu mesmo criei essas situações e deixei as histórias se propagarem. Achei que elas acrescentariam um interesse humano ao meu trabalho. Sempre gostei da idéia de que as pessoas poderiam questionar se tudo isso era fruto de um comportamento estranho ou se era apenas mais um personagem.

Gosta de ser chamado de excêntrico? Tem orgulho por não ser tão previsível e convencional?

Não me importo com isso.

Ultimamente, porém, você não parece encorajar mais essas histórias sobre suas esquisitices...

Daqui para frente, vou deixar meu trabalho falar por mim. Prefiro ser interpretado pelos papéis que escolho. Não faço mais nada para interferir na relação do público com o meu personagem.

O fato de você não ser um galã também o ajudou a construir uma galeria de personagens menos óbvios?

Não tenho certeza disso.

O que mudaria em sua carreira?

Hoje, acredito que tudo aconteceu por uma razão. Mas cheguei a pensar que talvez tivesse sido melhor ter começado mais tarde. Tinha apenas 17 anos quando iniciei minha carreira como ator profissional. Só agora entendo que foi uma maneira produtiva de me expressar, o que me impediu de fazer algo autodestrutivo com minha vida.

Você acha justos os salários milionários de muitos atores em Hollywood, incluindo o seu (cerca de US$ 20 milhões)?

Isso é subjetivo. Por um lado, parte do que o ator ganha equivale à pressão exercida sobre ele no projeto todo. E quanto mais ele fatura, mais terá de trabalhar na promoção do filme e mais privacidade perderá ao longo do processo.

Por já ter sido casado com mulheres famosas, como a atriz Patricia Arquette e Lisa Marie Presley, a herdeira de Elvis Presley, foi um alívio ter escolhido uma mulher comum como terceira esposa (Alice Kim, ex-garçonete)?

Sim. Hoje entendo que ninguém entra em uma relação com outra pessoa famosa a não ser que queira chamar mais atenção. E o pior é que a maioria dos casais de celebridades se comporta como se não quisesse estar sob os holofotes, o que é mentira. Por que embarcariam em uma relação que os expõe ainda mais? Todo mundo sabe que isso fatalmente vai acontecer.

A maioria também diz que não liga para ganhar um Oscar, que não trabalha de olho no prêmio...

Outra mentira. Eles podem fingir que não ligam, mas todos querem ganhar um.

O que realmente significou para você conquistar uma estatueta por Despedida em Las Vegas (em 1996)?

Profissionalmente, pouco mudou, pois minha carreira já estava estabelecida. Mas foi um momento especial, em que aproveitei para agradecer a todas as pessoas que me ajudaram. Confesso que tinha sonhado com isso por muitos anos. Por alguma razão, era algo que sentia que precisava realizar. Talvez por conta da minha família.

Por ter vencido na carreira, provando ser mais que o sobrinho de Francis Ford Coppola (O Poderoso Chefão), não pensa em voltar a trabalhar com o tio? (Coppola o dirigiu em O Selvagem da Motocicleta, de 1983, Cotton Club, de 1984, e Peggy Sue: Seu Passado a Espera, de 1986)

Adoraria, mas nunca mais fui convidado para nenhum projeto. Aceitaria qualquer oferta que partisse dele ou de minha prima, Sofia Coppola.

Recentemente você comprou um castelo na Alemanha. Isso significa que está cansado de Los Angeles, pretende mudar-se?

Sim. Não quero mais morar em Los Angeles, onde todos parecem consumidos pela faceta business e glamurosa do cinema. Sempre lutei para não perder a noção de quem sou. Mesmo assim, me sinto incomodado ao ver como as pessoas se iludem. Esquecem que, por ser uma arte, o cinema é artificial por natureza.

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